Amor em meio a cinzas
Mesu Andrews é uma palestrante atuante que se dedica ao estudo apaixonado e intenso das Escrituras. Aproveitando seu profundo entendimento e amor pela Palavra de Deus, Andrews traz o mundo bíblico vivo para seus leitores neste romance de estreia. Ela vive em Washington.
As datas são aproximadas e dependem da melhor interpretação dos comentários especializados por parte do autor. Todas as datas são AC. Os nomes em NEGRITO/MAIÚSCULOS são personagens principais da história. Todos os personagens listados acima podem ser encontrados nas Escrituras, a menos que sejam fictícios. SAYYID, ABÍe NADA são personagens fictícios de linhagem ismaelita. Um personagem fictício adicional, NOGAHLA, descende de uma linhagem mista egípcia e cuchita (a atual Etiópia). Bela, filho de Beor, é de uma desconhecida linhagem edomita.
Caixas indicam a linha de herança da promessa da aliança de Deus a Abraão.
* Sua, filho de Abraão, foi adotado por Ismael (adoção fictícia).
Prólogo
Jó 1:6, 8-11
Um dia os anjos vieram se apresentar diante do Senhor, e Satanás também veio com eles. . . . O Senhor disse a Satanás: Você já considerou o meu servo Jó? Não há ninguém na terra como ele; ele é irrepreensível e íntegro, um homem que teme a Deus e evita o mal. . . . Satanás respondeu: Você não colocou uma sebe ao redor dele e de sua casa e de tudo o que ele tem? Você tem abençoado o trabalho de suas mãos. . . . Mas estende a tua mão e golpeia tudo o que ele tem, e ele certamente te amaldiçoará na tua face. O Senhor disse a Satanás: Muito bem, então, tudo o que ele tem está em tuas mãos, mas sobre o próprio homem não ponhas um dedo. Então Satanás saiu da presença do Senhor.
1
Gênesis 35:28-29
Isaque viveu 180 anos. Deu o último suspiro e, ao morrer em boa velhice, reuniu-se a seus antepassados. Seus filhos, Esaú e Jacó, o sepultaram.
Os pés de Diná não deixaram pegadas no solo Vermelho do acampamento do avô Isaque em Hebron.
Ele lutou contra o cavaleiro da morte por muitos dias, mas seus pulmões envelhecidos finalmente perderam a batalha.
Ele se fora.
Isaque era o sol a lua e as estrelas de Diná. O único homem que viu além da vergonha e a amou depois de Siquém.
Seu coração estava tão desolado quanto o uadi minguante em que ela se ajoelhou para enxaguar os trapos com os quais lavou e ungiu o corpo do avô.
Senhora.
Uma pequena voz ecoou sobre o ombro de Diná, pouco mais alta do que o fraco fluxo da água.
Assustada, ela deixou os panos cair na correnteza.
Essa não! gritou, correndo ao longo da margem para recuperar os trapos com cheiro de mirra.
Arranhou os joelhos nas pedras e as águas lamacentas se agitaram a cada tentativa de pegar os panos.
Uma forma ágil e escura saltou na frente dela, resgatando o tesouro flutuante.
Peguei, senhora!
Uma jovem serva do acampamento do avô com água na altura dos tornozelos, erguia vitoriosamente a mão acima da cabeça, deixando cair gotas sobre seu cabelo curto.
Sua rica pele negra e maçãs do rosto anguladas denunciavam sua herança cuxita.
Diná já tinha visto a moça entre os servos do acampamento, mas o cuidado com o avô a manteve confinada nas tendas da família.
Por que você me chama de senhora?
Ela perguntou enquanto recuperava os trapos encardidos.
Nunca nos falamos antes, criança, e eu não sou melhor do que um servo.
Ela torceu os panos e os colocou na cesta pendurada no braço.
Mestre Jó me disse que seria sua serva de agora em diante - já que você se casará com o filho dele. Diná ergueu a cabeça sobre a garota e repetiu a declaração de Abba Jacó na semana passada.
Só porque Jó é o maior homem do Oriente, não significa que ele pode entrar no acampamento de Isaque e começar a dar ordens.
O semblante da garota murchou como as ervas secas da planície de Hebron.
Diná lamentou sua aspereza e colocou um braço reconfortante nos ombros da garota, iniciando a curta caminhada em direção às tendas.
Ainda não faço parte da casa do Mestre Jó.
Ela parou um instante. Seu coração estava tão rasgado quanto os trapos em sua cesta.
Pra falar a verdade, não faço parte de nenhuma família, sussurrou, olhando para as tendas à frente.
Elas voltaram a caminhar em silêncio.
Jó não deveria prometer coisas que Abba pode não aceitar.
Olhou para a garota ao lado dela e viu a decepção em seu rosto.
Diná queria oferecer segurança, mas como ela poderia consolar alguém quando ela mesma se sentia perdida e sozinha?
Além disso, aquela pequena cuxita era serva do seu avô.
Abba Jacó e tio Esaú estavam lutando pela herança do avô. Quem poderia saber como os servos seriam divididos?
Sinto muito, senhora.
A garota parecia distraída.
Diná notou que ela começou a brincar, dando saltos grandes e pequenos para evitar as rachaduras na terra seca.
Posso fingir ser sua serva até que seu abba diga o contrário?
Ela pulou no próximo quadrado de terra lisa, equilibrando-se num pé só.
Diná segurou em seu ombro.
Só se você parar de me chamar de senhora.
Arqueou a sobrancelha esperando o aceno da garota antes de retomar a caminhada em direção ao acampamento.
A garota caminhou ao lado dela, um passo atrás, e voltou a tagarelar.
Abraão foi um grande príncipe entre seu povo, e seu avô Isaque também.
Devo chamá-la de princesa?
Ha!
Uma risada amarga atravessou a muralha do luto, surpreendendo até mesmo Diná.
Mas o sorriso da garota inocente de olhos arregalados foi sincero.
Ninguém nunca me chamou de princesa, pequena cuxita. Você pode me chamar apenas de Diná.
Naquele instante ela ouviu o choro dos enlutados e olhou para o caminho entre os álamos.
Avistou o corpo embrulhado do avô Isaque sendo levado de carroça para a caverna funerária em Manre, ao norte de Hebron.
Seus filhos, Jacó e Esaú, caminhavam ao lado da carroça. O ódio entre eles faiscava como pedras de sílex.
Os onze filhos de Jacó iam logo atrás.
Do vasto clã de Esaú, apenas dois prestavam homenagem ao patriarca.
O bisneto de Esaú, Jó, chorava como se seu próprio aba estivesse na carroça. O primogênito de Esaú, Elifaz, o confortava.
Dizia-se que os numerosos edomitas adoravam deuses cananeus e tinham pouco respeito por Isaque, filho de Abraão, portador da aliança do Senhor.
Venha.
Diná engoliu seco, tentando não se afogar na onda de tristeza.
Como devo chamá-la, pequenina?
Eu sou Nogahla.
Sua voz rouca encobriu os lamentos.
Venha, Nogahla. Não preciso de uma serva, mas você poderia me ajudar a empacotar minhas coisas para a viagem até Uz.
Um acordo amigável.
Sem mais palavras.
O ambiente estava repleto de dor, incerteza e eco dos enlutados.
Eles chegaram ao acampamento. Fileiras de tendas circulares ao redor de uma grande fogueira central.
Ruas como raios de uma roda uniam as tendas dos membros da família aos servos.
Nas tendas mais próximas da fogueira ficavam os hóspedes e parentes próximos, enquanto os servos ocupavam as tendas mais afastadas.
Diná e Nogahla passaram pelas vias externas e tendas familiares, espantando cachorros perdidos e cumprimentando quem encontrasse pelo caminho.
Elas chegaram aos fornos centrais. Mãos ocupadas preparavam pão para as caravanas de Esaú que partiriam em breve e para os demais que permaneceriam em Hebron.
Três tendas ocupavam o centro do acampamento.
A de Isaque ficava mais perto da fogueira. A tenda de Jacó no lado oeste, e a de Esaú no leste.
Diná parou um pouco e olhou para as moradias.
A enorme tenda preta do avô Isaque - agora vazia -, tinha um anexo na frente.
Aquele tinha sido um ponto de encontro movimentado. Comerciantes e dignitários buscavam uma audiência com o grande filho de Abraão.
A tenda do Abba Jacó era mais simples e funcional. Parecida com seu dono, o filho calculista de Isaque.
A tenda do tio Esaú era mais rude, construída com várias peles de animais e madeira rústica.
As tendas eram tão opostas quanto os próprios irmãos. Uma batalha constante entre o esperto e o caçador.
Quase cem anos se passaram desde que Abba Jacó comprou o direito de primogenitura de seu irmão Esaú com um prato de sopa, e quase cinquenta anos desde que recebera a bênção da aliança. A rivalidade entre os irmãos se tornava mais forte a cada ano.
Eles raramente visitavam o avô Isaque ao mesmo tempo. Felizmente.
Abba Jacó passava a maior parte do tempo pastoreando rebanhos em Berseba, enquanto o Esaú cuidava de seu grande clã nas montanhas de Seir.
Diná passou pela tenda do avô e se abaixou entrar em sua pequena barraca.
Sua localização no centro do acampamento tinha causado discórdia quando ela chegara ao acampamento quinze anos atrás. Mas o avô resolveu a questão, indicando sua crescente necessidade de cuidados com saúde.
Também foi a forma que ele escolheu para cuidar dela.
Nogahla entrou no ambiente mal iluminado e Diná ouviu seu suspiro.
Senhora. Você é uma grande médica.
Determinada a não se irritar com qualquer forma de adulação, Diná tentou imaginar sua pequena casa através dos olhos de Nogahla.
Uma infinidade de frascos, ervas e infusões, catalogadas em prateleiras de cedro, estimulava as narinas com aromas inebriantes de coentro, aloe e mirra.
Os tapetes de lã manchados de Abba Jacó enfeitavam o chão. Apenas um corredor de poeira separava área de dormir da sala de estar.
Ela possuía duas vestes, quatro túnicas e três véus. Algo provavelmente bem extravagante para um servo cuxita.
Por todo lado havia ervas, unguentos e infusões de todas as formas e estilos.
As necessidades de Diná eram básicas e seu estilo de vida bem simples.
Raramente deixava os limites da fogueira central e o pequeno espaço entre sua tenda e a do avô Isaque.
Aquele era seu mundo, sua casa.
Não mais.
Por quinze anos ela se sentiu segura, capaz e útil enquanto cuidou do avô Isaque.
Agora ela se perguntava o que pertenceria realmente a ela e o que o ganancioso tio Esaú tomaria para si.
Quando os homens voltassem da caverna, esperava-se que ela obedecesse à ordem de Isaque de se casar com o filho de Jó.
Por que você disse isso?
Diná sussurrou para o avô que cuidou tão bem dela.
Pensei que você seria uma ótima médica por ter tantos medicamentos.
O brilho nos olhos de Nogahla podia ser visto mesmo na luz fraca da tenda. Ela acreditou que Diná havia falado com ela.
Diná foi tomada por um lamento e desejou estar sozinha.
Ela precisava de tempo para considerar a ordem do avô.
Ele não tinha dado nenhuma pista sobre um plano de casamento.
Trinta e cinco era menos leite e mel... e mais para leite azedo.
Por que ele me condenaria a me casar com um homem do clã de Esaú?
Mas ela sabia a resposta.
Diná era filha de Jacó. Seu avô disse que seu ventre seria o jardim da promessa por onde os descendentes de Esaú poderiam compartilhar a bênção da aliança que Jacó roubou.
Ha! Ela deu uma risada amarga. Desta vez Nogahla percebeu que Diná não estava pensando em ervas.
Os homens não me olham como um 'jardim da promessa', Nogahla. Os homens me veem como lixo.
A garota colocou uma mão gentil em seu ombro.
Mestre Jó não te vê como lixo.
Diná encolheu os ombros, pegou um pote de mirra e um pedaço de lã para embrulhar.
O Mestre Jó ofereceu seu filho porque o tio Esaú afastou os outros edomitas.
Lágrimas turvaram sua visão.
Então Jó, a joia da coroa de Esaú, o homem de ouro do Oriente, deu um passo à frente para fazer a coisa certa.
Ele ofereceu seu primogênito, Ennon, para se casar comigo, a filha maculada de Jacó.
Os olhos do Mestre Jó são bons.
Nogahla mantinha a cabeça baixa, sua voz quase um sussurro.
Ele não teria oferecido seu filho se pensasse que isso prejudicaria qualquer um de vocês.
Quanta inocência, Diná pensou.
Todos os homens em algum momento te machucam.
Ela precisava culpar alguém por seu destino. E se recusava a culpar o avô.
Ele cuidou dela e a amou por muito tempo.
Ela queria odiar Jó.
Tentou pensar que sua riqueza e sucesso o tornaram orgulhoso e pomposo.
Mas a palavra de Nogahla - embora improvável - parecia plausível.
Jó tinha sido gentil e compassivo. Esteve ao lado do avô nos dias anteriores a sua morte, sem ganhar nada por isso.
O melhor culpado seria Esaú.
Aquela montanha peluda sempre fora odiado por Abba Jacó, e parecia adequado para ser o vilão.
Senhora, sinto muito sobre o Mestre Isaque.
A voz de Nogahla acalmou o coração de Diná.
Sei que você o amava.
Uma única lágrima escorreu pelo rosto de Diná.
Ela limpou rapidamente.
Precisamos fazer as malas. Não sei o que poderei levar para Uz, o que ficará com meu abba e o tio Esau, mas precisamos embrulhar cada frasco com cuidado.
Um turbilhão de emoções pairava em seus pensamentos, mas ela se recusou a liberá-las.
Fico imaginando como são as flores nas montanhas de Edom?
Ela pegou um segundo pote de mirra e um pedaço de lã para embrulhar.
Uma mão gentil segurou seu braço inquieto, desfazendo o fino véu de autocontrole.
Eu ouço muito bem, senhora.
É claro que não ouve, ou não estaria me chamando de senhora!
Palavras e emoção emergiram.
Meu futuro está selado como uma mula enviada ao mercado, e o avô Isaque se foi!
Diná atirou o pote de mirra no chão, e o cheiro encheu o ar, fazendo sua cabeça girar.
Um sinal de que os dias e noites sem dormir a deixaram exausta - física e emocionalmente.
Examinando os cacos de no chão, ela viu o olhar chocado de Nogahla.
Tão quebrada como eu.
Cuidadosamente a garota a levou até uma pilha de tapetes salpicados e malhados.
Diná estava entorpecida.
Você está certa, senho... Diná. Sua vida é como aquele lindo pote quebrado. Acaba de ser aberto, espalhando um aroma adorável que estava trancado em seu interior.
Nogahla fez uma pausa, implorando por uma resposta.
Diná não respondeu, e logo recolheu os cacos de cerâmica.
Este pequeno pote é a minha vida. Algo me diz que, se juntarmos nossas vidas, elas ficarão melhores.
Um sorriso hesitante franziu seus olhos.
Descanse um pouco, senhora. Vou empacotar suas coisas. Você precisa descansar antes que os homens retornem da caverna.
2
Gênesis 34:1-4
Ora, Diná, a filha que Lia dera a Jacó, saiu para visitar as mulheres da terra.
Quando Siquém, filho de Hamor, o heveu, o governante daquela região, a viu, ele a levou e a violou.
Seu coração foi atraído por Diná ... e ele amava a garota e falava ternamente com ela.
E Siquém disse a seu pai Hamor: Consiga-me esta menina como minha esposa.
Diná observou a jovem cuxita empacotando cada peça de cerâmica, planta, erva e frasco.
Ela estava deitada no tapete com o cobertor sobre a cabeça. As pálpebras se fecharam, embaladas pelos sons rítmicos do acampamento de Hebron.
Colheres de madeira tilintavam nas panelas de latão.
Cordeiros baliam para as ovelhas.
A risada das crianças era carregada pela brisa da primavera.
Mas um novo som se juntou ao refrão.
A presença de Nogahla confortou a alma de Diná, e ela se deixou levar pelo sono.
O sonho foi tão real quanto na primeira vez que Diná o viveu.
Ela tinha quinze anos. O orvalho da manhã ensopava seu manto enquanto ela se movia silenciosamente pelos rebanhos de seu abba, cuidando para não agitar as ovelhas com seus cordeiros. Seus balidos poderiam acordar seus irmãos rudes.
Suas pernas doíam enquanto ela subia os terraços íngremes de calcário cobertos de trigo, olivais e vinhedos.
Tons de roxo e laranja brilhavam no céu oriental, lançando um brilho em sua marcha de passos através das espigas douradas do trigo.
O sol da manhã iluminou os altos muros de Siquém. O príncipe com o nome da cidade estava parado no portão.
Diná ficou paralisada com sua estrutura. A luz do amanhecer fazendo-o parecer mais deus do que homem.
Siquém curvou-se como se ela fosse da realeza e ele apenas um plebeu.
Bom dia, beleza de Jacó.
Diná sentiu seu rosto esquentar com as palavras dele e retribuiu a reverência, mantendo a cabeça baixa.
Nunca um homem falou com ela daquela maneira.
Ele estendeu a mão, e ela instintivamente recuou.
Ele gentilmente levantou sua cabeça, e ela encarou seus olhos pela primeira vez.
Nunca forçarei você a fazer nada contra a sua vontade, adorável Diná.
Ela recuperou o fôlego.
Ela prendeu a respiração. Como você sabe meu nome? perguntou.
O brilho de seu sorriso combinava com o amanhecer.
Quando seu abba comprou a terra de meus irmãos, éramos apenas crianças, mas percebi como você era bonita e perguntei seu nome.
Agora já tenho vinte anos e você está em idade de casar, não é?
Diná baixou a cabeça imediatamente.
Ela não conseguia respirar, pensar nem raciocinar.
Aquele belo príncipe acabara de pedir que ela se casasse com ele?
Impossível.
Sim, eu sou maior de idade, ela disse.
Bem, eu estava esperando para me casar com você. Meu pai tem apenas uma esposa e pretendo seguir seu exemplo. Você é a minha escolhida, Diná.
Ele estendeu a mão outra vez.
Diná relutou, sabendo que seu futuro estava em jogo.
A mão dele era grande, forte e gentil enquanto se fechava ao redor da dela.
Ela podia sentir o coração acelerado em sua mão, seus pensamentos em uma torrente confusa de palavras.
O dinheiro de ima Raquel!
As palavras escaparam, assustando o pobre Siquém.
Ela é parteira e eu sou assistente. Vim buscar nosso pagamento com o comerciante Nebal e depois voltar para casa. Abba e Ima Lia nem sabem que vim para a cidade sozinha. Eles ficarão preocupados se eu não voltar logo.
Sua voz soou infantil e ela se odiou por isso. Mas se ela voltasse para casa sem o dinheiro de Ima Raquel ...
Casa. Ela voltaria para casa?
Ela ergueu a cabeça e examinou o rosto de Siquém.
Seus olhos eram amáveis e tinha uma expressão gentil.
Ela se apaixonou por ele.
Que dor era aquela em seu peito?
Aquele desejo de cantar, correr, derreter em seus braços - tudo ao mesmo tempo?
Siquém pegou a mão dela e deu uma piscadela. Um sorriso largo se abriu em seu rosto.
Sua ima Raquel receberá o pagamento. Cuidarei disso , disse ele.
Nebal me disse que você viria hoje. É por isso que estou aqui.
Ele traçou seu rosto com um dedo.
Seu toque quebrou o feitiço e Diná baixou a cabeça.
Com vergonha ela olhou para os mercadores que circulavam.
Quando ela percebeu os olhares, se arrependeu de permitir que Siquém demonstrasse seu afeto publicamente.
Se seu abba soubesse, haveria problemas.
Siquém percebeu o desconforto dela. Suas palavras seguintes foram acompanhadas por um sorriso.
