Ação e usos clínicos da vitamina D

André Silva Franco* e Rosa Maria Rodrigues Pereira** 

*Médico residente do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
**Professora titular da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da USP e diretora do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

A vitamina D ficou conhecida pelos seus efeitos no metabolismo ósseo após estudos observacionais do século 19, com relatos de maior incidência de raquitismo em crianças com hipovitaminose D. Curiosamente, crianças que viviam em países subdesenvolvidos, principalmente no meio rural, tinham menor incidência da doença óssea, quando comparadas às que viviam em cidades industrializadas, em decorrência da maior exposição à luz.

Concomitantemente, foi identificado que a vitamina D estava presente em óleo de peixe, porém, sua concentração variava a depender da sazonalidade. Acreditou-se que essa diferença ocorria pela quantidade de luz a que os fitoplânctons eram expostos. Entretanto, apesar de confirmado que esses organismos sintetizavam provitamina D2, a partir do ergosterol, principalmente com o estímulo da radiação ultravioleta, a substância encontrada nos extratos de peixe era diferente: vitamina D3. Em estudos posteriores, confirmou-se que os peixes sintetizam vitamina D3, a partir do 7-deidrocolesterol presente em sua pele. O mesmo ocorre em humanos, quando expostos à radiação ultravioleta. Essa molécula passa por duas hidroxilações, uma hepática e outra renal, sendo transformada em l,25-(OH)2-vita- mina D3 (calcitriol), que age no intestino aumentando a absorção de cálcio e fósforo, efeito que fica prejudicado quando o nível sérico de 25-(OH)-vitamina D é baixo, principalmente se inferior a 10 ng/mL.

Nos últimos anos, o receptor da vitamina D foi encontrado em outras células não participantes do osteometabolismo, como queratinócitos - justificando o uso de análogos de calcitriol no tratamento da psoríase pelo efeito antiproliferativo -, células neoplásicas, sistema renina-angiotensina-aldosterona e células do sistema imune inato e adaptativo, reduzindo citocinas inflamatórias, como interferon-γ e interleuci- na-2, e alterando o perfil de linfócitos T auxiliadores de padrões mais inflamatórios para perfis de maior tolerância. Uma metanálise do nosso grupo identificou benefícios na suplementação de vitamina D em pacientes com doenças reumáticas autoimunes, por reduzir níveis de anti-dsDNA em lúpus, e tendência à menor ativação em pacientes com artrite reumatóide.

Com a pandemia do novo coronavirus, várias estratégias foram aventadas para combater a covid-19, inclusive o uso de altas doses de vitamina D. Um estudo duplo-cego randomizado, realizado pelo nosso grupo, utilizou dose única de vitamina D, 200 mil UI, administrada por via oral em pacientes recém-internados por covid-19. A intervenção não produziu qualquer efeito sobre o tempo de internação, mortalidade ou outros parâmetros clínicos, mas tampouco houve efeitos adversos (hipercalcemia ou litíase renal). Neste grupo de intervenção, o nível sérico aumentou em cerca de 24 ng/mL.

Até o momento, as sociedades de Reumatologia, Endocrinologia e Osteometabolismo recomendam a dosagem apenas para populações com fator de risco de desenvolver hipovitaminose D, a saber: obesos, idosos, pessoas com má absorção intestinal, doenças autoimunes ou com patologias que impossibilitem a exposição solar, como lúpus eritematoso sistêmico ou câncer de pele.

A exposição solar adequada, de 2 a 3 vezes por semana, em mãos, face, braços e pernas deve levar a níveis séricos adequados de vitamina D. Para indivíduos jovens, saudáveis, valores séricos acima de 20 ng/mL são considerados adequados ao osteometabolismo. Em pacientes com comorbidades, principalmente osteoporose, artrites inflamatórias, doenças disabsortivas, uso de glicocorticoides e de anticonvulsivantes, valores superiores a 30 ng/mL são mais adequados.

Quando a exposição solar não é suficiente, ou há contraindicação a esta, deve-se suplementar, por via oral, com doses de 800 a 1000 UI/dia. Para pacientes com valores iniciais muito baixos (< 10-15 ng/mL), pode-se prescrever dose de ataque: 50.000 UI/semana por 8 semanas, e então manter dose

Devemos encarar a vitamina D como uma medicação, com usos clínicos bem definidos de 800 a 1000 UI/dia. Para populações especiais (e.g. cirurgia bariátrica, obesidade, doenças disabsortivas), podem ser necessárias doses maiores para que se atinjam os níveis séricos adequados.

A reposição intramuscular não está indicada como procedimento de rotina. Imga et al. compararam a reposição oral diária e semanal e intramuscular em mulheres obesas e não obesas, com deficiência de vitamina D, e mostraram que a reposição oral foi superior à intramuscular de vitamina D.

Vale lembrar que níveis séricos iguais ou superiores a 100 ng/mL aumentam o risco de efeitos adversos, conforme demonstrado por diversos relatos de casos (hipercalcemia, nefrolítiase, arritmia e perda de função renal). Este é o corte para toxicidade.

Devemos encarar a vitamina D como uma medicação, com usos clínicos bem definidos, para evitar doenças relacionadas ao metabolismo do cálcio, entre elas: osteomalácia e raquitismo, osteoporose e prevenção de fraturas. Até o momento, não há evidências robustas de seu uso em outras patologias. A dose recomendada é individualizada, almejando-se níveis séricos superiores a 20 ng/mL e, em populações específicas, permitindo-se níveis séricos mais elevados sem, entretanto, ultrapassar o nível tóxico de 100 ng/mL.


Referências e leitura recomendada:
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