Ai que vontade de morder

A mordida é um comportamento típico de crianças e bebês até os três anos ou um pouco mais. Morder é uma forma de demonstrar emoções (geralmente insatisfação, raiva e descontentamento) enquanto a criança ainda não domina a linguagem. Entre 18 meses e três anos a criança é muito impulsiva e não consegue se comunicar muito bem. A mordida, portanto, acaba se tornando uma forma de se manifestar.

Ocorre numa disputa por espaço, atenção ou brinquedos; em reação a uma ação inesperada de outra criança; como demonstração de afeto ou imitação de gestos que observa em casa e incômodo por não ter o que fazer. Ou seja, sem recursos verbais ou outras habilidades para organizar sentimentos de desejo, afeto, frustração ou raiva, a ansiedade é transformada em mordida.

Segundo Cisele Ortiz, psicóloga e coordenadora do Instituto Avisa Lá “Morder é a forma de contato sensorial com o desconhecido e a comunicação corporal que as crianças possuem numa determinada fase do desenvolvimento”

Morder é um tema sensível para os pais e cuidadores. Parece primitivo e rude, e muitos acham que esse comportamento indica alguma perturbação emocional. As crianças que mordem geralmente agem por impulso - sem pensar nas consequências. Da mesma forma como é comum que as crianças mordam cedo, também é frequente que deixem de fazê-lo à medida que vão crescendo. A preocupação só deve aparecer caso o hábito continue depois dos 3 ou 4 anos, quando as habilidades sociais estão mais desenvolvidas e a linguagem verbal já não é mais um problema, diz Edyleine Peroni Benczik, neuropsicóloga especialista em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP), e Carol Braga, psicóloga especializada em Psicologia Infantil e Familiar (SP).

Saber que um comportamento é comum não tranquiliza os pais das crianças que mordem. Menos aindaos pais das crianças que são mordidas. O mais importante nessa situação é oferecer à criança uma educação afetiva de modo que ela tenha espaço - em casa e na escola - para expressar seus sentimentos. Se a pedagogia do amor não funcionar, nenhuma outra funcionará.

Orientação é o segredo

As crianças aprendem a lidar com as emoções à medida que crescem. Até os 2 anos, conhecem poucas formas de demonstrar seus sentimentos e, como o vocabulário é muito restrito, usam o corpo – principalmente a boca – para se expressar. É por isso que seu filho tem o hábito de morder quando se sente eufórico ou insatisfeito, por exemplo. Não há nada de errado em demonstrar as emoções. Assim como os adultos, as crianças também têm o direito de ficar bravas. Mas isso não pode (e nem deve) impedir que os pais intervenham e façam as correções necessárias – sem agressividade. Em um ambiente acolhedor e carinhoso, a criança aprende com mais facilidade as regras de convivência. Aos poucos, a tendência é que as mordidas sejam deixadas de lado naturalmente, acredite!

14 estratégias para lidar com as mordidas

1. Não rotule a criança que mordeu:

A criança tende a assumir a identidade que lhe é atribuída. Atribuir o rótulo de “mordedor” pode intensificar o comportamento. A melhor ação é investigar o contexto em que cada mordida ocorreu, especialmente em ambientes coletivos como escolas e espaços de recreação.

Para Cisele, os episódios de mordida devem ser mediados de acordo com a faixa etária: “Se a criança tem entre um e dois anos e ainda usa mais a linguagem corporal do que verbal, o adulto pode emprestar uma linguagem para evidenciar o que aconteceu. E ela começa a estabelecer uma relação de causa e efeito. Em se tratando de crianças maiores de dois anos que continuam mordendo forte, a ideia é apontar outros caminhos de expressão, já que ela possui outras habilidades.

2. Faça alguns questionamentos para compreender o contexto da mordida:

  • Qual a idade da criança?
  • Onde ocorreu a mordida (ambiente)?
  • Em que horário ocorreu?
  • Em qual contexto ocorreu a mordida?
  • Havia brinquedos disponíveis?
  • Foi durante uma atividade ou a criança estava ociosa?
  • É a primeira vez ou recorrente?
  • A criança já fala e mesmo assim mordeu?
  • A mordida ocorreu com a mesma criança ou crianças diferentes?

3. Comunique-se em tom calmo e firme com a criança que mordeu:

Use frases curtas, firmes e claras: “sem morder”, “morder dói”, “não morder”. Em seguida desvie a atenção para a criança que foi mordida e demonstre preocupação e simpatia. Estas ações também ensinam empatia e reforçam que morder não resultará em maior atenção.

4. Ajude a criança a expressar-se:

Se a mordida ocorreu por falta de habilidade e recursos de comunicação para expressar suas necessidades e sentimentos, então ofereça opões para ajudá-la a se comunicar. Para uma crianças irritada, pode-se utilizar “você está nervosa?”, “por que você está brava?” e em seguida ofereça uma opção: “vamos rasgar algumas revistas”, “vamos tocar o tambor?”, “vamos fazer uma cara de leão bem zangado?”.