Diga-me, filha de Jacó, você gostaria de ficar aqui no portão da cidade para discutir nosso casamento, ou podemos ir para o palácio e concluir nossa conversa?
Casamento?
Diná respirou fundo. Seu coração batia tão forte e rápido que ela teve certeza que seu manto dançava sem sua permissão.
Com o rosto em chamas ela riu, e então se inclinou para perto.
Devo passar o resto da minha vida com o rosto vermelho, Príncipe Siquém? ela sussurrou.
Sua tentativa de provocação foi recebida com sua risada encantada. Antes que ela pudesse protestar, ele a ergueu em seus braços e a carregou pelas ruas da cidade.
O que você está fazendo?
O que você está fazendo? Ela lutou para cobrir os tornozelos.
Seus protestos foram respondidos com passos na direção das torres do palácio.
Estou carregando minha esposa pela cidade, disse ele. Diná podia ver seu reflexo nos olhos dele.
Diga-me, filha de Jacó, já pensou em se tornar rainha algum dia?
O que você acha da nossa cidade?
Diná não sabia se sentia vergonha de ser carregada, honrada, assustada ou desconfiada.
Ela não conhecia bem o príncipe Siquém.
Ele era conhecido como o mais honrado e respeitado de todos os filhos do rei Hamor, mas ele era mesmo um homem de bem?
Ele tinha muitas mulheres?
Será que ele estava enganando?
Tudo o que ela sabia naquele momento era que ele era bonito e charmoso, e acabara de fazer uma pergunta que ela deveria responder.
Sinto muito, o que você acabou de perguntar?
Sua risada aumentou e seus olhos brilharam.
Perguntei o que você acha da nossa cidade.
Seus olhos e seu sorriso indicavam que ele esperaria por sua resposta.
Embora Diná tivesse visitado Siquém dezenas de vezes com Ima Raquel, ela nunca andou livremente pelo mercado.
Mesmo que tivesse visto o mercado mil vezes, a visão dos braços do príncipe Siquém era diferente.
Os vendedores gritavam de seus estandes.
Animais de todos os tamanhos eram negociados como força de trabalho ou produção de carne.
As crianças corriam entre os estandes. Alguns pedindo pão e outros enfiando itens nas dobras das vestes.
Um homem segurando uma pesada corrente de metal trazia dez mulheres em grilhões.
Cada mulher usava um traje típico diferente. Dias delas não usavam absolutamente nada.
A vida na cidade era um mundo totalmente novo para Diná. Quando voltou sua atenção para o príncipe, seus olhos estavam preocupados.
O que você acha da sua nova casa? ele perguntou.
Você seria feliz cercada por altos muros e pelo barulho das pessoas depois de viver em tendas organizadas no campo?
Diná viu a preocupação nas feições de Siquém e ficou maravilhada com a ternura dele.
Ninguém jamais quisera ouvir sua opinião nem se preocupou com sua felicidade.
Seus olhos ficaram marejados mas ela não queria que ele pensasse nela como uma criança, então respondeu com uma travessura.
Prefiro o cheiro dos campos e esterco de ovelha que comida podre e o feder das ruas da cidade. Mas você é bem mais atraente do que meus irmãos feios.
Ela sustentou o olhar, inclinou a cabeça e ergueu uma sobrancelha. Um sorrisinho discreto mostrou sua alegria.
A resposta dele foi melhor e mais agradável do que ela esperava.
Ele sorriu, parou no meio da rua e a beijou.
Os presentes pararam para aplaudir e, quando se afastaram, Diná estava sem fôlego.
Estou feliz que tenha gostado de mim, disse ele.
Ha! Eles retomaram a caminhada em direção ao palácio, e ela aninhou a cabeça em seu ombro. Ela sentiu que ele podia satisfazê-la pelo resto de sua vida.
Quando chegaram na grande estrutura de calcário, Diná se surpreendeu que eles não tivessem parado no salão principal.
Em vez disso, Siquém a carregou por um labirinto sinuoso, passando por várias portas e servos curiosos.
Após subir uma escada estreita ele entrou em uma sala grandiosamente decorada com tapetes extravagantes e móveis luxuosos.
Diná ficou boquiaberta.
Ima Raquel sempre falava para manter a boca fechada quando entrasse na casa dos ricos de Siquém.
O príncipe colocou seus pés no chão. Ela correu entre as tapeçarias, admirando.
É tudo tão elegante, ela disse, esquecendo seu futuro noivo na porta.
Quando finalmente se lembrou onde estava, e o que - ou quem - a trouxera lá, ela sentiu vergonha de sua infantilidade.
Me perdoe, Alteza.
Seu rosto estava em chamas e ela fez uma reverência ao príncipe Siquém.
Ela notou que havia parado bem ao lado da grande cama no meio do quarto.
Ela tentou engolir, mas sua boca estava tão seca quanto o deserto.
Num instante o príncipe Siquém estava diante dela. Uma mão erguendo o queixo, a outra em volta da cintura.
Agora eu sou 'Alteza'? disse com um sorriso malicioso.
Ela viu o desejo em seus olhos e desviou o olhar, sem saber como responder.
Por que ela permitiu que ele a levasse para seu quarto?
Disse que nunca forçaria você a fazer nada contra a sua vontade, Diná.
Os olhos dele perscrutaram sua alma.
Desta vez ela não poderia se virar, mesmo que tentasse.
Mas ela queria mesmo se virar?
Ele a capturou num piscar de olhos, não no corpo, mas no coração.
O que você quer de mim?
Diná sussurrou.
Ela sabia o que ele queria.
Ela podia entregar?
Quero que você seja minha esposa. Hoje. Agora.
Sua esposa? Agora?
O pânico se apoderou dela.
E a sua família? Sem qualquer cerimônia a seguir?
Diná, sou o príncipe de Siquém.
Casarei com quem eu quiser, quando quiser.
Esperei muitos anos para ter você.
É você que eu quero, Diná - a única que eu quero.
Meu abba é filho de Isaque, filho de Abraão. Nós adoramos o Senhor e...
Meu pai e eu ofereceremos um dote por você, minha linda Diná, além de qualquer um já pago por uma noiva em Canaã.
Seu pai ficará feliz com a nossa felicidade.
Antes que Diná pudesse dizer mais alguma coisa, Siquém beijou novamente.
A alegria da união física uniu suas almas. Um casamento de coração, sem a aprovação de Abba Jacó.
O sonho de Diná desvaneceu. Ela permaneceu no limbo entre duas realidades.
Sua tenda parecia vazia.
Ela abriu um olho e viu três cestos cuidadosamente empilhados, cheios de potes embrulhados em lã e rolos de ervas secas.
O acampamento estava em atividade, mas o êxtase dos beijos de Siquém a fez voltar a terra dos sonhos.
Ela se lembrava vagamente de sua realidade atual.
O avô Isaque estava morto.
Ela deveria fazer as malas e partir para Uz onde se casaria.
Mas o sonho a fez voltar ao êxtase do dia do casamento com Siquém.
Cada cor, som e cheiro daquele dia voltaram em uma onda de doce entrega.
Na manhã seguinte, Siquém e Diná saíram do quarto, e o Rei Hamor realizou uma cerimônia siquemita simples, oficializando a união de seus corações.
Voltarei antes da festa de casamento de hoje à noite,
Siquém disse com segurança, enquanto deixava o palácio na companha do rei para negociar o dote com Abba Jacó.
A partir daí seu sonho se transformou em pesadelo - como sempre acontecia.
Ela queria acordar, mas não conseguia.
Diná permaneceu no palácio com a esposa do rei Hamor. As mulheres de Siquém clamaram contra os filhos de Jacó quando exigiram que todos os homens de Siquém fossem circuncidados para que Diná pudesse se casar com o príncipe.
Não meu amor,
Sinto muito, disse Diná.
Por favor, me mande embora.
Tome uma mulher siquemita e esqueça de mim.
A noite anterior a circuncisão foi a melhor da curta vida de Diná. O amor que ele mostrou estava além de tudo que ela conhecera.
Nenhum homem jamais amou uma esposa como Siquém a amava. Nem mesmo o amor de Abba por Ima Raquel poderia se comparar.
No segundo dia após a circuncisão, o príncipe disse: Não se preocupe, meu amor, tudo isso vai acabar logo.
Diná ficou ao lado de seu amado durante sua recuperação.
Ela ficou ao lado dele na cama naquela noite e ele acariciou seu rosto.
Algum dia vamos rir e contar esta história aos nossos netos.
O amor em sua expressão tocou o coração de Diná.
Ela nunca experimentara aquele tipo de sentimento.
Acho melhor ter filhos antes de começar a falar sobre netos, disse ela.
Ele sorriu e beijou sua testa.
Acho melhor apagar a lâmpada e dormir para me recuperar mais rápido.
Diná deu uma risadinha e apagou a lâmpada, e deitou de conchinha com o marido.
Então veio o lamento.
Diná tentou acordar, mas ficou presa numa semiconsciência de horror e pavor.
A face de Siquém estava diante dela.
Seus olhos vazios.
Sua boca se retorcia no último suspiro antes da morte.
Seus braços estavam quentes, úmidos e pegajosos com o sangue do marido.
Simeão, Levi, não!
Seus irmãos estavam de pé sobre ela. Suas espadas pingando.
Este cão siquemita nunca mais violentará a irmã de outro homem.
Simeão cuspiu as palavras enquanto pegava o braço de Diná.
Não! Ele não me violentou! Somos casados!
De acordo com Abba você não é!
Simeão se lançou sobre ela e ela recuou, presa entre o corpo ensanguentado do homem que amava e os irmãos assassinos.
Fique longe de mim! Ele não me estuprou! Siquém me amava!
Diná.
Era a voz de um homem.
Diná.
Ela sentiu uma mão sacudindo seu braço.
Diná, acorde, estamos de saída.
Era a voz de Simeão. Não, era Levi!
Diná gritou aterrorizada.
Ela puxou o cabelo e a barba diante dela.
Não! Fique longe de Siquém. Não, Levi! Ele me ama! Ele não me estuprou! Não o machuque, Simeão! Ele me ama!
Ela se debateu e chutou o homem que tentava contê-la.
Diná, sou eu, Jó. Diná! Shh. Diná, pare.
Braços fortes a seguraram.
Ela não conseguiu se libertar.
Seus gritos se transformaram em soluços e o corpo de Diná desfaleceu.
Diná, shh.
Braços gentis a seguravam.
Sou eu, Jó. Shh. Está tudo bem, Diná.
Ela olhou em seus profundos olhos castanhos.
Você vai para casa comigo, Diná. Você estará segura com meu filho.
Diná finalmente despertou, e por um momento ela quis se derreter nos braços fortes e amorosos do homem que a segurava.
Ele se sentou no tapete, acalmando-a e acariciando seus cabelos.
Aquele homem seria seu sogro!
Ela se sentiu dominada pela humilhação e vergonha.
Se soltou de seus braços e correu para junto das cestas empilhadas como um animal ferido.
Eles mal tinham se falado, e ele já tinha visto sua ferida mais profunda.
Sua voz era um gemido baixo e gutural.
Vá, disse ela, virando o rosto.
Ele tentou ajudá-la a se levantar, mas ela se encolheu ainda mais.
Não, por favor. Apenas vá.
Ele ficou de pé perto dela e ofereceu sua mão mais uma vez.
Diná.
A tenda permanecia em silêncio, ainda com forte cheiro de mirra do vaso despedaçado.
Você está bem?
O lamento dos enlutados ecoaram no acampamento com o suspiro de Jó.
Seu abba e o Grande-Abba Esaú retornaram da caverna. Esaú quer partir imediatamente para o Monte Seir e pediu que minha caravana o acompanhasse ao sul.
Jó fez outra pausa e falou baixinho.
Direi a ele que não estou preparado para partir tão cedo, nem poderei pagar os custos de uma viagem mais longa.
Você consegue se preparar até amanhã cedo?
Diná assentiu com a cabeça.
A aba da tenda se fechou. Quando ela finalmente olhou para cima, Jó havia ido.
Ela respirava em suspiros curtos e rápidos.
Ela tentou conter o tremor e abraçou os joelhos com firmeza.
Não quero me juntar ao lamento dos enlutados.
Se eu começar, talvez nunca pare.
Balançando para frente e para trás, ela se moveu no ritmo do lamento.
E se os pesadelos piorassem?
Se ela gritasse e se debatesse nos braços de seu novo marido?
Ele seria tão compreensivo quanto Jó?
O coração de Diná disparou e ela balançou mais rápido.
Uma pequena sombra passou voando pela aba da tenda.
Diná parou de balançar.
Lá estava mais uma vez.
E então uma doce melodia irrompeu o lamento dos enlutados.
A criaturinha olhou para dentro e começou a se banhar na poeira.
A melodia da canção - up-up-up - cortou a dor de Diná.
Oh, passarinho, ela sussurrou, eu e você nós somos muito parecidos. O avô Isaque disse que você era uma das criaturas mais adoráveis do Senhor, mas Ele que você era impuro.
Lágrimas escorriam no seu rosto.
Me disseram que sou adorável, mas todos dizem que sou impura.
Um barulho assustou a poupa e a solidão tomou conta do coração de Diná novamente.
Como eu gostaria de ter asas e voar para uma nova casa. Onde meu passado foi esquecido e meu futuro esteja livre.
3
Gênesis 9:26-27
Disse ainda [NOÉ]: Bendito seja o Senhor, o Deus de Sem! E seja Canaã seu escravo. Amplie Deus o território de Jafé; habite ele nas tendas de Sem, e seja Canaã seu escravo.
Jó permaneceu ao lado da tenda de Diná, ouvindo seus gemidos murmurados.
Ele quis confortá-la, e se frustrou com a recusa dela.
Diná havia passado por mais tragédias que qualquer outra jovem na sua idade.
Quando ele tentou acordá-la, ela gritou o nome de Siquém - o homem que supostamente a estuprou.
Por quê?
Aquela história estava mal contada.
Se ela fosse mesmo se casar com um de seus filhos, ele teria o direito de saber exatamente o que aconteceu em Siquém.
Seria fácil encontrar o tio Jacó.
Era só prestar atenção ao som das brigas para descobrir onde os filhos de Isaque estariam.
Ele se afastou da tenda de Diná, cruzou a tenda do avô Isaque e se deparou com os irmãos cabeças-quentes.
As ovelhas e cabras escuras, malhadas ou salpicadas são minhas!
Jacó protestou.
Trabalhei como escravo para o tio Labão por vinte anos para ganhar aqueles rebanhos e manadas, e você não vai colocar a mão neles.
Fique com seus animais de aparência mofada. O resto será meu.
Esaú era uma figura toda vermelha.
Pode ficar com tudo, seu grande cão vermelho,
Jacó gritou, Abba me ungiu com a promessa da aliança de Abraão, e isso inclui a terra de Canaã.
Você pode ficar com todos os bens inúteis, mas deixe a Terra Prometida para mim.
Ha! Sua parte não tem qualquer valor, irmão! Elohim pode ter prometido Canaã a Abraão, mas Ele se esqueceu de avisar os cananeus. Desta vez você é que foi enganado.
Jacó cerrou os dentes e ficou na ponta dos pés para vomitar as palavras na cara de Esaú.
Não sou tão ingênuo quanto meu irmão estúpido.
Quando a poderosa montanha vermelha levantou a mão para agredir Jacó, Jó gritou: Grande Abba, não!
Esaú pareceu surpreso com a interrupção e se distraiu tempo suficiente para Jacó se lançar sobre ele e derruba-lo no chão.
Jó estava furioso com aqueles velhos tolos egoístas cujo corpo do abba mal esfriou na sepultura e eles já estavam brigando pela herança como crianças.
Ele caminhou até os ridículos anciões no chão e chutou poeira em seus rostos.
Eles se separaram e se levantaram cuspindo.
Jó começou sua repreensão: Vocês deveriam ter vergonha, lutando como os hititas no acampamento de Isaque.
Vocês são velhos com ossos fracos!
Ele sabia que o argumento não teria influência sobre o grande caçador, Esaú, ou o vigoroso pastor, Jacó.
Os dois homens eram quase tão fortes aos 125 anos quanto Jó aos sessenta.
Jacó apontou o dedo.
Se ele não fosse tão ganancioso, tentando levar toda a herança em vez dos dois terços do primogênito, não teríamos problemas.
Esaú começou a gritar, mas Jó levantou a mão e falou com os dentes cerrados.
Olhe para os servos ao seu redor! Olhe para eles!
Os filhos de Isaque ficarm envergonhados.
Os servos que se preparavam para a viagem pararam de trabalhar e ficaram olhando para o espetáculo.
Sob o olhar dos velhos eles voltaram correndo ao trabalho, cantarolando e assobiando canções.
Jó manteve a voz baixa.
O senhor se atreve a contaminar a memória de Isaque agindo tão vergonhosamente na frente de todos esses servos? Por favor, vamos para a tenda do tio Jacó. Tenho assuntos importantes para discutir.
Jó passou pelos dois homens que naquele momento pareciam crianças fazendo bico.
Foi só e tempo de fechar a tenda e Esaú já havia voltado a sua bravata.
Jó, nossa caravana parte após o jantar.
Viajaremos sob a luz de tochas para evitar o calor do sol durante o dia.
Jó sorriu mas balançou a cabeça.
Sinto muito, Grande-Abba, mas não estou preparado para partir esta noite.
Meus servos precisam de mais tempo para preparar minha caravana para Uz.
Os olhos de Esaú se estreitaram, e Jó observou a engrenagem da mente de seu grande abba girar, tentando adivinhar a verdade sobre o atraso de Jó.
Por causa daquela mulher.
Esaú cuspiu a palavra como se fosse uma maldição.
Te vi saindo da tenda dela. Se ela pensa que pode levar as valiosas ervas, perfumes e poções da sua tenda está muito enganada. O único bem que ela possui são as roupas do corpo e ...
Grande-Abba,
Jó interrompeu: Você conhece bem meu respeito e obediência, desde que não entre em conflito com os ensinamentos de El Shaddai.
Esaú começou a protestar, mas Jó o silenciou.
Diná levará os bens que pertencem a ela. Esteja certo disso, não partiremos com sua caravana esta noite! Além disso, peço que deixe vinte de seus servos para me acompanhar até Uz.
Jó voltou sua atenção para o tio Jacó.
Vou precisar de homens extras para trazer o dote que o senhor dará por sua linda filha.
Dote? Meu abba não ordenou que lhe desse um dote.
O grito de Jacó calou todo barulho no acampamento.
Você não me ofereceu nenhum dote. Por que pagar um dote por uma mulher que já foi deflorada?
A risada obscena de Esaú gelou o sangue de Jó e alimentou a raiva de Jacó.
Não pagarei nenhum centavo de dote! Ela vive na casa do nosso abba há quinze anos.
Se alguém tem que pagar um dote, deixe meu irmão dar a Diná o seu dote. Esaú agora é dono da riqueza da casa de Isaque.
Esaú parou de rir.
Essa moça não me fará falta alguma. Não pagarei o dote dela! ele gritou.
Os irmãos tiveram um novo acesso de raiva. Jó passou os dedos pelos cabelos, deixando a cabeça cair para em frustração.
El Shaddai, como Tu toleras tanto egoísmo nesta terra? Chega!
Jó gritou bem alto e os dois homens se viraram para ele surpresos.
Os olhos de Esaú se estreitaram mais uma vez.
Ouça, filho de Zerá.
Mesmo que você seja meu bisneto favorito, não tolerarei ordens suas.
Jó estava irritado, mas sorriu e colocou a mão no ombro de Esaú.
E mesmo que você seja meu bisavô, não tolerarei que fale mal da minha futura nora.
Jó manteve o olhar em Esaú até que o grande homem grunhiu e saiu da tenda.
Quando Jó se voltou para o tio Jacó, o homem mais velho estava boquiaberto.
Nunca vi ninguém calar meu irmão do jeito que você fez, Jó.
Como você conseguiu tal domínio sobre aquele demônio?
O coração de Jó apertou com o ódio na pergunta de Jacó.
Bem, tio,
Jó respondeu: Suponho que o respeito do Grande-Abba por mim tenha começado na noite em que participei de um grupo de caça que pretendia matar você.
O rosto de Jacó registrou o choque que Jó esperava.
Você quer mesmo ouvir a história?
Jacó exibiu um sorriso suspeito.
O que você quer como pagamento pela sua história? Não pagarei nenhum dote por Diná, mesmo que sua história seja realmente boa.
Jó balançou a cabeça, cansado da mesquinhez de sua família.
Ficarei feliz em pagar o dote por Diná. Não exigirei nenhum tipo de pagamento, tio.
Ela é uma pérola de grande valor.
Jacó enrugou a testa, desconfiado.
Jó acompanhou o velho até um dos lendários tapetes da tribo de Jacó.
As ovelhas e cabras salpicadas e malhadas produziam tramas exclusivas e se tornaram bastante cobiçadas em Canaã.
Eu só peço que me conte uma história em troca.
Jó sorriu e esperou a resposta.
Minha curiosidade sobre sua influência sobre Esaú me obriga a concordar, embora suspeite que há mais coisa nesta sua proposta,
Jacó disse.
Jó ergueu uma sobrancelha, apontou para um tapete de lã, e Jacó acenou para que se sentassem juntos.
Eu tinha treze anos,
mas me lembro como se fosse ontem. Você tinha enganado o avô Isaque ha sete dias. O senhor tinha fugido para salvar a vida da ira de Esaú - por ter roubado a bênção da aliança. Queria chegar logo à casa do tio Labão em Harã para se proteger.
Jacó ergueu o queixo, ficando na defensiva.
Posso ter enganado meu abba para receber a bênção, mas El Shaddai sabia quem melhor cumpriria o pacto de Abraão.
Esaú recusou-se a aprender com os grandes mestres da Casa de Sem.
Ele não merecia a bênção.
Jó assentiu, mas se recusou a tolerar o engano de seu tio.
Esaú convocou uma reunião de todos os homens de seu clã. Ele encarregou Elifaz de liderar 'uma caçada importante'. Esaú pediu a seus outros quatro filhos que escolhessem mais um de cada uma de suas famílias. O grupo seguiria você até a travessia do Jordão. Reuel, o maior arqueiro dos edomitas, atiraria uma flecha em sua coxa.
Jó fez uma pausa.
A ordem era para primeiro ferir para instilar medo antes que os outros o cercassem e o matassem, tio.
O rosto de Jacó perdeu a cor.
Esaú acreditava que após a sua morte ele estaria livre para reclamar a bênção da aliança de Abraão.
Agitado demais para permanecer sentado, Jacó se levantou e começou a andar.
Onde você quer chegar com essa história, Jó?
Você prometeu me contar como conseguiu amansar meu indomável irmão.
O que essa história absurda tem a ver com sua influência sobre Esaú?
Oh, a história não é absurda, tio.
É a razão de você ainda estar vivo.
Jó fez sinal para que seu tio sentasse novamente ao lado dele.
Você não quer ouvir o resto da história?
Jacó sentou-se no tapete enquanto Jó esperava para continuar.
Elifaz prefere cair sobre a própria espada do que arrancar um único fio de cabelo da sua cabeça, desde que vocês estudaram na Casa de Sem.
Elifaz ficou cabisbaixo quando o bisavô Esaú o chamou para liderar a tal caçada.
Nada mais justo.
A mera idéia de caçar outro ser humano é barbárie.
A hipocrisia de Jacó irritou Jó, mas ele se recusou a desviar-se da história.
Reuel enviou seu segundo filho - Zerá, meu abba - para a caçada. O olhar no rosto de Abba era tão triste quando o do tio Elifaz.
Jacó parecia pasmo.
Por que Reuel infiltraria outro discípulo de Sem entre os caçadores? Ele sabia sobre a Casa de Sem. Ele sabia que Elifaz, Zerá e eu - éramos os únicos três descendentes de Isaque a manter os ensinamentos de El Shaddai. Por que ele colocaria meus dois aliados na caçada?
Esaú escolheu Elifaz pela mesma razão que Reuel escolheu meu abba. Eles queriam torna-los mais fortes ao escolher a obediência em vez da amizade. Tanto Esaú quanto o avô Reuel diziam que as habilidades sacerdotais eram fraquezas e valorizavam apenas as habilidades de caçador e guerreiro.
Jacó fechou os olhos.
El Shaddai, ajude-nos.
Jacó olhou para Jó e perguntou: Como alguém tão bom e gentil como você veio de uma tribo sanguinária como a de Esaú?
Jó ignorou a pergunta e continuou, sabendo que as próximas palavras seriam uma resposta adequada.
Esperei meu abba do lado de fora da Tenda do Encontro para parabenizá-lo por sua indicação na caçada. Como ele não apareceu, entrei na tenda novamente e ouvi o tio Elifaz e ele planejando me levar para a caçada. No começo eu fiquei animado - tão sedento de sangue quanto o resto do clã de Esaú, tio.
Jó viu a expressão de horror no rosto de Jacó.
E então eu fiquei furioso. Eles não iam me deixar lutar de jeito nenhum. Tio Elifaz planejava usar seu direito de primogênito para protegê-lo das espadas de seus irmãos. Seu plano era apenas roubar os presentes que a avó Rebeca enviou para comprar o favor do tio Labão.
E eles roubaram tudo!
Jacó disse com raiva.
Por causa de Esaú, cheguei à casa do tio Labão sem um único grão para oferecer como dote pela minha amada Raquel!
A fúria reprimida de Jó cresceu.
Eles roubaram seu dinheiro, grãos e especiarias, mas pelo menos você está vivo e conseguiu voltar de Padã-Arã vinte anos depois com quatro esposas, onze filhos e uma linda filha.
Jacó se calou diante da ira de Jó.
Recuperando a compostura, Jó se lembrou de seu propósito e falou baixinho.
Após o roubo, tio Elifaz continuou a caminhada para o norte comigo até a Casa de Sem.
Os demais voltaram ao acampamento de Esaú com seu tesouro, mas não foi suficiente para aplacar a raiva do Grande-Abba.
Reuel desafiou meu abba a vencer sua fraqueza e exigiu explicações sobre o fracasso da caçada.
Quando meu bisavô ouviu o relato, derrubou meu abba no chão.
Sua cabeça bateu numa pedra e seu sangue se derramou.
Jacó ergueu a cabeça mais uma vez.
Você está me dizendo que a culpa pela morte de Zerá o faz curvar-se a você como um mendigo diante de um príncipe?
Jacó acenou com a mão.
Pshht. Não acredito nisso. Conheço aquele animal vermelho há muito tempo. Esaú não tem consciência. A culpa não o faria se curvar a você.
Não, tio,
Está tudo bem, disse Jó.
O Grande Abba Esaú não se curva diante de mim.
Jó examinou cada ruga no rosto envelhecido de Jacó.
Esaú me respeita porque eu o perdoei e o amei, mesmo quando ele me ofendeu.
Os olhos de Jacó brilharam.
Então você é um tolo.
Jó permitiu que as palavras do tio ecoassem antes de falar novamente.
Agora é sua vez de me contar uma história.
Jó finalmente fez a pergunta que ardia em seu coração desde o momento em que ouvira os gritos de Diná.
Seus filhos mataram o príncipe Siquém por uma causa justa, ou sua própria falta de perdão contaminou sua casa com ódio?
Jacó começou a tremer. Seu rosto ficou tão vermelho quanto o de seu irmão gêmeo.
Saiam! Saia da minha tenda!
Eu vou sair,
Jó disse calmamente: mas levarei Diná comigo e ensinarei a ela os caminhos de El Shaddai como aprendi na Casa de Sem. Como ela deveria ter aprendido na própria casa.
Antes de levantar a aba da tenda, ele deu uma palavra final.
Oro para que um dia, tio, você encontre a liberdade que vem com o perdão.
Saia!!
A voz de Jacó foi acompanhada de sons de cerâmica quebrando enquanto Jó se afastava da tenda do tio.
Sua única esperança era que Jacó se lembrasse de suas palavras e as sementes que Jó plantou crescessem e dessem frutos.
Obrigado por pedir ao tio Esaú para viajar separadamente.
Diná conseguiu superar seu constrangimento e expressar sua gratidão no terceiro dia da viagem.
Seu camelo andava ao lado de Jó.
Um dossel de estrelas cintilava sobre eles enquanto batedores com tochas iluminavam o caminho.
E obrigada por não ficar bravo por eu não me aprontar para viajar na madrugada do dia seguinte. Não gostaria de constrangê-lo na frente dos servos por tê-lo feito esperar.
Jó riu.
Diná, quem me acha fraco para servir uma mulher certamente está procurando motivos para me criticar.
Não sou guiado pelo que os outros pensam.
Minha vergonha ou inocência se resolvem entre eu e El Elyon.
Ele franziu a testa e inclinou a cabeça.
Diná ficou em silêncio.
Ele era o suprassumo da força edomita.
Mas aquele homem também era gentil e educado. Bem diferente de Esaú.
Seu caráter amável e gentil apagaram qualquer semelhança com os homens da tribo de Jacó.
Os poucos fios brancos em sua cabeça refletiam o brilho das tochas e, quando Jó se virou para olhá-la, seus olhos escuros penetraram em sua alma.
Obrigado por concordar em se casar com meu filho. Você será uma linda noiva.
O coração de Diná pulou em sua garganta.
Ela tentou ver se parecia ridícula de alguma forma.
Eu nunca pensaria em desobedecer ao vovô.
Ela se concentrou na estrada. Sua face parecia explodir de tão quente.
A tradição das filhas de Abraão dão a você o direito de recusa. No entanto, você não recusou.
Ele fez uma pausa.
Seu coração acelerou.
Ele queria que ela tivesse recusado?
Estou feliz por você fazer parte da minha casa agora.
A voz de Jó soou como vinho quente.
Diná se virou lentamente e ficou absorvida por seus olhos castanhos.
Ele me acha bonita e está feliz por fazer parte de sua casa ...
Nenhum homem tinha sido tão bom com ela desde ...
Espera!
Aquela não era a mesma armadilha que a enredou em Siquém?
Todo homem era um traidor?
Diná balançou a cabeça como se acordasse de um sonho.
Por vinte anos, mercadores e pastores contaram a história do massacre dos inocentes siquemitas. A grande culpada, segundo eles, era ela por ter ido à cidade naquele dia.
Abba Jacó contou a história de que o príncipe Siquém estuprou sua filha, contaminando-a sem as exigências de casamento adequadas do Senhor.
Não importava em qual versão da história Jó escolhesse acreditar. Ela estava decidida a não permitir que ele - ou qualquer homem - a enganasse e traísse novamente.
Mantenho o olhar na estrada ela disse: Estou ansiosa para conhecer seu filho.
Suas palavras saíram picadas. Suas mãos seguravam firme nas rédeas.
Um pouco à frente, ela notou o acampamento noturno.
Bem na hora, ela sussurrou.
Você deve estar cansada, ele apontou para um grupo de pedras cercado de belos penhascos.
Uma fogueira quente aguarda você.
Jó acenou graciosamente e cutucou seu camelo. Falou alguma coisa com o guia e cumprimentou o resto da caravana.
Ele havia enviado alguns servos à frente para preparar o acampamento para os viajantes cansados.
Nogahla esperou que Diná desmontasse.
Abba Jacó dera a pequena serva cuxita como dote de Diná.
Nenhum presente tradicional para um retorno seguro caso o filho de Jó a recusasse.
Nenhum vestido de noiva, tiara ou joias.
Jó foi gentil e ofereceu o dote, mas Abba recusou.
Boa noite, senhora, disse a garota cuxita, conduzindo Diná para dentro da tenda como se ela fosse a rainha do Nilo.
Diná segurou sua mão, tentando acalmar suas emoções.
Por favor, Nogahla não há necessidade de se curvar a mim. Não sou melhor do que um servo.
A garota parecia confusa.
Você ficaria surpresa em saber que uma das esposas de meu abba era cuxita. Diná oferecia um carinho em sua bochecha. Os olhos de Nogahla ficaram arregalados.
Diná riu. Diná riu. A pequena serva podia manter uma conversa inteira sem falar uma palavra. Suas expressões eram um reflexo perfeito de sua mente e coração.
A serva da minha ima Raquel, Bila, era tão morena quanto você,
Diná disse: um dia Raquel deu Bila a Abba como sua esposa.
Estudando a tímida serva cuxita, Diná tentou imaginar como Bila se sentiu ao entrar na intimidade do casamento como uma serva, não como uma esposa de verdade.
Diná foi tomada de uma tristeza adulta. Uma tristeza que as crianças felizmente ignoravam.
Ela se lembrava de moer grãos e assar pão sob a instrução de sua ima Bila.
Sua outra ima, Zilpa, adorava tecer e fiar, mas não tinha paciência para ensinar a arte da tecelagem.
Zilpa era serva de Lia e também fora dada a Jacó como escrava. Zilpa, porém, nunca recuperou seu sorriso como Bila.
Minha mãe foi levada como escrava quando era muito jovem, disse a garota, interrompendo as lembranças de Diná.
Sou filha de seu mestre. Meu pai era um rico soldado egípcio, e minha mãe era escrava em sua casa. Embora fosse casado, meu pai amava minha mãe e às vezes a levava para cavalgar em seus belos cavalos.
Diná procurou arrependimento ou tristeza na expressão de Nogahla.
Não havia nada.
A garota conhecia apenas a vida de um servo.
Ela falava de sua herança como se fosse uma lista do mercado.
Quantos anos você tem, Nogahla?
Não tenho certeza, ela respondeu.
Pouco antes de ser tirada de minha mãe, ela me disse que tinha cinco anos. Desde então ajudei a preparar dez festas anuais no acampamento do Mestre Isaque.
O coração de Diná se partiu com as lembranças da garota e se lembrou das mulheres acorrentadas nas ruas de Siquém.
Nogahla, não posso mantê-la como minha serva.
Os lábios da garota começaram a tremer.
Senhora, por favor.
Se você me mandar embora, o que os outros farão com uma garota da minha idade?
Lágrimas saltaram sobre seus olhos.
Se você se sentiu ofendida, sinto muito.
Eu vou ...
Você não me ofendeu.
Diná suspirou e pegou a mão da garota.
Simplesmente acho errado fazer de você minha serva. Nunca precisei de um servo.
Mas eu preciso de uma senhora, a garota sussurrou enquanto segurava a mão de Diná.
E minha senhora precisa de um amigo. Não podemos cuidar uma da outra?
Com licença.
A voz de Jó era suave e educada.
Diná, você ainda está acordada?
Nogahla se afastou e Diná correu para a entrada da tenda.
Aconteceu alguma coisa?
O rosto de Jó era ilegível.
Ela não o conhecia bem o suficiente para interpretar as expressões em sua face.
Você pode me acompanhar até a fogueira? ele disse e a seguir olhou para o cuxita.
Sozinha.
Nogahla abaixou a cabeça e recuou para a tenda enquanto Diná saía.
O medo revirou o estômago de Diná.
O que foi?
Ela olhou para o acampamento.
Os servos estavam em suas tendas.
Ela estava sozinha com Jó sob a luz da luz.
Não!
El Shaddai, não, de novo não.
A última vez que um homem foi gentil e a conduziu a um lugar ermo como aquele ...
Diná, não tenha medo.
Jó a empurrou para frente, gentilmente.
Preciso apenas falar com você. Você pode se sentar comigo perto da fogueira?
Havia dois tapetes lado a lado.
Diná começou a balançar a cabeça.
Não, por favor. Não consigo. Nunca. Você me prometeu ao seu filho!
Ela se virou e disparou pela escuridão para escapar do assédio de outro homem.
Diná, ouça.
Ele impediu sua fuga e ela lutou para se desvencilhar de seus braços.
Não vou te segurar, mas você não deve correr pelo deserto à noite.
Diná tremia tão violentamente que mal podia parar em pé.
Sem lágrimas, El Shaddai.
Não quero derramar mais lágrimas.
Jó deu um passo e estendeu a mão, mas ela recuou como uma criança assustada.
Só quero sentar perto da fogueira e conversar com você sobre El Shaddai antes de chegar em Uz.
Seus olhos eram gentis.
Nogahla tinha notado.
Não vou te machucar.
Olhe para mim, Diná.
Ela não conseguia olhar para ele novamente.
O primeiro contato deles era um pesadelo histérico. Ela imaginou que ele planejava um ato desprezível com sua futura nora.
Por que ele não a mandou de volta ao acampamento de Abba Jacó?
De repente entendeu que Nogahla e ela eram quase iguais.
Ambas viviam com medo de ser rejeitadas por seus mestres.
Diná caminhou até a fogueira e sentou perto das chamas.
Ela ouviria o que Jó tinha a dizer.
Se necessário ela até falaria.
Mas ela não conseguia olhar para ele.
A paciência de Jó a irritou.
O fogo estalava.
Faíscas voavam para o céu até que finalmente ele quebrou o silêncio.
Fale-me sobre o Príncipe Siquém, Diná.
Você o amava?
Ela recuperou o fôlego.
Ela piscou forte, respirou rápido, lutou contra as emoções.
Ninguém perguntou a ela. Nem mesmo suas imas quiseram saber.
Ela jogou um pedaço de esterco seco no fogo.
Talvez ele fizesse outra pergunta.
Diná, por favor.
Vi a maneira como você cuidou do vovô Isaque em seus últimos dias.
Sei que você tem um coração amoroso.
Você era muito jovem quando Simeão e Levi te resgataram.
Você acreditou que estava casada quando o Príncipe Siquém a levou para a cama?
Como você ousa me fazer perguntas tão íntimas!
Ela se surpreendeu com a própria reação intempestiva.
Nem mesmo meu abba perguntou essas coisas!
Diná cerrou os punhos, tentando parar de tremer.
Jó esperou, mas ela não conseguiu conter as lágrimas por muito tempo.
Constrangida, ela tentou se levantar, mas a mão forte de Jó a deteve.
Pare de correr, Diná.
Pare de se esconder.
Diga-me o que aconteceu em Siquém.
Seus olhos penetraram em sua alma.
Em minhas visitas anuais o vovô Isaque nunca soube que você estava no acampamento até semana passada. Por que você se escondeu por quinze anos, Diná?
Disseram para me esconder porque tinham vergonha de mim!
Seu grito ecoou no céu do deserto, atormentando seu corpo com soluços.
Jó soltou seu braço como se ela fosse leprosa.
Aquilo era repulsa?
Choque?
Horror?
Ela baixou a cabeça e deixou as lágrimas rolarem. Estava cansada demais para se importar.
Uma coruja gritou ao longe.
Jó se aproximou.
Diná, me escute.
Ele tocou seu ombro e ela encolheu.
Sinto muito, disse ele, soltando um suspiro.
Por favor, Diná.
Você amava Siquém?
Sim, sim, eu o amava, gritou ela, e ele também me amava.
Diná olhou para o homem que determinaria seu futuro.
Ela enxugou o rosto tentando recompor a muralha de dor e amargura em torno de seu coração.
Ele me amava, Jó.
É tão difícil de acreditar?
Por que ninguém acredita que um homem possa me amar?
Jó colocou o braço sobre os ombros de Diná, e ela sentiu seu carinho, mas nenhuma paixão.
O ato simples desmontou suas frágeis defesas.
Ela abraçou os joelhos com força, enterrando o rosto em um mundo rigidamente contido.
Jó permitiu que ela chorasse. O silêncio faria seu trabalho de cura.