Atividades de alta intensidade ajudam a dar vazão aos sentimentos. Quando a criança aceitar faze-las, deixe claro que você compreende os motivos da irritação. Isso irá reforçar que esta forma de expressar-se é muito melhor compreendida que a mordida.

Para crianças que já utilizam palavras para se comunicar, reforce ações positivas: “Você pediu o brinquedo ao seu amigo ao invés de arrancá-lo (ou morder), Muito Bem!

5. Ofereça escolhas para a criança:

Ofereça opções substitutivas à faixa etária e pergunte: “o que você gostaria de fazer?”, “vamos brincar de massinha?”, “o que você quer tocar?”, “vamos brincar na água?”, “quer tirar o sapato ou colocar?”.

6. Ajude a estimulação oral com recursos apropriados:

Se a mordida está relacionada a necessidade de estimulação oral ou dentição ofereça um mordedor. Outro recurso para estimulação oral são lanches saudáveis em intervalos regulares ao longo do dia: alimentos crocantes como cereais ou legumes cortados em formato de palito, além de frutas firmes também cortadas poderá ajudar.

7. Perceba o cansaço e sono:

As mordidas poderão ocorrer quando a criança está cansada ou com período de sono insuficientes. Nestas situações é recomendado investigar como ocorre o sono e descanso na rotina domiciliar, e propor que a criança durma uma hora mais cedo. Essa rotina pode ser iniciada de forma gradual, por exemplo: no primeiro dia a criança dormirá 15 minutos mais cedo, no segundo dia 20 minutos e assim sucessivamente. No ambiente escolar ou de recreação, é importante o planejar momentos para soneca e atividades mais calmas para um descanso como livros ou música mais calma.

8. Proporcione atividades mais energéticas:

Ofereça atividades ao ar livre, que envolvam expressão corporal como dança e música. Se não realizarem esse tipo de atividade poderão ficar entediadas e morder - apenas como demonstração de ócio.

9. Ofereça atividades ao ar livre e natureza:

As crianças necessitam de variação dos ambientes, por isso ofereça atividades em ambientes externos sempre que possível. Outra prática importante é o contato com a natureza: manipular a terra e plantas, caminhar pela grama entre outras. Inúmeros estudos demonstram os benefícios que a natureza pode proporcionar ao desenvolvimento infantil nos aspectos intelectual, emocional, espiritual, social e físico. Uma folha pode virar um barquinho, o galho pode virar uma espada, e neste ambiente natural as brincadeiras se tornam mais criativas e cooperativas.

“Criar crianças em contato com a natureza é uma uma questão, também, de manutenção do futuro do planeta. A criança que convive com o meio natural e desenvolve afinidade em relação à natureza aprecia e zela pelo mundo à sua volta porque o respeita e o reconhece como seu ambiente de pertencimento” descreve Camila Hungria do Portal Lunetas.

10. Planeje atividades e desafios que a criança gosta:

Observe o comportamento da criança. As mordidas não costumam ocorrer quando ela está focada em atividades que gosta. Por isso procure planejar, ao menos uma vez ao dia, atividades que a criança goste de realizar.

11. Ofereça apoio e conforto:

Quando a criança não está em seu ambiente domiciliar poderá sentir-se insegura, por este motivo é importante envolver a família e solicitar o envio de um objeto que traga a memória de sua casa. Por exemplo uma fralda, um cobertor ou outro objeto que possa confortá-la nos momentos de estresse, pois será sua referência a segurança de casa.

12. Cuidado com oexcesso de estímulos:

Algumas crianças são sensíveis a ambientes muito agitados e respondem com mordidas em ambientes com excesso de luzes, som alto, aglomeração de pessoas no ambiente, luzes piscantes, entre outras. Quando a proposta for mais agitada, e melhor procurar um espaço mais tranquilo (ou construí-lo), paraas crianças mais sensíveis, por exemplo um cantinho com livros, jogos de montar, lápis e desenhos para pintar, música mais baixa, como uma opção de escolha para essas crianças.

13. Facilite o compartilhamento entre as crianças:

As mordidas poderão ocorrer quando o número de brinquedos é insuficiente para todas as crianças no mesmo ambiente. Nestas situações é necessária a intervenção de um adulto para propor o compartilhamento e como ele pode acontecer. Uma opção prática é utilizar uma música como tempo de duração da brincadeira, ao final da música troca-se o brinquedo.

14. Como prestar atendimento a uma criança mordida:

  • Lavar a região com água e sabão sem esfregar a área mordida (essa prática irá piorar o processo inflamatório instalado).
  • Colocar a crianças em posição confortável com local da mordida apoiado.
  • Aplicar uma compressa com gelo (sempre com proteção entre o gelo e a pele) pelo tempo que a criança permitir, movimentando a compressa de tempos em tempos (isso ajudará a diminuir a dor e inflamação no local).

REFERÊNCIAS