Quando as lágrimas finalmente diminuíram, ele disse suavemente: Diná, preciso lhe fazer outra pergunta difícil.
Não quero julga-la ou castigá-la, mas liberta-la da dor que está sentindo agora.
Ele se aproximou como um pai carinhoso de uma criança pequena.
Você sabia que era errado se entregar ao Príncipe Siquém antes de receber a bênção de seu abba e El Shaddai?
Diná fechou os olhos e se afastou dele.
Ela se levantou e começou a caminhar em direção a sua tenda quando Jó agarrou seu braço.
Me responda, Diná.
Ela se afastou bruscamente e enxugou as lágrimas.
Você pode pelo menos deixar um guarda me acompanhar de volta à casa do meu abba?
Ela ria amargamente, mas acrescentou: Ou você acha que mereço ser atacada por badidos?
Jó estendeu a mão novamente, ficando de joelhos. Desta vez ele agarrou suas mãos suavemente.
Por favor, responda, Diná.
É importante que diga as palavras em voz alta.
Sim. Eu sabia! disse ela, afastando as mãos dele.
Eu sabia que era errado, mas fiz isso mesmo assim.
As lágrimas voltaram a rolar.
Talvez seja impossível para alguém como você entender. Você sempre teve uma vida abençoada sem dor ou luta. Siquém foi a primeira pessoa que me amou e eu simplesmente não consegui dizer não.
Jó tirou uma adaga do cinto.
Diná foi tomada pelo medo e instintivamente se preparou para correr.
Mas repentinamente ela se viu resignada.
Aquele era o destino que ela deveria ter compartilhado com o marido vinte anos atrás.
Ela fechou os olhos e esperou pelo golpe.
Em vez disso, ela ouviu Jó se levantar e ir embora.
Ele trouxe um cordeiro que estava amarrado em sua tenda.
Conduziu a criaturinha perfeita ao lugar onde ela estava.
Diná, todos nós pecamos. E o pecado traz a morte.
El Shaddai ensinou Adão, Noé e Abraão que nossos pecados podiam ser expiados por meio do sangue.
Ele se ajoelhou ao lado do cordeiro, olhou para Diná e cortou a garganta do cordeiro.
Não!
Ela caiu de joelhos.
O que você está fazendo?
Por que você matou esta criatura indefesa?
Ela começou a tremer enquanto o sangue do cordeiro escorria.
Eu pensei que você fosse gentil mas vejo que é tão cruel e indiferente como os outros homens.
Ela tinha ouvido falar dos sacrifícios de Abba Jacó e seu avô, mas como mulher, ela nunca teve permissão para testemunhar suas ofertas.
O cordeiro morreu, Diná, para que você pudesse viver.
A voz firme e calma de Jó rompeu a amargura.
É assim que El Shaddai nos liberta do peso de nossos pecados. Como sacerdote da minha família, ofereço sacrifícios regulares por meus filhos, caso eles tenham amaldiçoado a Deus em seus corações.
Jó manchou seu pulso com o sangue do cordeiro.
Em breve você se tornará minha nora. Também farei esta oferta por você.
Você está livre da sua vergonha.
Ela olhou para ele, incrédula.
Agora que você sabe da vergonha e imundícia que pairam sobre mim, como você pode me dar ao seu filho?
Ofereço este cordeiro a El Shaddai como holocausto, Diná.
Pela manhã, nada restará dele.
Jó se levantou e ajudou Diná a se levantar.
Que vergonha? ele perguntou.
Não vejo trapos imundos em você.
Ele se afastou e começou o trabalho sacerdotal de preparar o animal para a oferta.
Diná assistiu em silêncio por alguns momentos antes de retornar para sua tenda.
Nogahla esperava por ela com olhos arregalados e questionadores, mas Diná estava entorpecida demais para explicar.
Falaremos disso pela manhã, prometeu, e depois adormeceu com o doce aroma de cordeiro assado.
4
Gênesis 3:1, 4-5
Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus tinha feito...Disse a serpente à mulher: Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e do mal.
O refeitório público do palácio de Sítis fervilhava com o movimento do meio-dia.
Mendigos, viúvas e órfãos ocupavam as mesas da grande sala com teto alto.
Ela olhou para os rostos famintos sentados enquanto outros esperavam do lado de fora para participar da provisão diária de Jó.
Guardas mantinham a ordem. Os odores de corpos sujos e mingau de cevada se misturavam no ar.
Sítis afastou uma mosca do rosto e se perguntou se o marido alguma vez sonhou que alimentaria tantas pessoas todos os dias.
Todos na casa estavam ocupados com o serviço, até a antiga babá de Sítis.
Nada, deixe esta bandeja aí e corra para a casa de Ennon.
Sítis gesticulou com a cabeça para que um dos servos pegasse a bandeja de Nada.
Diga a sua esposa preguiçosa para vir nos ajudar.
Sítis procurou rapidamente seus filhos. Três filhas serviam as mesas, bem como as outras cinco noras.
Seu sétimo filho ainda não estava pronto pra se casar.
Diga à preguiçosa mulher de Ennon que se ela se recusar a servir, não poderá desfrutar do ouro de meu filho.
Nada se esgueirou pelos corredores estreitos, os punhos cerrados na cintura, marchando para entregar o ultimato à nora.
Sítis observou enquanto ela saía e murmurou: Jó deveria ter me deixado escolher a esposa de Ennon. Eu teria escolhido a filha de Bela. Pelo menos aquela garota sabe trabalhar.
Ela riu ao imaginar a bronca de Nada à esposa de Ennon.
A multidão de mendigos desdentados, crianças sujas e mulheres doentes consumiu sua atenção.
Jó achava que poderia salvar o mundo?
Com um sorriso forçado ela segurou a panela e a concha de servir.
Enxugou o suor na manga da veste e se abaixou para servir.
Viúva Orma, gostaria de mais caldo de cevada?
Os olhos da velha estavam turvos, mas perceberam quando ela se levantou da mesa das viúvas.
Senhora, por que você não me permite servir seus convidados hoje? Seu marido viajou há quase um ciclo lunar e você tem trabalhado muito.
A velha deu uma piscada rápida.
Você não precisa conversar com Uzahmah antes do banquete de noivado?
O sorriso de Sítis se transformou em prazer.
A viúva Orma era a preferida de todas as viúvas que vinham regularmente buscar comida.
Ela quase aceitou a oferta.
Não, Orma.
Com toda essa correria tive pouco tempo para preparar qualquer coisa.
A viúva tomou gentilmente a panela e a concha das mãos de Sítis.
Vá, querida.
Todos os dias esta casa serve aqueles que não têm comida.
Deixe-me servir hoje enquanto você descansa.
Sítis não percebeu nenhum tom de julgamento nas palavras de Orma, mas sentiu uma pontada de culpa.
Ela realmente não se importava em servir aos necessitados. Pelo menos, não tanto quanto antes.
Mas ela tinha tantos preparativos para o banquete de noivado de Uzahmah e Eliú.
Obrigado, Orma.
Jó e Eliú devem chegar em três dias. Quero que esteja tudo pronto para surpreendê-los.
A viúva sorriu e começou a servir.
Sítis observou a maneira como a velha se aproximava, falava baixinho, tocava um e outro ombro.
Se não tivesse mais nada pra fazer, poderia passar os dias ouvindo e servindo como se não tivesse nenhuma preocupação.
Sítis passou apressada pelos corpos suados e passou pela pesada tapeçaria vermelho-dourada.
Lâmpadas crepitavam em prateleiras escavadas nas paredes de rocha. Sítis fechou os olhos, respirando profundamente.
Cravo e hortelã seca banhavam seus sentidos maltratados.
O alívio daquele lugar era como água para uma alma seca.
Algum dia ela se acostumaria com a sujeira dos pobres?
Ela era neta de Ismael e crescera nas mais luxuosas tendas do deserto. Por isso considerava a caridade de Jó difícil de engolir.
Ela riu para si mesma.
Em quarenta anos de casamento, o papel de serva era apenas uma das muitas máscaras que ela usava para manter o relacionamento. Um preço pequeno a pagar por dez lindos filhos e a perspectiva de um dia ter netos.
Ela inalou profundamente o cheiro adocicado de especiarias e seguiu para o salão privativo de banquetes, onde os preparativos para o noivado de Uzahmah estavam espalhados.
Ela passou os dedos pelas taças de prata que ela comprara de comerciantes arameus.
Pegou um espelho de bronze e conferiu sua imagem no reflexo brilhante.
Você tem novas rugas sob seus olhos, Sítis.
Seu cabelo preto apresentava algumas mechas grisalhas, e as maçãs do rosto rosadas da juventude haviam desaparecido.
Garota Sítis, você é tão bonita quanto aos treze anos.
A voz profunda e ressonante fez Sítis pular, e ela quase deixou cair o espelho.
Sayyid! O que você tinha na cabeça ao entrar sorrateiramente na minha casa? Você vai deixar meu cabelo ainda mais grisalho!
Sayyid era seu amigo de de infância. Ele caminhava regiamente, como convinha a um rico comerciante.
Com voz maliciosa ele disse: Vim perguntar à dona da casa se ela precisa de mais alguma coisa para o banquete de noivado de sua filha mais nova.
Oh, levante-se.
Sítis conseguiu espantar a malícia como moscas no salão dos mendigos, mas não pode tirar aquele sorriso que o acompanhava.
Você sabe bem que temos o que suficiente.
Você foi generoso como sempre, meu amigo.
Os olhar de Sayyid perdeu ar brincalhão, e sua gentileza habitual tocou o coração de Sítis.
Trouxe um presente para Uzahmah.
Ele olhou a sala de banquete vazia, se assegurando que estivessem sozinhos.
Tirou uma bolsa de couro com conteúdo pesado.
Ha muito tempo eu lhe dei um presente ismaelita e quero repetir o favor à sua filha.
Sítis ofegou.
Sayyid, são exatamente iguais as que você me deu, quando ...
Lágrimas brotaram de seus olhos.
Quando o Deus de Jó me abandonou, você me deu as deusas. Depois disso nunca mais abortei.
Ela não conseguia olhar nos olhos dele.
Não era algo que uma mulher falaria com um homem, mas Sayyid não era qualquer homem.
Sua família arrendava as terras de seu pai ha anos. Sayyid tinha se apaixonado por ela anos atrás.
Minhas filhas são presentes destas divindades ismaelitas.
Ela finalmente olhou para cima e se surpreendeu com a expressão dele.
Jó quase matou você. Ele esperava que você tivesse filhos como os rebanhos de Edom.
Ninguém é capaz de três gestações gemelares em seis anos e sobreviver.
Sayyid sentia muita raiva de Jó, mas Sítis aprendera a manter os homens separados. Embora permanecessem próximos em seu coração.
Jó não me maltratou, Sayyid - disse ela.
Meu marido me ama.
Foi o Deus de Jó que se esqueceu de mim.
A menção do Senhor realçou a dureza de seu coração.
É como você sempre me disse, Sayyid.
El Shaddai é deus de homens e não ouve os apelos de uma mulher que anseia por um filho.
Ela ajeitou as imagens na mesa na frente deles.
Disse a Jó que os nomes de nossas filhas eram de herança ismaelita, mas eram mesmo lembretes das deusas da fertilidade.
Ela deu um beijo em cada uma das deusas.
Alathah recebeu seu nome em homenagem a Al-Lat, Manathah a Manat e Uzahmah para a deusa todo-poderosa Al-Uzza.
Ela se virou para Sayyid e deu um baixo em seu rosto.
As deusas também são uma lembrança constante de meu amigo de infância, que me resgata sempre que preciso dele.
Os gritos irromperam aos primeiros raios do amanhecer.
O acampamento de Jó fervilhava.
Diná viu um boi passar por sua tenda, perseguido por um pastor.
Saiu dos cobertores e se jogou no tapete de pele.
O cheiro do cordeiro sacrificial havia desaparecido completamente.
Nogahla se aninhara em seus braços antes que Diná estivesse totalmente acordada.
Nogahla,
Diná sussurrou, se esconda embaixo daquela montanha de cobertores.
Eles não devem encontrar você.
Os ladrões costumavam aproveitar as primeiras horas do dia, um pouco antes do amanhecer. Se a caravana de Jó estivesse realmente sob ataque, os bandidos logo chegariam em sua tenda.
Senhora, onde você se esconderá?
A garota se arrastou na direção dos cobertores tremendo.
Nogahla se enfiou sob o monte de lã e Diná ouviu os sons ao seu redor.
Ao ionvés do som dos galopes dos camelos, ela ouviu o trovejar dos cascos dos cavalos.
Os gritos dos servos de Jó eram mais confusão que medo.
O que está acontecendo aí fora?
Diná disse.
Diná criou coragem e se dirigiu à entrada da tenda.
Ela observou enquanto Jó e um corpulento xeque sabeu caminhavam em direção a fogueira. O restante do acampamento continuava a se mexer.
Ela não conseguiu distinguir as feições do outro homem no brilho do amanhecer.
É estranho, Diná sussurrou.
Aquele xeque me parece familiar.
Quando o barulho começou a diminuir, Nogahla espiou por baixo dos cobertores e perguntou: Todo mundo já morreu?
Diná lançou um olhar severo para a garota e cuidadosamente abriu a aba da tenda.
Ao se endireitar do lado de fora da tenda ela encarou o xeque sabeu sentado com Jó - um homem que ela realmente conhecera antes.
Seu rosto estava vermelho de raiva.
Diná voltou para dentro da tenda, quase derrubando a estrutura.
Elohim, ele não. Agora não.
Senhora, você está bem?
Nogahla surgiu de sua fortaleza de lã e agarrou Diná enquanto ela caía para trás.
Quando viu a expressão de Diná a garota entrou em alerta.
Fizeram alguma coisa com Mestre Jó?
Não, Nogahla,
Diná sussurrou enquanto recuperava o equilíbrio.
Jó está bem.
Ela olhou ao redor, fazendo uma lista mental do que poderia ser rapidamente embalado.
Precisamos nos apressar e embalar algumas coisas.
Mestre Jó nos enviará de volta ao acampamento do meu abba a qualquer momento.
Jó permitiria que levassem um camelo ou jumento - ou elas seriam expulsas do acampamento a pé?
Os guardas de Jó foram surpreendidos. O líder dos guias estava de joelhos diante de Jó.
Mestre, nos perdoe.
Os cavalos chegam mais rápido e são mais silenciosos que os camelos.
O homem conhecia os caminhos do deserto e as trilhas das montanha como a palma de sua mão.
Ele era rude e habilidoso. Mas não era conhecido por pedir desculpas.
Ninguém esperava por uma tropa de cavalos do Egito. - acrescentou o guia, aguardando a reprimenda de um mestre cujo acampamento havia sido virado de cabeça para baixo.
Eu entendo,
Jó disse, colocando a mão no ombro do guia.
Ninguém sabe quando meu primo Zofar, aparecerá.
O guia olhou para o xeque ruivo e barrigudo no cavalo da frente, que agora ria histericamente.
Jó viu a raiva de seu guia crescendo, mas tinha problemas maiores do que o orgulho ferido do homem.
Tudo está perdoado,
Jó disse: mas parece que meus bois estão indo em direção ao penhasco.
Ele apontou para os penhascos irregulares de granito a alguns passos, e o homem correu para ajudar os pastores.
Você tem sempre que fazer uma grande entrada, Zofar?
Jó gritou enquanto se aproximava do garanhão preto de Zofar.
Zofar desceu do animal e correu para abraçar Jó.
Meus navios chegaram de Elate ontem, e alguns mercadores informaram que você estava acampado nestas colinas.
Deveria ter enviado mensageiros para anunciar minha chegada, mas queria fazer uma surpresa.
Você quase foi recebido com um dardo,
Jó respondeu bem-humorado, guiando seu primo até a fogueira.
Você sempre foi muito hábil com o dardo, primo,
Zofar disse enquanto apontava o músculo do braço de Jó.
Os dois lutaram como meninos.
O deserto ainda estava frio, mas o calor do relacionamento familiar aliviava anos de separação.
Sabba Esaú se orgulhava de seu treinamento com armas,
Zofar disse com um empurrão final.
Ele também se orgulhava de suas habilidades de negociação.
Jó riu e acenou para os cavalos atrás deles.
Então me diga, ambicioso primo.
Que tipo de negócio você fez com o Egito para conseguir esses garanhões?
Se quiser comprar cavalos do Egito, é preciso dar a Faraó o que ele quer - canela.
Zofar se aproximou no meio da confusão.
Mas cá entre nós, os camelos são muito mais adequados para meu porte físico.
Ele deu um tapinha na cintura ampla e exibiu o barrigão antes de se sentar num tapete perto da fogueira.
Jó gostou de ouvir sobre a última aventura de Zofar. Ele admirava a capacidade destemida do primo de viver.
Depois de retornar da Casa de Sem, Esaú arranjou um casamento para Zofar com a filha de um rico comerciante de especiarias sabeu.
Ele viajou para o sul da Arábia para divulgar os ensinamentos do Altíssimo aos ismaelitas. Ao mesmo tempo, aprendeu os detalhes do lucrativo comércio de especiarias.
Em pouco tempo Zofar tomou uma segunda esposa. Por meio de seu segundo sogro obteve acesso aos antigos segredos sabeus obre irrigação e navegação por meio.
Ele se tornara o comerciante de especiarias mais rico do Oriente, deixando os ensinamentos do Altíssimo sob a responsabilidade de outro discípulo de Sem, irmão de Sítis, Bildade.
Vejo que você ganhou novos anéis, Zofar.
Jó ergueu uma sobrancelha enquanto se assentava facilmente em um tapete ao lado de seu primo.
Zofar inspecionou seus dedos roliços, ornados com ouro e pedras preciosas.
Comprei algumas bugigangas novas desde a última vez que te vi, mas...
Não, primo.
Suas olheiras me dizem que você tem trabalhado muito e dormido muito pouco.
Jó se sentia como uma esposa irritante, mas Zofar parecia cansado. Incomum para um comerciante extravagante.
Zofar não deu bola para sua preocupação. Jó insistiu.
É a primeira vez que você volta a Edom desde sua viagem a Sabá, há dois anos?
Zofar fechou os olhos, respirou fundo e exalou o que parecia ser a exaustão de dois anos.
Finalmente estou voltando para casa, Jó.
Transportei um grande grupo de sabeus no meu navio de especiarias.
Ele abaixou a cabeça, em tom conspiratório, e acenou para os onze cavaleiros que o acompanhavam.
Os sabeus testaram minha paciência até o limite, pedindo mais tempo para juntar provisões para seu novo assentamento em Moabe.
O que poderia fazer?
Eles pagaram um bom preço pela viagem.
Jó encarou novamente a escolta de Zofar. De fato, eles pareciam bem mal-humorados.
As pedras preciosas nas empunhaduras de suas jambiyas curvas cintilavam ao sol.
As adagas de dois gumes, usadas na cintura, eram um aviso que rapidamente definia um sabeu.
Jó olhou para o cinto de Zofar.
Não havia jambiya.
Zofar estava dividido entre as várias tradições que chamava de lar.
Ele viveu em Sabá por dez anos antes de retornar a Canaã com suas esposas e filhos para estabelecer suas rotas comerciais em Edom, Arábia e Egito.
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ghutrah |
Jó perguntou por que ele recusou o keffiyeh. Zofar brincou que o ghutrah sabeu realçava sua aparência robusta, mas Jó sabia o verdadeiro motivo de sua recusa.
Os keffiyehs eram tecidos com a lã salpicada e manchada dos rebanhos de Jacó. Ha muito tempo Zofar rejeitara qualquer coisa do tio Jacó.
Acabei esperando aquele grupo sabeu e seus cavalos egípcios, Zofar sussurrou, apontando com o polegar para a escolta de aparência rude. Finalmente zarpamos há quatro luas.
Zofar olhou distraidamente e se atentou ao guia de Jó.
O que deu em você para contratar um guia com só dois dedos?
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keffiyeh |
Ele bateu no peito de Zofar.
Como você conseguiu atravessar o Golfo de Aqaba no inverno?
É temporada de monções.
Zofar se desfez em gargalhadas e o som aqueceu o coração de Jó.
A mão de El Shaddai e os segredos de navegação sabeus me ajudaram a navegar pelos ventos contrários de Aqaba no inverno.
Zofar deu um tapa no joelho e examinou o restante do acampamento de Jó.
Não foi uma viagem agradável com cem sabeus brigões e cinquenta cavalos egípcios!
Jó ouviu com prazer e riu baixinho. Ele estava mais divertido com a incapacidade de Zofar de se concentrar do que com sua capacidade de contar histórias.
Quando eles eram meninos na Casa de Sem, era praticamente impossível fazer Zofar ficar parado para aprender os ensinamentos do Altíssimo.
Mas dê a ele um assunto para debater, e mesmo os melhores professores não conseguirão refutar seu raciocínio rápido e ágil.
Jó se surpreendeu quando Zofar ficou emburrado.
Ele se levantou num pulo. As mãos rechonchudas estavam fechadas e ele tremia.
O que ela está fazendo aqui?
O quê? Quem?
Jó não conseguia imaginar o que teria mudado o humor de Zofar tão rapidamente.
A assassina de Siquém!
Na mesma hora Jó olhou para a tenda de Diná.
Sim, ela!
Zofar gritou.
Você permitiu que ela contaminasse seu acampamento?
Jó engoliu seco.
Zofar conhecia Diná?
Zofar, cale-se. Ela vai te ouvir.
Ele viu a sombra de Diná e viu o restante de sua caravana parecendo estátua.
Todos ouviram.
Jó se virou para Zofar, irado, e viu a raiva do homem desaparecer como uma cobra trocando de pele.
Você está com medo?
Por que você ficou tão assustado?
Esta mulher é como uma doença, Jó.
Ela vai contaminar sua casa - como a lepra!
Jó estendeu a mão para acalmar Zofar, mas ele recuou.
Isso é ridículo,
Jó tentava manter seu tom calmo.
Me diga como conheceu Diná.
Zofar arregalou os olhos. As veias de sua testa e pescoço estufaram com a força de sua voz.
Todo mundo conhece ela, Jó! Desde o Nilo até o Eufrates, os homens ouviram falar do que ela causou aos siquemitas.
Você, Zofar!
Jó ergueu Zofar pelo manto, apertando o linho entre os nós dos dedos.
Perguntei como você conhece Diná.
Não quero saber das fofocas dos comerciantes.
Zofar deu um tapa na mão de Jó e arrumou o manto. Seu rosto contraído como um figo seco.
Quando voltei de Sabá para me estabelecer em Naamá, os cananeus me odiaram porque o tio Jacó os envenenou contra os descendentes de Esaú.
Mas Hamor, rei de Siquém foi generoso e gentil e me defendeu, dizendo que as rotas comerciais edomitas beneficiariam as gerações futuras.
O príncipe Siquém era o melhor dos filhos de Hamor - o jovem mais honrado que já conheci.
Eles eram meus amigos.
Aquela mulher seduziu o príncipe para que seus irmãos pudessem assassinar e saquear a cidade e encher as tendas de Jacó com ouro.
Estava no caminho entre Siquém e Betel quando a caravana de Jacó passou.
Eu a vi vestida com trapos ensanguentados, sentada em cima de uma carroça cheia de ouro roubado dos siquemitas. ele disse apontando para a tenda de Diná.
Chega!
Jó ficou furioso.
Você não conhece Diná. Não conhece a história real ou a dor que ela suportou todos esses anos!
Ela só é responsável por seu próprio pecado.
Não tem nenhuma responsabilidade sobre os pecados de seus irmãos ou de Jacó.
Jó se manteve firme, como se a batalha de Diná tivesse de alguma forma se tornado sua.
Ofereci os sacrifícios por seu pecado. Qualquer que tenha sido a parte que ela possa ter desempenhado na terrível tragédia.
Ela está perdoada perante El Shaddai.
O choque estava estampado no rosto de Zofar.
Como você pode dizer que ela está perdoada, Jó?
Ela é uma mulher ardilosa.
Visitei o acampamento de Isaque em Hebron algumas vezes. Ela mimava e bajulava nosso avô.
Ela é tão traiçoeira quanto seu abba, tentando garantir seu futuro ...
Pare aí, Zofar!
Ela faz parte da minha família agora.
O rosto de Zofar ficou tão branco quanto sua ghutrah.
Ele sacudiu os ombros de Jó.
Parte de sua família?
Não, Jó!
Você traiu sua promessa a Sítis e tomou aquela mulher como sua esposa?
Jó tentou entender a pergunta de Zofar.
Se você pode tomar uma segunda esposa, por que eu não posso? ele respondeu friamente.
Porque você prometeu!
Ele empurrou Jó, jogando-o para trás.
Você prometeu a Sítis que ela seria sua única esposa, como Rebeca e Isaque.
Jó, você não fez isso.
Diga-me que não!
Jó olhou firme para Zofar, com o coração zunindo nos ouvidos.
Ele jamais quebraria seu voto a Sítis, mas pela primeira vez, ele se recusou a dar explicações.
Ele e Zofar haviam discordado muitas vezes, mas de alguma forma aquilo parecia diferente.
Um abismo se formou entre eles e nenhuma palavra poderia transpor.
Ela se casará com Ennon, ele disse, sem expressão.
E apesar de toda história, ela está perdoada, Zofar.
E embora você, o tio Jacó e o bisavô Esaú tenham se esquecido de perdoar, ela foi perdoada por El Shaddai.
O rosto de Zofar ficou vermelho de raiva.
Ela lançou seu feitiço sedutor em você. Assim como fez com o Príncipe Siquém. Ela vai arruinar sua casa. Marque minhas palavras.
Não estou enfeitiçado, Zofar.
E Diná não está mais sob o peso da vergonha.
Jó balançou a cabeça. Estava cansado da viagem e daquela discussão inútil.
Se você conversasse com ela, saberia do grande amor que ela sentia pelo avô Isaque e a ordem para que ela se casasse com Ennon.
Os olhos de Zofar e seus olhos se encheram de lágrimas.
O silêncio repentino tirou o fôlego de Jó.
Zofar fora informado sobre a morte do avô de sopetão.
Me perdoe, primo.
Jó baixou a cabeça.
Sabba Isaque finalmente está com o Abba Abraão.
Ninguém falou mais nada.
O barulho do acampamento aumentou. Os bois estavam alinhados para seguir viagem. As tendas estavam desmontadas e prontas.
Zofar finalmente falou enquanto a fogueira se acabava.
Não conhecia Isaque como você, Jó.
Passei poucas vezes pelo seu acampamento em minhas viagens.
Não recebi os ensinamentos dele como você.
Jó se virou para Zofar, esperando o encarasse.
Ele não se virou.
Zofar, sabba Isaque ordenou que Ennon se casasse com Diná porque sua descendência é a única esperança para trazer a bênção da aliança de Abraão ao clã de Esaú.
Zofar ergueu a cabeça.
Sabba Isaque te forçou a trazer Diná?
Ele deu um sorriso irônico.
Tio Jacó deve feito a cabeça dele para livrar seu clã da vergonha daquela mulher.
O estômago de Jó doeu como se tivesse engolido brasas.
Nunca mais fale da minha nora dessa maneira, Zofar.
Diná é uma bela mulher que foi acusada injustamente durante toda a vida.
Zofar voltou a se enfurecer.
Como você pode ser tão cego?
Ele pegou um punhado de poeira e jogou no peito de Jó.
Já chega, disse uma voz feminina atrás deles.
As feições de Diná escondiam sua dor.
Nogahla estava ao lado dela, pronta para a tenda a qualquer momento.
Diná perguntou a Jó: Você pode nos fornecer um guia para Nogahla e eu voltarmos a casa de Abba Jacó?
Jó viu o rosto triunfante de Zofar e a morte nos olhos de Diná.
Estou certa que você mudou de ideia sobre mim após ouvir o relato de Zofar.
O coração de Jó se partiu ao ver a vergonha na atitude de Diná.
O cordeiro da noite anterior não teria qualquer valor se Diná voltasse para sua amargura.
Não. Não fornecerei guia para você e Nogahla voltarem.
Diná fechou os olhos e se virou.
Agarrou a mão de Nogahla e começou a descer o caminho para Elate. Cada uma carregava duas pequenas sacolas.
Antes que Jó pudesse chamar Diná, Zofar riu e disse: Volte aqui.
Nem memo você merece cair nas mãos de um bandido no caminho de volta para Hebron.
Você pode viajar com uma de minhas caravanas pelas montanhas costeiras.
Eles encontrarão seu abba ladrão em algum lugar entre Berseba e Hebron, tenho certeza.
Diná parou mas não se virou. Nogahla olhou para a senhora.
Esperando.
Não, Zofar,
Jó gritou alto o suficiente para que Diná e Nogahla ouvissem.
Me recuso a devolvê-la para a casa de Jacó.
Isaque prometeu Diná a meu filho Ennon, e não lhe darei salvo-conduto, a menos que ele a recuse.
Por quê?
Diná largou a mão de Nogahla e correu para os dois homens, sem fingimento.
Por que não me mandar de volta agora e acaba logo com isso?
Seu filho terá a mesma opinião que este ... este ...
Ela acenou para Zofar.
Cuidado, Diná,
Jó disse em meio à tempestade de palavras.
Não permiti que ele te acusasse injustamente. Também não permitirei que você desonre Zofar na minha presença.
Como você sabe que ele me acusou injustamente?
Ela enxugou os olhos que a esta altura jorravam lágrimas.
Você sabe o que eu fiz! Me mande de volta! Não me faça passar pela humilhação de ser rejeitada por seu filho.
Mais lágrimas se derramaram.
Mande-a de volta, Jó.
Zofar agarrou o braço de Jó, implorando.
Se Ennon for forçado a se casar com ela, se tornará motivo de piada em Edom.
Jó baixou o punho de ferro de Zofar.
E quanto ao perdão de El Shaddai? E quanto ao último desejo de Isaque? E a bênção de Abraão para o clã de Esaú? Nada disso tem significado para você? A alma de uma mulher significa tão pouco.
Zofar tirou a mão dele.
Tome cuidado, primo.
Esta mulher vai destruir sua casa.
Ele olhou para Diná e cuspiu no chão aos pés dela.
Não me importo se Isaque acreditava que você carrega a bênção da aliança de Abraão em seu ventre. Seu abba é um mentiroso e um ladrão. Seus irmãos são assassinos cruéis. Você é melhor do que eles.
Diná se virou e agarrou a mão de Nogahla caminhando de volta para a tenda.
Zofar montou seu cavalo sem dizer mais nada e desapareceu em uma nuvem de poeira vermelha.
Jó ficou quieto, surpreso por seus servos terem desmontado o acampamento no curto tempo que ele e Zofar levaram para destruir o vínculo de toda uma vida.
Estava quase tudo pronto para viajar para a cidade de Elate, onde eles trocariam gado por presentes e suprimentos para os três dias finais de sua jornada para Uz.
Só a tenda de Diná permanecia de pé.
Jó decidiu caminhar na direção de um belo mirante de rochas a cerca de cem passos, com vista para a cidade.
Ele precisava de algum tempo com El Shaddai.
Durante suas viagens Jó procurava uma fenda confortável nas rochas e descansava até que o sussurro da palavra de El Elyon enchesse em sua alma.
O Deus Altíssimo nunca falara diretamente com ele.
Tal milagre ocorrera àqueles que portavam a bênção da aliança. Quem sabe algum dia um dos filhos de Ennon ouviria a voz de El Shaddai.
Como seria a voz de El Elyon?
Poderia um homem continuar sendo o mesmo?
5
Jó 1:1-3
Na terra de Uz vivia um homem chamado Jó... Tinha ele sete filhos e três filhas... Era o homem mais rico do oriente.
Nogahla, me ajude a fazer as malas.
Diná estava muito zangada e humilhada para deixar a curiosidade da garota atrasar suas mãos ocupadas.
Se Jó está determinado me humilhar diante de toda a cidade de Uz, então devemos estar prontas para partir.
Seus olhos encheram de lágrimas mas ela se recusou a chorar.
Nogahla tomou delicadamente a esteira de dormir da mão de Diná.
Deixe-me enrolar isto, senhora.
Troque de roupa e dê um jeito no cabelo.
Hoje iremos a Elate.
As mãos de Diná tremeram.
A lembrança do rosto vermelho e zangado de Zofar pipocaram em sua memória.
Ela queria ter paz. A mesma paz que sentiu depois do sacrifício da noite anterior.
Senhora, você está bem?
Nogahla colocou a mão no braço de Diná.
Ela ouviu palmas do lado de fora da tenda, e ficou tensa.
Preciso falar com você por um momento, Diná.
Era Jó.
Estamos terminando de empacotar tudo, Ela respondeu às perguntas silenciosas de Nogahla com um encolher de ombros.
Estamos trabalhando tão rápido quanto ...
O rosto de Jó surgiu pela abertura da tenda.
Eu tenho um pedido, ele disse. Sua expressão era gentil, mas firme.
Sua presença encheu a pequena tenda das mulheres.
Diná, preciso de seus potes de ervas e remédios, por favor. Os que sabba Isaque deu a você.
Diná esperou alguma explicação, mas seu silêncio era tão vazio quanto sua expressão.
Por quê? ela perguntou.
Depois de se casar com meu filho, você terá pouco tempo para ser parteira. Posso vender suas ervas às parteiras em Uz, e então mais pessoas serão beneficiados. Não se preocupe, Diná. Eu sei o que é melhor.
Seu sorriso era genuíno, mas exibia uma emoção estranha no canto de sua boca.
Diná ficou entre o desespero e a indignação.
Ela gostaria de compartilhar suas ervas com outras pessoas, mas aqueles potes foram presentes de sabba Isaque.
Ela não seria a melhor pessoa para decidir como usá-los?
Além disso, aquelas ervas eram uma forma de dar um novo significado a sua própria vida.
Sinto muito, disse ela, mantendo a cabeça baixa.
Não posso dar a você.
Você deve.
Sua voz permaneceu gentil, mas insistente.
Diná ergueu os olhos, procurando nos olhos de Jó alguma humanidade.
Como você pode me pedir isso?
Sua voz falhou e ela odiou sua própria fraqueza.
Você sabe o quanto eu valorizo estas ervas?
Jó inclinou a cabeça e falou suavemente, como se falasse a uma criança.
Tomei essa decisão para o bem de todos, Diná. Estou pedindo que você deixe de lado seus desejos egoístas e pense nos outros.
As palavras de Jó a atingiram como uma lança.
Ele achava que ela era egoísta?
Talvez estivesse certo.
Afinal de contas, aquele era um homem de honra, o maior homem do Oriente.
Quem era ela para questionar Jó?
Ela não era nada.
Ela caminhou em direção às bolsas de couro contendo seus tesouros de ervas. Algo dentro de si gritou contra aquelas exigências.
Não! ela gritou.
Sabba Isaque deu para mim, e vou compartilhar quando e com quem eu quiser.
Ela caminhou na direção dele, e ele deu um passo para trás.
Por que as pessoas pensam que podem simplesmente pegar o que é meu? Não! Não desta vez, Jó.
Diná se preparou.
Ele iria bater nela?
Não era isso que os homens faziam com as mulheres que falavam de maneira desrespeitosa?
O ambiente estava completamente silencioso, exceto pelos gemidos suaves de Nogahla e pela respiração pesada de Diná.
Finalmente, Jó sorriu.
Você podia ter defendido o perdão divino com a mesma intensidade que defende suas ervas.
Diná só conseguiu piscar, permitindo que as palavras penetrassem sua raiva.
Tão certo quanto sabba Isaque lhe deu estes medicamentos, El Elyon curou sua alma com o sangue do cordeiro.
Mas quando Zofar tentou anular o seu perdão, você desistiu de lutar.
Diná olhou para ele, sem fôlego.
Ela não tinha palavras.
E os olhos de Jó eram quentes.
Ele pegou a mão dela.
Você é uma mulher forte e bonita, Diná.
Temos uma jornada difícil pela frente.
Ambas as montanhas por onde iremos passar e as pessoas com quem cruzaremos podem ser perigosas e implacáveis.
Ele deu um aperto quase imperceptível em sua mão.
Mas nem as montanhas nem as pessoas podem roubar de você o perdão que Deus concedeu. A menos que você permita.
Ele parou e se virou para sair da tenda dela: Vou pedir que um dos servos desmonte sua tenda.
Certifique-se de não estar dentro dela!
Sua risada ecoou.
Diná ficou como uma estátua.
O calor de seu toque ainda formigava em sua mão.
Senhora.
Senhora, Nogahla deu um sussurro abafado.
Mesmo uma jovem serva percebeu que o momento era sagrado demais para falar de maneira informal.
Diná sorriu e permaneceu em silêncio, saboreando o momento.
Senhora, precisamos nos apressar.
Diná se sentia num sonho em que um bom homem continuou a se provar fiel à sua palavra e ao seu Deus.
Sítis olhou para o céu noturno de seu quarto enquanto pensava em Jó.
Ele estaria contando a mesma miríade de estrelas, olhando para a mesma lua?
Ela enrolou o roupão de lã no pescoço e se inclinou sobre o parapeito para ver a casa de seus filhos um pouco além do desfiladeiro.
Nove deles viviam na própria casa. Oito casados e um tão livre quanto um boi selvagem.
Uzahmah, a caçula, dormia confortavelmente em seu quarto no final do corredor, mas estava ansiosa para se casar com Eliú, o pupilo de Jó.
Sítis apertou a ponte do nariz e soltou um suspiro.
Sua filha mais nova sempre fora impetuosa - como sua mãe.
Quando a caravana de Jó deixou os portões da cidade uma lua cheia atrás, ele prometera a Uzahmah que o noivado começaria assim que voltasse.
Um sorriso vincou o rosto de Sítis.
Ela fez exatamente o que eu teria feito.
Uzahmah interpretou a palavra de seu pai como permissão para preparar o banquete de noivado.
A menina insistiu que Sítis enviasse batedores e mensageiros para saber exatamente quando seria a chegada de Eliú.
Se eles estivessem certos, Eliú chegaria ao mesmo tempo que a caravana dos caldeus do norte.
Jó entraria pelos portões da cidade pelo sul.
Sítis colocou os cotovelos no parapeito, imaginando se ceder aos caprichos da filha traria algum problema para seu casamento.
Jó ficaria zangado por ela ter planejado o banquete e feito todos os preparativos sem falar com ele?
Seria apenas mais uma discussão para aumentar a distância entre eles?
Ela se abaixou e derramou a pequena taça de azeite sobre a cabeça de suas três deusas ismaelitas.
Após um ano de noivado, Uzahmah teria sua própria casa para administrar, e Sítis ficaria sozinha com Jó no palacete.
Sobre o que eles conversariam?
Eles não conseguiam mais trocar palavras sem discutir.
Ela inalou o ar fresco da noite e estremeceu um pouco.
As emoções estavam ficando mais difíceis de controlar.
Senhoras da vida, ouçam minha oração, disse ela, ungindo cada imagem com óleo.
Que em breve eu possa ouvir os gritos de felicidade dos netos em minha casa.
Al-Uzza, a deusa onipotente coberta por uma dúzia de seios, estava imponente no centro da mesa de marfim.
A dourada Al-Lat à sua direita, montada num camelo. Seu colar de estrela brilhava com óleo.
A santa mãe, Manat, à esquerda, tornou-se a favorita de Sítis nos últimos anos.
O ídolo sem cabeça estava sentado. Suas pernas se estendiam até as coxas - um colo de ouro à espera dos netos.
Seus braços estavam cruzados, segurando os seios nus como um altar. Especiarias picantes testemunhavam sua força.
Por que vocês ainda não abençoaram minha casa com netos? ela perguntou às deusas.
Minhas ofertas ajudaram a reconstruir o templo na Caldéia depois que Jó e seus homens o destruíram.
O que mais vocês querem de mim?
Nuvens encobriam a lua, tornando o silêncio dos ídolos ainda mais sombrio.
Os deuses nunca respondem, ela pensou, endireitando-se novamente na varanda.
Olhando para a noite negra, ela se lembrou de quando acreditou que Senhor criou todas as coisas.
Não faz muito tempo, ela sussurrou.
Em outra vida.
Ela era filha de Sua, filho de Abraão e sua concubina, Quetura.
Ismael tomou Quetura após a morte de Abraão e adotou Sua, tornando Sítis e seu irmão Bildade netos de Abraão e Ismael.
O irmão de Sítis tinha sido o representante de Ismael na Casa de Sem.
Ele exigiu que Sítis adorasse o Senhor, mesmo depois que seus pais morreram.
Ela era uma princesa entre servos.
Bildade havia arranjado seu casamento com Jó. Jó manteve sua exigência d devoção ao Senhor, mesmo após os sucessivos abortos.
Ela era uma mãe com seios cheios e braços vazios.
Criador de tudo.
Ela deu uma risada sarcástica.
Acho que não.
O ar fresco da noite levantou seu cabelo.
Ela deixou o roupão cair sobre os ombros.
Sua varanda do terceiro andar estava cravada nos penhascos vermelhos de um desfiladeiro no segundo setor de Uz.
Só outra casa compartilhava a paisagem - a de Sayyid.
Era um palacete menor do outro lado do cânion, esculpido nos penhascos.
Era tarde. Ninguém poderia vê-la.
As lâmpadas da casa de Sayyid estavam apagadas há muito tempo, e o silêncio daquela noite seria sua última chance de liberdade até a próxima viagem de Jó.
Ela deixou a túnica cair no chão, o vento gelado percorrendo seu corpo, fazendo-a sentir-se viva.
Jó estaria de volta amanhã com sua mortalha de expectativas.
Sítis voltaria a escolher suas palavras com cuidado e falaria educadamente, evitando o olhar do marido.
Ela suportava a solidão porque amava seu lar, seus filhos e sua condição de esposa de Jó - o maior homem do Oriente.
Ela olhou para o brilho das deusas douradas ao luar.
As guardaria em segurança para que Jó nunca suspeitasse da presença delas em sua casa.
Ela olhou para as varandas e janelas escuras de Sayyid.
Jó suspeitaria que Sayyid estivera em sua casa?
Eles não se veriam mais até a próxima viagem de Jó, ou num encontro fortuito na cidade.
Lágrimas brotaram espontaneamente.
Por que tenho que escolher entre meu marido e minha melhor amigo? ela sussurrou para a noite.
Ela sabia a resposta.
Jó culpava Sayyid por sua recusa em adorar El Shaddai.
Quando descobriu que Sayyid entregava as ofertas de Sítis para o templo caldeu Jó ordenou que o templo fosse destruído e Sayyid banido para sempre de sua casa.
Mas você não pode bani-lo do meu coração.
Ela se apoiou no parapeito e deixou as lágrimas fluírem livremente.
Por que Jó não conseguia entender que Sayyid era como um irmão?
Mais próximo que o próprio irmão que partiu seu coração.
Sayyid ouvia, realmente ouvia, quando ela estava com medo ou sofrendo.
Ela se ajoelhou para pegar seu manto e deu um beijo em cada uma das deusas.
Com cuidado e reverência, ela embrulhou cada imagem em lã e colocou no cubo de pedra sagrado.
Ela deslizou a tampa para o lugar e se levantou, puxando o manto de lã quente ao redor do corpo.
Todos estamos envolvidos em algum tipo de mortalha, ela sussurrou, pensando nas imagens douradas em sua casa de lã.
Olhou para as falésias orientais de Sayyid, sombrias, mas cheias da presença dele.
Talvez um dia eu saia de minha tumba e adore, fale e viva livremente.
Erguendo o cubo sagrado, ela se virou para seu quarto.
Até lá, tenho uma filha linda para cuidar e um banquete de noivado para preparar.
Depois de trocar os animais por mercadorias em Elate, a caravana viajou mais rapidamente.
Ainda assim, os camelos sobrecarregados e os poucos burros de carga implicavam em paradas freqentes para tomar a água enquanto subiam a altitudes mais elevadas.
Embora a seca tivesse diminuído o fluxo das nascentes das montanhas, o guia era hábil em encontrar todas as fontes disponíveis.
Quanto maior a altitude menor a temperatura, e os dentes de Diná batiam com o balanço de seu camelo.
Seu manto de lã logo não seria suficiente para os ventos frios.
Ela visualizou uma floresta de árvores e arbustos cobrindo um platô e orou para tivesse água ali.
Procurando pelo burro de Nogahla no fim da caravana e viu a garota tremendo, saltando no topo de seu pequeno animal de carga ao longo da estrada.
Parece um bom lugar para descansar,
Jó gritou para o guia.
Se houver água, vamos parar.
Diná suspirou de alívio e notou o sorriso de Jó.
Ele notou seu desconforto?
Mestre Jó, Uz está na curva do platô seguinte. Por que parar agora?
O guia se virou e encarou o olhar de Diná.
Ela tentou parar de tremer, mas não conseguiu.
O homem não escondeu sua frustração. Ao chegar à floresta e à fonte borbulhante, freou seu camelo até parar.
Quando Diná parou o camelo cansado, Jó estava esperando com cobertores nas mãos.
Um pouco mais frio do que você esperaria, não é?
O camelo rabugento de Diná cuspiu e protestou.
Conversando gentilmente com o animal, ela deu um tapinha no pescoço e se libertou do trono de quatro patas.
Jó riu.
Parece que você gosta mais de viajar do que minha esposa e filhas.
Ele colocou um cobertor nos ombros dela e caminhou em direção ao burro de Nogahla com outro cobertor.
Sítis odeia o cheiro de camelo, disse ele por cima do ombro . Nossas filhas pensam que 'dormir sob as estrelas' significa uma tenda, três camadas de lã e um monte de servas servindo com plumas de avestruz.
Diná estava logo atrás de Jó quando Nogahla quase caiu do burro.
Sss-senhora, estou com frio!
A risada de Jó ecoou nas montanhas.
Ele enrolou o cobertor nos ombros da garota, e ela se aninhou no calor.
Obrigada.
Diná estava impressionada com a consideração.
Jó acenou, afastando a gratidão dela como se fosse desnecessária.
Enquanto apontava para uma fogueira quando Diná viu dois dedos tocando o ombro de Jó.
Não podemos perder tempo aqui.
Se quisermos chegar a Uz antes do pôr do sol, teremos que partir em uma hora.
O guia se afastou, deixando Jó boquiaberto.
Diná se maravilhou que um servo falasse com seu mestre com tanto desrespeito.
Ele está tramando algo, Mestre Jó. Ele não é bom.
Nogahla falou sem rodeios, como se alguém pudesse ter visto a verdade.
Ele tem um comportamento estranho desde que saímos de Elate.
Diná ficou perturbada com a sinceridade de Nogahla.
Nogahla, Mestre Jó escolheu seu guia com muito cuidado, e confia nele.
Ela esperou um sinal de confiança enquanto observava a expressão de Jó.
Ninguém veio.
O homem foi altamente recomendado por meu mordomo, Atif.
Jó olhou para o guia que gritava ordens para os condutores de camelos.
Atif e eu temos uma longa história de divergências.
Não vou aceitar mais o conselho dele sobre esse assunto.
Jó encerrou o assunto sorrindo e estendendo a mão em direção às chamas.
Por que não sentamos perto da fogueira para que vocês possam se aquecer?
Diná e Nogahla caminharam ao lado dele.
Me conte sobre o resto de nossa jornada para Uz?
Diná perguntou.
Ela e Jó falaram pouco nos últimos três dias de viagem.
Eles compraram presentes e ervas em Elate e conversaram amenidades após as orações da noite.
Mas Diná queria que Jó desse alguma informação sobre Ennon durante a viagem.
Ele estava estranhamente silencioso.
Ela lutava contra a preocupação e perdia a guerra.
Vamos viajar pela estrada do topo, Jó apontou para uma divisão estreita, contornando o lado oriental dos penhascos. Devemos chegar ao pôr do sol.
Ele cutucou o esterco em chamas com um graveto.
Você quer perguntar o que realmente está pensando?
As bochechas de Diná esquentaram de repente, e não foi por causa da fogueira.
Este homem lia a mente de todos ou apenas a dela?
Ela começaria com algo simples.
Qual a idade de seu filho?
Seu coração batia forte.
Ela temia essa resposta ha dias.
Ennon tem trinta e nove anos.
Oh! Ainda é uma criança!
Diná desacelerou sua respiração.
Como um homem com quase a idade dela podia olhar para ela com amor?
Ela era uma velha cabra comparada às noivas jovens com quem ele poderia ter se casado.
Não, espere.
Um pensamento lhe ocorreu pela primeira vez.
Diná se virou, mas Jó continuou a examinar as chamas.
Você disse a Zofar que prometeu se casar com apenas uma mulher.
Ela fez uma pausa.
Seus filhos fizeram uma promessa semelhante ou Ennon já é casado?
Jó permaneceu em silêncio.
Sua expressão perdeu os sinais de alegria, e seu coração afundou com palavras não ditas.
Pelo menos ele é um homem honrado, como seu abba? ela perguntou.
Você será a segunda esposa de Ennon, Diná, mas acredito que ganhará o coração dele, Jó disse.
Meu filho não é cruel.
Mas ele não é honrado, disse ela num tom de derrota.
Ennon ainda está encontrando seu lugar no mundo.
Jó quase se desculpou.
Ele é respeitado entre seus pares.
Mais silêncio.
Eles continuaram olhando para o fogo.
Temo que seus colegas tenham um padrão muito baixo.
Diná virou-se lentamente para Jó, incrédula.
Por que você me diria isso?
Sou apenas uma mulher. Ele é seu filho e em breve será meu marido. Devo honrá-lo e obedecê-lo sem questionar.
Um pequeno sorriso surgiu no canto da boca de Jó.
Digo isso porque vi seu amor e compaixão por sabba Isaque.
Sua agilidade com Zofar.
Você não é apenas uma mulher, Diná. Duvido que consiga obedecer sem questionar.
Ele riu e se virou para encontrar o olhar dela.
Ennon não tem filhos. Talvez um filho fortaleça sua fé. O amor de uma mulher como você pode ensinar que uma mulher digna merece um homem honrado.
Diná sentiu o rosto corar. Como Jó estava disposto a falar francamente, não haveria momento melhor para fazer perguntas do que agora.
E quanto aos seus outros filhos? Eles têm esposas? Você tem netos?
Tenho sete filhos e três filhas, disse ele.
Seis dos meus filhos são casados. El Shaddai ainda não abençoou minha casa com netos.
Jó começou a explicar, mas Diná interrompeu.
Por que você não me oferece ao seu filho solteiro?
A resposta de Jó veio rapidamente, e ele pareceu inabalável com a ousadia dela.
Meu caçula ainda não tem trinta anos e não está pronto para o casamento.
Os homens do clã de Esaú costumam se casar aos vinte anos. Eu, porém, peço a meus filhos que esperem até os trinta para que eu possa ensiná-los nos caminhos do Altíssimo.
Eles precisam aprender a governar seus corações antes de governar suas famílias.
Ele olhou para ela como se quisesse dizer mais, mas então balançou a cabeça.
Também peço às minhas filhas que se casem mais tarde - aos vinte anos, para que também possam aprender os ensinamentos do Senhor.
Suas filhas aprendem sobre o Altíssimo?
Não sabia que as mulheres tinham permissão para ler as escrituras sagradas.
Diná quase gritou de espanto.
Jó ergueu uma sobrancelha antes de responder.
Não possuo os escritos da aliança.
Pertencem ao seu abba. Mas conheço os ensinamentos de El Elyon de meus dias na Casa de Sem.
Ensino jovens de muitas tribos.
Um dos meus alunos da tribo de Naor, irmão de Abraão, logo se casará com minha filha mais nova.
Uma sombra de tristeza varreu o rosto de Jó.
A fumaça subiu da fogueira e ele acenou para longe.
O Grande Abba Esaú não dá importância ao ensino sobre El Shaddai.
Ele diz que a demora nos casamentos de minha família retardam o crescimento de clã edomita.
Um pouco de malícia surgiu na expressão de Jó.
Ele não se importa com a educação dos meus filhos desde que os outros edomitas se casem jovens e produzam filhos como coelhos do deserto.
Jó riu.
Diná quase mordeu a língua para não amaldiçoar o tio Esaú.
Poderia aprender os caminhos do Altíssimo com suas filhas?
Assim que as palavras saíram de sua boca, ela se perguntou se tinha ido longe demais.
Os olhos de Jó brilharam. Sua expressão era um enigma.
Claro que sim!
Jó gritou, erguendo um punho vitorioso no ar.
Eu gostaria muito disso.
Diná, quando você conhecer os caminhos de El Shaddai, aprenderá o caminho para a esperança e as respostas para suas perguntas.
Uma oportunidade tão maravilhosa já havia sido colocada diante dela?
Dinah poderia viver como segunda esposa de um marido que não era cruel para aprender mais sobre El Shaddai.
Obrigada, Jó.
Seu coração estava tão cheio quanto as cestas que havia comprado em Elate.
Obrigado pelo generoso presente de remédios e especiarias.
Você tem sido muito gentil comigo.
Up-up-up.
Diná olhou ao redor, à procura do pássaro poupa que cantava por ali.
Up-up-up.
Tremulando perto de uma fissura no penhasco, um poupa crista rosa fazia seu ninho.
Jó deve ter seguido seu olhar.
Fomos abençoados com boa sorte na última etapa da nossa jornada.
O franzido na testa de Diná expressou sua pergunta.
Minha mãe dizia que no Egito eles desenham o pássaro poupa nas tumbas como símbolo de alegria e afeto.
Nogahla acenou como se tivesse dado a explicação definitiva sobre o assunto.
Jó e Diná trocaram sorrisos antes de Jó oferecer outra versão.
Zofar diz que os comerciantes do Oriente acham que o passarinho traz boa sorte.
Diná virou-se para observar a pequena criatura, cujo vôo parecia mais uma mariposa que um pássaro.
Ouvi você e sabba Isaque dizerem que El Shaddai considera a poupa impura.
Ela examinou os traços do homem que se tornaria seu sogro.
Um homem honesto que conhecia os ensinamentos do Senhor.
Como algo impuro pode trazer alegria ou sorte?
Ela olhou para as brasas e recuperou o controle.
Como algo impuro pode ganhar a afeição de alguém?
Jó falou em voz baixa, sem hesitação.
El Elyon tornou certos atos e animais impuros para proteger Seu povo.
Fomos criados à imagem de nosso Criador e não somos irremediavelmente impuros.
Ele fez uma pausa.
Após um silêncio prolongado, ela olhou para cima e o encarou.
O Senhor te ama mais do que o pássaro poupa, Diná.
Uma forte rajada de vento espalhou poeira ao redor deles, e ela cobriu o rosto.
Mestre Jó! o guia gritou.
Temos que partir agora! Vem uma tempestade aí!
Jó estava desconfiado.
Ele se perguntou por que o guia estava com tanta pressa em chegar a Uz.
A estranha tempestade trovejou.
Vento e relâmpagos, mas sem chuva.
Precisamos ir, ele disse a Diná.
A tempestade está chegando rápido.
Jó passou a mão no rosto.
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shmagh |
As mulheres correram para os animais, e Jó jogou poeira nas brasas.
Seu coração galopava como os cavalos sabeus de Zofar.
Era a tempestade ou a preocupação com o guia?
Jó correu em direção aos camelos e ajudou Diná a subir.
Nogahla vai comigo, disse ela, oferecendo à serva um apoio firme enquanto subia no animal.
A vista do meu camelo é muito melhor.
Diná gritou instruções a um dos servos para amarrar o burro de Nogahla ao seu camelo.
Jó sorriu e ficou maravilhado com sua nora.
Que outra senhora teria tanta consideração por sua serva?
Ele viu o medo no rosto de Nogahla quando a tempestade começou, mas nunca teria sonhado que sua senhora dividiria sua sela com ela.
Vocês cabem na mesma sela? ele gritou, caminhando em direção ao seu próprio camelo.
Diná fingiu estar ofendida, erguendo a voz acima da tempestade.
Mestre Jó, você está dizendo que Nogahla e eu temos comido muitas tâmaras?
Seus olhos cintilavam pela fresta do tecido.
Sim, Senhora Diná. Você e sua garota são gordas como bois. Jó disse enquanto subia em seu próprio animal, esquivando-se de uma pulseira que Diná atirou nele.
Foi levada pelo vento.
Oh!
Oh! Diná rosnou, e a serva soltou um suspiro.
Diná se abaixou para sussurrar algo para a garota.
O guia estava acenava para seguir em frente, e dessa vez Jó concordou - eles deveriam se apressar.
Um pensamento cruzou sua mente e perfurou seu coração.
Sítis o receberia em paz ou eles retomariam a discussão sobre Sayyid?
Como Ennon receberia Diná?
Ele seria capaz de vê-la além dos rumores?
O céu era riscado por raios.
Os servos tentaram manter as tochas acesas, mas o vento apagavaas chamas antes que o fogo pudesse acender.
Não podemos esperar! o guia gritou.
Jó assentiu e acenou para a caravana.
O último trecho da viagem seria percorrido sob o céu escuro ao longo da estrada da escarpa.
Os viajantes enrolavam a face para se proteger da areia. Sua orientação se baseava exclusivamente nos instintos dos camelos.
El Shaddai, ajude-nos.
Numa estrada que podia ser ocupada por três camelos lado a lado, a escuridão forçou a caravana a andar em fila.
Jó seguia o guia de perto, Diná e Nogahla no terceiro camelo, com o resto da caravana o mais próximo possível.
O mestre manteve um olhar atento sobre Diná e Nogahla.
As mulheres sincronizaram seu movimento sobre o camelo, envoltas em um cobertor para se proteger do vento frio e da poeira abrasadora.
Sem chuva, apenas vento e relâmpagos.
Era mesmo tempestade estranha.
Quando a caravana finalmente chegou aos portões de Uz, Jó sentiu pavor.
O mercado estava vazio, as bancas de comércio desertas.
A essa hora do dia a cidade geralmente fervilhava.
Nesta noite, porém, o planalto em que se situava o primeiro setor da cidade parecia um cemitério.
Pequenas pedras rolavam.
![]() |
Siq (do árabe fossa) é um longo desfiladeiro, sinuoso e estreito que forma a entrada da antiga vila de Petra. |
O guia de Jó gritou, conduzindo a caravana em direção ao estreito portal nos altos penhascos vermelhos.
Fila única! Mantenha espaço entre os animais.
O guia gritou, mas não esperou por ninguém.
Ele desapareceu na fenda estreita entre paredes de pedra.
Jó se virou e viu terror nos olhos das mulheres.
Diná começou a balançar a cabeça.
Não!, ela gritou.
Não pode ser Uz!
O restante da caravana chegou ao platô e entrou nos portões da cidade, ansiosos para prosseguir.
O medo de Diná os deteve.
O que são aquelas cavernas esculpidas na parede da montanha? Onde estão as casas?
Ela apontou para as cortinas abanando na entrada dos esconderijos dos mendigos e então avistou as barracas dos mercadores vazias.
Onde estão todos, Jó? Não vou entrar naquele ... naquele ... siq até que você me diga o que está acontecendo. Meu camelo nem vai caber entre aquelas paredes de pedra!
Jó imaginou a primeira impressão de Diná de sua cidade: um mercado deserto, uma tempestade violenta e casas trogloditas na face da montanha.
Ele guiou o camelo em direção a Diná e Nogahla, tentando acalmá-las.
Diná, olhe para mim!
Prometo que seu camelo passará pelo portal. Uma nova vida espera por você além desse siq.
Ambas as mulheres acalmavam uma a outra.
Agora ouça. Há uma descida na medida que entramos no siq. Encoste-se na sela. O camelo conhece bem o caminho. Feche os olhos se estiver assustada.
A garota assentiu prontamente, mas Diná não queria confiar.
Diná, Jó disse: se não puder confiar em mim, creia que El Shaddai a trouxe aqui para um propósito. Você pode fazer isso?
Diná fez uma pausa.
Jó estava aprendendo que as respostas dela nunca eram impensadas.
Confio em você e em El Shaddai para o que estiver além do siq, disse ela.
Jó também confiava em El Shaddai pelo que estava por vir.
6
Jó 1:13-14
Certo dia, quando os filhos e as filhas de Jó estavam num banquete, comendo e bebendo vinho na casa do irmão mais velho, um mensageiro veio a Jó.
Poeira e detritos fizeram o rosto de Diná arder enquanto o vento do deserto continuava furioso.
Senhora, estou com medo.
Nogahla recostou-se no peito de Diná e ela sentiu todo o corpo da garota tremendo.
O camelo de Jó andou lentamente para dentro do siq, descendo e derrapando no arenito vermelho.
Diná observou enquanto ele seguia o próprio instinto.
O camelo de Diná traçou seu rumo de um lado para o outro e depois começou a descer sem precisar de nenhum cutucão.
Nogahla gritou acima das rajadas de vento.
Senhorita ... nah! Estou... assus...!
Chega de chorar!
Diná parecia corajosa e teve que manter um certo nível de compostura ou dissolver-se num ataque de histeria.
Segurando as rédeas com os dedos, ela fechou os olhos com força, como Jó tinha sugerido.
Ela tentou manter a mente ocupada com alguma coisa.
O medo a dominou ao ver Uz.
Tinha muita experiência como viajante com o acampamento de Abba Jacó por todo tipo de terreno.
Mas aquelas montanhas vermelhas edomitas eram tão imponentes quanto o próprio Esaú. As cavernas misteriosas e o mercado deserto aumentaram o pavor.
Uma voz não dita a advertiu de um perigo invisível.
Bom, Diná! Você quase alcançou o solo.
O grito de Jó deu coragem a Diná para abrir os olhos.
Ela cutucou a costela de Nogahla.
Olhe pra cima!
Os penhascos vermelhos de Edom os cercavam, e abaixo ela podia ver um caminho de cascalho paralelo a um barranco cheio de água.
O ar quente e úmido fundia a terra e a areia em suas escarpas.
A barriga de Diná doía de tanto inclinar-se para trás, mas seu coração ficou mais leve.
Enquanto a estrada se nivelava e alargava, Diná não viu mais cavernas.
Em vez disso, casas esculpidas na encosta da montanha se alinhavam em ambos os lados.
Cada uma ostentava belos pátios e jardins - sim, jardins - com alho-poró, figos e tamareiras.
Sob a proteção das paredes altas do siq, o barulho feroz do vento se transformou em um sussurro.
As chamas das tochas dançavam, iluminando um estilo de vida tão luxuoso quanto os mercadores de Siquém.
Nogahla, você já viu um lugar tão bonito? Olha só!
Sim senhora. Vejo um milagre no deserto.
Nogahla apontou para uma fonte onde o siq se expandia numa planície longa e plana que se estendia ao norte e ao sul entre duas cadeias de montanhas.
Várias tendas formavam uma aldeia sinuosa seguindo o leito seco do rio através da planície.
Pequenos rebanhos e manadas se agitavam nervosamente. As crianças corriam para os braços de suas mães em busca de abrigo.
A caravana andou para sudoeste. O vento e a poeira castigavam os olhos de Diná sem piedade.
Ela nunca quis ser um camelo, mas uma segunda pálpebra teria sido útil enquanto ela observava Uz.
Ao sul ela observou tendas requintadas, agrupados ao redor de fontes de água, erguidas de maneira singular.
As casas tinham paredes de pedra vermelha do tamanho de um homem.
Uma grande cobertura de pele era esticada até o topo de grandes vigas de madeira, unidas às paredes por grandes postes de um côvado de altura.
A estrutura parecia um cubo vermelho, permitindo que a luz do sol e a brisa entrassem por todos os lados.
Jó começou a apontar descontroladamente para uma barraca construída com elegância. Suas pedras vermelhas cortadas e o telhado alto pareciam um soldado na tempestade.
Ennon! Ennon! ele gritou.
O coração de Diná quase pulou do peito quando percebeu que Jó estava apontando para sua casa nova.
Seu guia deu uma guinada para o sul entrando em um desfiladeiro particular cercado por penhascos majestosos e fachadas escavadas na rocha.
Os condutores de camelos e servos correram adiante e logo os animais pararam.
Senhora, todo o penhasco ocidental é um palácio!
O pescoço de Nogahla se esticou até o limite, tentando medir a altura da impressionante fortaleza de quatro andares de Jó.
Venham, senhoras!
Jó já tinha descido de seu camelo e cutucou o camelo de Diná.
Depois que a tempestade passar faremos um tour completo.
Um raio de luz cortou o céu escuro.
Chegamos bem a tempo, disse ele, guiando Diná e Nogahla em direção a um pátio coberto.
Um velho mordomo ismaelita deu boas-vindas a Jó do lado de fora de uma porta de madeira ornamentada.
Saudações, Mestre Jó, disse ele, graças a Al-Uz... - somos gratos por ter chegado em segurança.
Diná percebeu a raiva de Jó com a quase menção que o mordomo ismaelita fez a seu deus.
Ela se perguntou se isso fazia parte da longa história de divergências de Jó com seu mordomo.
Você trouxe mais servos do Senhor para ajudar os pobres.
O mordomo olhou para Diná, e ela olhou para suas roupas cobertas de poeira da tribo de Jacó.
Por que ele achou imediatamente que ela e Nogahla eram servas?
Outro olhar reprovador de Jó, e Diná percebeu que o veneno do mordomo tinha pouco a ver com ela e tudo a ver com seu Deus.
Não, Atif,
Jó disse calmamente.
Trouxe uma nova esposa pra casa.
Ele fez uma pausa numa batalha silenciosa com seu mordomo ismaelita.
Atif engoliu seco e pareceu engolir sua arrogância.
Por algum motivo, a ameaça de uma segunda esposa jogou água fria no fogo do velho mordomo.
Uma esposa para Ennon,
Jó acrescentou, depois de lembrar o mordomo quem era mestre.
Diná reprimiu um sorriso e pegou a mão de Nogahla.
Embora as montanhas de Edom fossem estranhas e novas, as tensões podiam ser delicadas, mesmo aqui.
Por que um servo se importaria que seu mestre tomasse uma segunda esposa?
Por que Jó permitia tamanha insolência de um mordomo pagão?
Ela apertou a mão de Nogahla.
Obrigado, El Shaddai, pela determinação de minha amiga cuxita em ficar comigo.
Jó entrou pela porta da frente e Atif se moveu com ele como uma dança, bloqueando o caminho.
Captando o olhar de Atif, Jó estendeu a mão para Diná e disse: Venha, querida. Quero que você conheça minha esposa.
O ismaelita olhou feio para Jó, mas recuou, permitindo que Diná e Nogahla o seguissem por um corredor luxuoso.
A boca de Diná ficou subitamente tão seca quanto o deserto.
A esposa de Jó seria o primeiro membro da família que ela enfrentaria.
Sua sogra conhecia as fofocas sobre ela?
Jó revelaria seus segredos?
O corredor fez uma curva e Nogahla engasgou.
Senhora, olhe!
Diná lembrou-se da advertência de Ima Raquel não demonstrarem encanto diante da riqueza.
Mas Ima Raquel não tinha visto a casa de Jó.
Lâmpadas de bronze em nichos de parede exibiam luz cintilante em fios de ouro nas tapeçarias pelo caminho.
Os tapetes de lã de Abba Jacó silenciavam seus passos, e o banco de arenito que corria ao longo do corredor estava incrustado de pedras preciosas.
Aquele corredor era uma coisa viva - uma terra de sonhos na qual Diná flutuava.
De repente, abruptamente, o sonho terminou em uma grande sala de jantar quadrada.
Trinta ou quarenta mesas de alvenaria estavam vazias e duas pessoas incrivelmente elegantes estavam sozinhas.
Jó cambaleou como se tivesse sido atingido em batalha.
Diná viu o homem e a mulher surpresos.
Jó piscou duas, três vezes.
Sayyid estava tocando o rosto de Sítis?
Os dois se separaram e Jó examinou a expressão de sua esposa.
Era culpa?
Jó, você está em casa!
Sítis correu pela sala com os braços estendidos e os olhos cheios de lágrimas.
Estava preocupada com sua viagem nesta tempestade.
Sayyid zombou e observou Sítis - seus passos, movimentos, as curvas - enquanto se aproximava do marido.
Jó não disse nada, tentando se lembrar de respirar.
A esposa diminuiu a velocidade ao notar o silêncio de Jó.
Ela ficou estatelada quando viu Diná.
Jó, quem é esta mulher e sua pequena serva cuxita?
Sua voz era estridente e acusadora.
Jó olhou para sua esposa exigente.
Falaremos sobre isso quando o comerciante de pães sair.
Suas palavras escaparam entre os dentes.
Poças profundas se formaram nos olhos de Sítis.
Sayyid veio me avisar sobre a tempestade, como ela poderia atrasar...
Jó se aproximou tentando, sem sucesso, manter o veneno longe de sua voz.
Quando você vai vê-lo, Sitis? Ver quem ele é de verdade?
Sem esperar resposta, ele contornou a esposa e se dirigiu ao adversário.
Sayyid, pensei que tivesse sido claro. Não quero você em minha casa. Nem quando estiver presente nem quando estiver ausente.
Jó deu um passo e ergueu a mão, indicando a porta para Sayyid.
Vou me certificar que todos os meus servos saibam disso.
Jó se virou e olhou para Atif, que observava das sombras.
O velho administrador abaixou a cabeça.
Jó voltou sua atenção para o comerciante arrogante.
Você não é bem-vindo em parte alguma da minha propriedade ou nas propriedades dos meus filhos, Sayyid. Retire-se já.
Jó se curvou esperando uma resposta.
Sayyid não se mexeu.
Todos os ossos, músculos e tendões do corpo de Jó exigiam vingança.
Aquele homem levou sua esposa para a idolatria, instigou a ganância em seus filhos e minou sua autoridade como ancião da cidade.
Por favor, El Shaddai, deixe-me derramar o sangue desse homem.
Mas os anos que passou estudando lembraram a Jó que a vingança era apenas do Senhor.
Jó não usaria as habilidades de Esaú para infligir danos a outro ser humano.
Atif!
Jó gritou assustou todos na sala - exceto Sayyid.
A mão do homem escorregou para sua cintura, onde Jó viu o brilho de uma adaga.
As palavras do mordomo acabaram com a tensão.
Sim, mestre Jó?
Você deve acompanhar Sayyid para fora da minha casa pela última vez.
Jó encarou Atif.
Você entendeu?
Antes que o mordomo pudesse responder, Sayyid passou por ele.
Atif curvou-se e disse baixinho: Se me der licença, vou me certificar de que o Mestre Sayyid encontre a saída.
Jó, não é o que você pensa.
Sítis agarrou a túnica de Jó, sua voz tremendo.
Sayyid veio me avisar...
Jó colocou um dedo nos lábios de Sítis e a abraçou.
Diná e Nogahla estavam de pé perto da parede.
A primeira impressão tinha sido tudo, menos adequada.
Jó também estava tremendo.
Ele estava esmagado pela raiva e pelo desejo de levar a esposa para um lugar seguro.
Ele puxou Sítis para longe e beijou as lágrimas de seu rosto.
Gostaria de apresentá-la à sua nova nora e sua serva.
Sítis se endireitou e enxugou o rosto.
Compreensivelmente envergonhada, ela se aproximou de Diná e se apresentou.
Ela se comportava como uma princesa.
Por favor, perdoe-me por esse mal-entendido, disse Sítis.
Gostaria de recebê-la de maneira mais apropriada.
Por favor, não nos julgue apenas pela primeira impressão.
Jó estendeu a mão, convidando Diná a se juntar a ele e sua esposa.
Diná sabe que nem tudo é como parece à primeira vista, Sítis.
Diná ofereceu um aceno gracioso.
Seu nome é Diná,
Sítis estudou sua nova nora à luz das lâmpadas.
Esse não é o nome daquela sobrinha do Gande-Abba Esaú, que...
Sim, meu amor,
Jó interrompeu antes que Sítis fizesse comentários sobre a reputação de Diná.
Ele ergueu uma sobrancelha pedindo discrição à esposa.
Esta é a filha do tio Jacó, Diná.
Choque. Acusação. Perguntas.
O olhar de Sítis demonstrava tudo isto ao reconhecer o nome de Diná.
Zofar a conhecia de vista, mas o resto da família de Jó a identificaria apenas pelo nome e pelos rumores.
Diná parecia aflita, mas se curvou novamente, escondendo seu desconforto.
É uma grande honra conhecê-la, senhora.
Erguendo o olhar, ela parecia um prisioneiro aguardando um veredicto.
A expressão de Sítis suavizou e ela agarrou as mãos de Diná.
Qual dos meus filhos terá a bênção de chamá-la de esposa?
Jó assistiu as expressões doloridas de Diná relaxarem sob as palavras aprovadoras de Sítis. Seriam sinceras?
Antes que pudesse decifrar as intenções de Sítis mais, ele ouviu o barulho de passos no corredor.
Sayyid havia voltado em busca de vingança?
Com a atenção fixa na entrada, Jó alcançou a adaga amarrada à panturrilha.
Estou aqui, Ima Sítis!
A estrutura alta e fina de Eliú entrou pela sala, quase derrubando Nogahla no chão.
Desculpe, quem é você?
Ele parou abruptamente. Sua boca aberta, os olhos tão grandes quanto uma avestruz.
Abba Jó! Você está em casa.
Seu olhar disparou na direção de Diná, seu rosto queimando.
Não sabia que você estava entretendo mulheres - mulher - quer dizer ... convidados.
Jó riu.
Embora Eliú se equiparasse a qualquer homem na memorização de textos sagrados, quando se tratava de habilidades sociais, ele era tão confuso aos trinta quanto aos doze anos.
Elihu, meu aluno favorito!
O que você faz aqui?
Achei que estivesse estudando com o tio Elifaz em Teman.
Eliú se preparou para responder, mas Sítis interrompeu.
Jó, é a primavera do vigésimo ano de Uzahmah. Você prometeu que o noivado de Eliú começaria após seu retorno, lembra?
O lado esquerdo de sua boca se contraiu, como sempre acontecia quando ela estava nervosa.
Ela correu para segurar a mão de Eliú, levando-o a Jó.
Sente-se, Eliú. Jó acabou de chegar e não tive tempo de contar a ele sobre o banquete de noivado. As crianças estão comemorando na casa de Ennon.
Diná foi capturada pela menção de seu futuro marido.
Sítis contou o resto da história como se estivesse soltando a alça quente de uma panela.
Enviei Nada para dizer às crianças que nos juntaríamos a eles assim que vocês chegassem.
Agora? Você quer que participemos de um banquete de noivado agora?
Jó percebeu o tom de censura, mas não conseguiu contê-la.
Jó esperava uma resposta enquanto todos na sala permaneceram como estátuas.
As portas do pátio bateram de uma vez. Um vento furioso e raios invadiram seu mundo silencioso.
Foi quando eles ouviram.
Um uivo torturado e agudo se aproximou.
Todos se voltaram para a entrada do pátio.
Nãooo!
Um pastor entrou pela porta, o vento batia as tábuas de carvalho contra as paredes de arenito.
Ele tinha o manto rasgado e manchado de sangue. O chefe dos pastores de Jó correu pela sala de jantar e caiu a seus pés.
Mestre Jó, estão todos mortos!
Ele sacudia de tanto chorar.
Jó sinalizou a Eliú para reunir as mulheres. Se abaixou e ergueu o pastor ensanguentado.
Shobal, você está ferido? Este sangue é seu.
Não, Mestre Jó.
Me escondi em um wadi quando os sabeus atacaram.
Levaram todos os seus bois e os burros que estavam pastando nas proximidades.
Mataram todos os servos à espada.
Assim que os sabeus se afastaram, tentei ajudar os outros servos.
Mas fui o único que escapou vivo para lhe contar!
A mente de Jó vacilou.
Havia quase setecentos servos cuidando de suas quinhentas juntas de bois e quinhentos jumentos.
Como todos eles poderiam estar mortos?
Shobal, você tem certeza...
O coração de Jó saltou.
Ele não conseguia engolir.
Não pode ser.
Você disse sabeus? Em cavalos?
Jó olhou para cima e viu a expressão horrorizada de Diná.
Eles fizeram a conexão com os cavaleiros sabeus que acompanhavam Zofar em Elate e o ataque sabeu.
Jó se sentiu apunhalado como uma flecha de bronze.
Ele sacudiu o pastor ensanguentado.
Shobal, algum prisioneiro os acompanhava? Você viu uma caravana à distância?
Sua discussão Zofar se repetiu em sua mente.
Antes que o pastor pudesse responder, outra voz soou ao longe e um segundo servo tropeçou na entrada do pátio.
Era Lotan, o pastor de Jó que desabou ao lado de seu amigo Shobal.
Suas roupas estavam chamuscadas, seu rosto, braços e mãos cheios de queimaduras.
Mestre Jó, um raio! Foi horrivel.
Jó se abaixou para avaliar as feridas.
Lotan, o que aconteceu com você?
Ele observou a pele queimada nas mãos do homem e chamou Diná para dar uma olhada.
Ouça, meu amigo. Tem alguém aqui que pode cuidar de suas feridas.
Não, Mestre Jó. Os rebanhos, os servos.
Ele engoliu seco, delirando, desorientado.
Jó ergueu o olhar para Sítis, seus olhos negros arregalados de medo, tremendo.
Ela deu um passo para o lado sem olhar.
Ela se sentou com força num banco próximo.
O medo estrangulava todos na sala.
Jó falou um sussurro.
Como estão os rebanhos e os servos, Lotan?
O rosto do homem se torceu em uma máscara de agonia.
O fogo de Deus caiu do céu, Mestre Jó. Queimou todas as ovelhas e todos os servos que cuidavam delas.
As palavras saíram cortadas pelos soluços, mas Jó entendeu a última frase, repetida várias vezes.
Eu sou o único que sobrou ... o único que sobrou.
O pastor agarrou o manto de Jó.
Diná se ajoelhou a alguns passos de distância, percebendo que Lotan precisava mais de compaixão que de remédio.
Estou feliz que esteja seguro, meu amigo.
Está tudo bem, disse Jó.
Diná se virou. Lágrimas escorriam pelo rosto.
Eliú confortava Sítis como um filho.
O jovem seria um ótimo marido para a filha, mas o que ele poderia oferecer como dote por Uzahmah agora?
Três quartos da riqueza de Jó foram devastados em poucos instantes.
Pior, mais de mil pessoas morreram naquela noite - mães, pais, filhos e filhas.
Como eles enterrariam todos os mortos?
Outro relâmpago brilhou, e Lotan saltou dos braços de Jó, aterrorizado.
No mesmo momento, gritos de gelar o sangue ecoaram de fora do pátio.
Jó percebeu o olhar dos homens na sala, e todos perceberam que algum tipo de ataque estava em andamento.
Eliú, pegue as armas!
Shobal, você consegue lutar?
Sim, mestre Jó!
O pastor correu para bloquear o portão do pátio.
Lotan, você fica aqui com...
As instruções de Jó foram interrompidas pelo grito de Sítis.
Ele viu Atif tropeçar e cair no corredor, com as mãos na barriga e o sangue nas mãos.
Atif, meu caro Atif.
Sítis ficou de pé e ao lado de seu servo.
Eliú pegou Atif nos braços e o arrastou em direção a uma mesa.
Jó, Shobal e Lotan ajudaram Eliú a colocar o velho em uma mesa, enquanto Nogahla pegava o keffiyeh de Atif do chão.
Eles viram a ferida do mordomo e ficaram paralisados de medo.
Diná agarrou o keffiyeh preto e branco de Nogahla e pressionou contra o ferimento.
Segure bem aqui para ajudar a parar o sangramento.
Atif gemeu e Sítis empurrou Diná.
Pare! Você está machucando.
Ela ficou ao lado do velho.
Está tudo bem, Atif. Você vai ficar bem.
Jó assistiu Diná se afastar mas ele não tinha tempo para cuidar dos sentimentos da garota.
Ele podia ouvir o som de batalha do lado de fora de suas portas.
Atif, quem fez isso? ele disse, sem saber se o seu mordomo entendeu a pergunta.
Atif, você pode me ouvir?
Mestre Jó...
Sua voz era rouca.
Caldeus, mestre. Três grupos de invasores. Roubaram os camelos. Mataram os servos.
Caldeus?
Eliú engasgou.
Jó olhou para o jovem e Eliú olhou para Sítis.
Quando recebi a mensagem de ima em Teman, me juntei a uma grande caravana de caldeus que me trouxe a Uz. Eles me deixaram aqui apenas alguns momentos atrás. Eles pareciam comerciantes comuns.
Jó observou o horror que surgia nas feições de Eliú.
Como as pessoas com quem caminhei por dias assaltaram e assassinaram seus servos?
Foi o guia, Mestre Jó.
Atif agarrou o manto de Jó.
Os caldeus receberam uma mensagem de seu guia dizendo que você chegaria hoje à noite ao pôr do sol.
O velho encolheu-se de agonia.
Sinto muito, mestre Jó. Você contratou o guia baseado na minha palavra.
Seus olhos se fecharam e ele pareceu desmaiar.
Não! Sítis chorou.
Atif, não me abandone!
Ela enterrou a cabeça no peito dele.
Não tenho pai além de você, nenhum irmão além de você. Por favor, não me abandone.
Seus olhos tremeram e sua mão se moveu fracamente para acariciar o rosto de Sítis.
Ele sussurrou, Você ficará bem, criança. Nada vai cuidar de você.
Voltando-se para Jó, ele parou.
Os camelos se foram, os servos se foram.
Os olhos de Atif ficaram parados enquanto ele soltou o último suspiro.
Atif?
Sítis agarrou-se à túnica.
Atif! Atif!
Jó ofereceu carinho a sua esposa enquanto ela chorava seu amigo e guardião de toda a vida.
Não tenho ninguém além de você e Nada.
Sua dor e solidão era além do suportável.
Não, espere.
Outra voz aguda, o mesmo tom e altura, emanou do corredor curvo.
Nada?
Jó suspirou o nome, identificando a corpulenta serva de Sítis, que surgiu do corredor coberto de poeira vermelha.
O choro de Nada mudou para gritos ao ver o sangue de Atif cobrindo Jó e Sítis.
Minha senhora, você também não! Não posso perder você também!
Ela correu para Sítis, levantou seu queixo e seus braços em busca de ferimentos.
Jó tentou pegar a mulher histérica em seus braços.
Nada, acalme-se. O que aconteceu?
O que você quer dizer?
Não!
Eliú agarrou o braço da serva com tanta força que Jó ficou boquiaberto.
Nada, onde está Uzahmah?
Eliú delirou.
Vi você caminhando para a casa de Ennon quando entrei na cidade.
A velha enterrou o rosto nas mãos, incapaz de falar.
Não. A voz de Sítis era ameaçadora, a cabeça balançava de um lado para o outro.
Nada deixou as mãos caírem em expressão suplicante.
Senhora, eu tentei ajudá-los.
Não! Nada! Não é verdade. Diga-me agora que meus filhos estão bem!
Sítis gritou, tremendo violentamente.
Diga-me que os bebês que você ajudou a nascer estão vivos e bebendo vinho na casa do meu filho mais velho.
De repente, Jó sentiu como se estivesse dentro de um corredor estreito.
Os sons ficaram distantes.
Ele agarrou Sítis.
Aquilo era real ou um pesadelo terrível?
Nada, disse ele, lutando para respirar, diga exatamente o que aconteceu.
Jó sabia quem estava presente na sala, mas não se lembrava mais do motivo de cada um estar ali.
Ele só conseguia ouvir Nada.
Fui à casa de Ennon para contar da chegada de vocês.
Nada engasgou, o resto de suas palavras saíram como um grito.
Então veio o vento. Um forte vento do deserto atingiu os quatro cantos da casa quando eu saí do pátio. As paredes cederam e os tetos das tendas e vigas caíram em cima deles.
Nãooo!
Sítis caiu nos braços de Jó, mas desta vez ele não teve forças para segurá-la.
Os dois caíram no chão, perdidos em agonia.
Sítis continuou a chorar.
Alguém tentou confortá-la, mas Jó não conseguia pensar em Sítis.
Ele tinha que saber mais sobre as crianças.
Jó ficou de pé novamente.
Ele agarrou a cabeça de Nada entre as mãos de modo que podia sentir o cheiro do vinho que ela estava bebendo.
As crianças, Nada,
Jó gritou.
Você os viu? Viu algum dos servos? Alguém conseguiu escapar?
Os braços da velha começaram a se debater.
Não! Ela gritou.
As crianças, os servos... todos. Estão todos mortos... Vi e ouvi enquanto eles pediram ajuda através das rochas vermelhas e vigas quebradas!
Ela gritou os nomes das crianças até que os nós os dedos parassem.
Jó tentou contê-la, mas ela o empurrou com uma força surpreendente.
Ele assistiu impotente enquanto a mandíbula do leviatã mastigava o coração deles.
Eliú saiu correndo da sala, gritando: Uzahmah, não! Uzahmah!
Jó o chamou, mas percebeu que o menino tinha perdido a razão.
Sítis agarrou a roupa de Diná como se a dor fosse areia movediça e Diná a corda da salvação.
Num instante seguinte, apenas, ela repeliu o abraço de Diná e bateu nela com violência.
Diná tentou acalmá-la e contê-la, mas foi em vão.
A mãe inconsolável tomou um punhado dos longos cabelos e arranhou o próprio rosto.
Não, meus filhos não! El Shaddai, Al-Uzza, pelos deuses, meus bebês não!
Venha, esposa, Jó disse com uma calma repentina e inexplicável.
Ele agarrou os ombros de Sítis, segurando-a com ternura, mas com firmeza.
Somente um Deus pode nos ajudar.
Não!
Sítis gritou.
Isto é culpa sua! Você e seu Deus!
Ela se soltou de suas mãos.
Sítis. Pare com isso. Por favor, deixe-me ajudá-la.
Como você me ajudou destruindo o templo caldeu?
As palavras de Sítis cortaram o coração de Jó, e ele se dobrou, apoiando as mãos nos joelhos.
Mas ela não parou - ela não podia parar.
Os caldeus mataram meu Atif e os outros servos. Levaram nossos camelos. Por que você teve que destruir o templo deles? Por que você não permitiu que Sayyid levasse minhas ofertas ao templo de Al-Uzza? A quem você machucou?
A mim!
Jó saltou como uma flecha de um arco.
Você me machucou!
Ele bateu no peito.
Você me enganou e traiu El Shaddai!
Sítis não recuou.
Eles travaram uma batalha silenciosa.
Jó finalmente falou - suavemente, pacientemente.
Não é por acaso que os sabeus e os caldeus atacaram nosso gado no mesmo dia, no mesmo momento, Sítis. E não é por acaso que o fogo do céu queimou nossas ovelhas, e um vento do deserto varreu ...
Seus lábios tremeram.
Levou nossos preciosos cordeiros.
Ele descansou as mãos nos ombros de Sítis. Ela encolheu de ombros, e ele perdeu a paciência.
Sítis, destruí o templo caldeu há nove anos. Por que eles esperaram até hoje para atacar? Você não pode culpar alguém por uma tragédia e El Shaddai pelas outras. Todas as coisas - bênçãos e provações - vêm do Todo-Poderoso.
Sua expressão ficou tão dura quanto pedras de sílex.
Ficarei feliz em amaldiçoar El Shaddai por toda a minha dor, disse ela com uma calma mortal.
E se você se mantiver fiel a El Shaddai, também te amaldiçoarei.
7
Jó 1:20-21
Ao ouvir isso, Jó levantou-se, rasgou o manto e rapou a cabeça.
Então prostrou-se com o rosto em terra, em adoração, e disse: Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor.
Diná olhou horrorizada enquanto as palavras de Sítis ecoavam nas paredes vermelhas ao seu redor.
O silêncio que se seguiu produziu um arrepio em Diná.
Um relâmpago brilhou do lado de fora, e ela estremeceu, imaginando se o fogo do Senhor atingiria a esposa de Jó.
Nogahla agarrou a mão de Diná e olhou para cima.
Diná viu sua própria descrença e tristeza refletidas nos olhos da garota.
Nada, vamos para o meu quarto,
Sitis said flatly.
Não tenho mais nada a dizer a este homem.
Jó se encolheu como se tivesse sido esbofeteado.
Sítis agarrou o braço de Nada e fugiu da sala de jantar.
Ela desapareceu por um corredor paralelo.
Diná imaginou como alguém poderia se reerguer depois de tanta devastação.
Ela queria consolar Jó, dizer algo reconfortante, da mesma forma que ele a ajudou no deserto.
Mas o que ela poderia dizer ou fazer?
Eles tinham laços comuns de família, mas na realidade ela mal conhecia o homem.
Ele olhou na direção dela, mas seus olhos olharam através dela.
Cabisbaixo, chorou amargamente.
Diná se virou, incapaz de suportar a agonia de sua dor.
Em vez disso, ela correu para dar atenção ao pastor Shobal, que havia encontrado um pano e improvisou bandagens para envolver as queimaduras de seu amigo.
Ela puxou levemente a mão de Nogahla, movendo-se na direção dos dois servos.
Shobal deu um sorriso fraco e voltou sua atenção para o amigo.
Sente-se, Lotan, para que possamos tratar suas feridas.
Ele e Nogahla apoiaram o pastor ferido até um banco próximo.
As queimaduras de Lotan não eram tão graves quanto Diná temia. Mas cobriam uma extensão significativa de seu rosto, mãos e braços.
Ela rasgara a última tira de pano quando um grito a sacudiu.
Não, Abba!
Diná se virou enquanto Eliú corria na direção de Jó no momento em que viu Jó levar a adaga à garganta.
Abba Jó, você não pode fazer isto. Você não deve. É contra os ensinamentos.
Jó ficou imóvel sobre os ladrilhos de pedra, olhando para o rosto de Eliú.
Num momento repleto de tensão, a calma anormal de Jó assustou Diná.
Ela sentiu curiosidade ao ver Eliú - alto e magro - atacando o musculoso Jó.
Eliú conteve Jó no chão, ofegante.
Prendeu os braços do mais velho no chão.
A adaga estava esparramada na palma da mão de Jó. O ambiente se retorcia com perguntas não feitas.
Diná caminhou cuidadosamente em direção a eles e arrancou a adaga da mão de Jó.
Eliú encarou e assentiu, satisfeito por ter se juntado aos esforços para proteger Jó.
Quando ela recuou, os dois homens se levantaram.
Nenhum dos dois falou ou olhou para o outro.
Diná procurou o olhar de Jó e devolveu a faca para ele.
Eliú a empurrou.
O que está fazendo?
Ele pegou a arma, mas ela já estava firme na mão de Jó.
Os dois homens mediram um ao outro, professor e aluno.
Eliú, você está enganado.
O silêncio que se seguiu foi torturante.
Diná identificou tristeza, mas não desespero.
Ela continuava a confiar naquele homem - mesmo agora que sua vida estava em ruínas.
Furioso, Eliú se voltou contra ela.
O sangue dele está em suas mãos ... mulher!
Diná finalmente percebeu que aquele jovem nem sabia o nome dela.
Sua raiva não estava voltada para a 'Diná de Siquém', mas para uma mulher sem nome que podia pôr em perigo seu amado abba-professor.
Eliú, eu- Jó se virou abruptamente e caminhou em direção ao mesmo corredor pelo qual Sítis havia desaparecido.
Abba, espere! Eliú e Diná seguiram atrás dele, imaginando o que ele faria com aquela arma.
Nogahla, Shobal e mesmo Lotan se arrastaram até a cozinha e os aposentos dos empregados, e finalmente para o pátio externo.
Jó caminhou até o canto mais distante do pátio.
Passou pela área de serviço onde o lixo era armazenado e se arrastou até uma pilha de cinzas da altura de uma criança pequena.
Caiu de joelhos e se afundou nas cinzas.
A luz das tochas cintilava nas lágrimas de Jó.
Com uma mão, ele rasgou a túnica de alto a baixo e soltou um grito feroz.
A adaga na outra mão voltou para sua garganta.
Por um momento Diná temeu pela vida dele, mas no momento seguinte se maravilhou com a sua vida.
Um movimento para cima e a lâmina de sílex raspou o primeiro pedaço de barba.
Outro movimento, e Diná ficou hipnotizada.
Nogahla, Eliú e os dois pastores se juntaram em reverência enquanto o cabelo de Jó caía nas cinzas.
Ele raspou a barba e a cabeça sem espelho. Cada corte de pele misturava sangue e lágrimas.
Quando finalmente terminou, Jó elevou sua tristeza ao céu em adoração.
Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor.
Naquele depósito de lixo Jó lançou sua torrente de angústia em um sacrifício desesperado de louvor.
Ele havia sofrido todas as tragédias possíveis.
Controlou sua raiva durante o ataque de Sítis.
Mas na presença de El Shaddai, sua emoção se derramou como uma oferta.
Ele balançou e orou, jogando cinzas para o céu, permitindo que o pó fino caísse sobre ele como bálsamo do Senhor.
O barulho de uma adaga sendo desembainhada assustou Diná.
Ela estava tão absorvida pela fidelidade de Jó que não percebeu quando Eliú removeu seu keffiyeh.
Ele se aproximou de Jó e se ajoelhou ao lado de seu professor a abba.
Sem hesitar, Shobal e Lotan o seguiram, e logo os três homens começaram a raspar suas cabeças e barbas.
Nu, saí do ventre da minha mãe,
Eliú começou a raspar a barba desgrenhada e o cabelo castanho.
Os pastores juntaram-se ao refrão, imitando a lição de seu mestre.
Eles também haviam perdido a vida naquela noite.
Perderam amigos e familiares na tragédia daquela casa.
Diná sentiu a garganta apertar de emoção na presença de tal devoção.
Um homem dedicado a seu Deus, aluno e professor, servos e seu mestre.
Seu coração apertou como azeitonas numa prensa.
Eu poderia ser tão dedicada?
Ou reagiria como Sítis - amarga e zangada?
Jó adorava El Shaddai, embora responsabilizasse o Senhor pela devastação.
Ele confiava na perfeição dos caminhos de El Elyon.
Como alguém poderia viver assim - com manha fé e confiança inabalável?
Diná sentiu um leve puxão em seu manto e olhou para os olhos arregalados de Nogahla.
Ela abraçou a garota com tanta força que quase caiu.
Senhora Diná,
Nogahla sussurrou, por favor, precisamos sair daqui.
Diná segurou o rosto da garota em suas mãos.
Nogahla, para onde iremos?
No momento em que as palavras escaparam de seus lábios, a verdade mais profunda sobre a realidade de Diná emergiu.
O brilho nas lágrimas de Nogahla intensificou sua súplica.
Senhora Diná, tenho medo de ir, mas tenho mais medo de ficar.
O medo levou os pensamentos de Diná por um caminho de possibilidades.
O filho de Jó se foi e seu futuro morrera com ele.
Diná não tinha como pedir a Jó para voltar às tendas de Jacó. E como ela e Nogahla sobreviveriam por conta própria?
El Shaddai, o que vamos fazer?
Ela estava maravilhada com a fidelidade e confiança de Jó em Deus quando tudo estava perdido.
E agora percebeu que teria que enfrentar suas próprias incertezas. Como vou sustentar Nogahla?
Ela voltou seu olhar para Jó, que apenas algumas noites atrás havia ensinado o amor e o perdão de El Shaddai.
Naquela noite ele mostrou a ela a soberania do Senhor e a responder com confiança e louvor.
Ela não tinha certeza se poderia aceitar a vontade de Deus sem questionar, mas tentaria seguir o exemplo de Jó.
Diná abraçou Nogahla antes de soltar a garota e virar as costas para os homens.
Ela agarrou o decote de sua roupa de baixo e, com um puxão forte, o tecido rasgou.
Não conhecíamos aqueles que morreram, sussurrou para Nogahla, mas nossos sonhos também morreram esta noite. Nossa dor é real, nosso futuro incerto.
Com cuidado para cobrir o rasgo na túnica, ela se virou para enfrentar os homens no monte de cinzas.
Diná não precisava se intrometer na pilha de cinzas.
Ela não precisava raspar o cabelo para falar com o Criador.
De joelhos ao lado dos restos do jantar e do lixo do jardim, ela recitou as palavras de Jó.
Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor.
Enquanto formulava suas próprias palavras de louvor, ela ouviu Nogahla se virar e rasgar sua veste.
Uz recuperava sua estranha quietude enquanto Sayyid ouvia as notícias.
Ele tomou um longo gole de seu vinho doce e olhou para seu amigo edomita.
Bela, filho de Beor, era um comerciante de pedras preciosas baixinho e atarracado.
Sayyid tentou acalmar seu amigo nervoso.
Respire fundo, Bela. Meus guardas em breve trarão o relatório final sobre nossos ganhos.
Os olhos do homem dispararam para frente e para trás.
Por que demora tanto? ele sussurrou.
A gritaria parou há muito tempo.
Bela alisou o bigode e puxou a longa barba ruiva.
Todos os descendentes de Esaú tinham aquela horrível cor de cobre?
Bela era pomposo e repulsivo. Sayyid perdoou sua indelicadeza porque ele era o segundo homem mais rico de Uz.
Depois de Jó ter sido atacado pelos, Bela seria o mais rico.
Você não precisa sussurrar.
Sayyid o acalmou.
Meus servos são leais e não ousariam me trair.
Ele agarrou o braço de uma jovem criada enquanto ela oferecia azeitonas e queijo.
Ele apertou o braço e sentiu os efeitos da submissão.
Cabeça baixa, corpo trêmulo, ela colocou a bandeja de lado e caiu de joelhos.
Sayyid ergueu a cabeça dela e inclinou o rosto para que Bela pudesse dar sua aprovação.
Meu bom amigo edomita, minha casa é um santuário. Todos os servos conhecem meu desejo antes que eu o fale.
Você se juntará a mim para celebrar minha vitória sobre Jó nesta noite.
Como você pode pensar em mulheres num momento como este, Sayyid?
O tom de Bela era de repulsa.
Conte para mim. Por que todas as suas servas são todas iguais? Cabelo escuro, olhos escuros, lábios carnudos e curvilíneas. Todos tem a mesma altura e peso - idades diferentes para a mesma mulher. Onde você encontrou tantas mulheres parecidas?
Sayyid riu para esconder o desconforto.
Ninguém tinha feito aquela pergunta antes.
Decidi começar uma coleção de mulheres perfeitas.
Sayyid soltou a garota e acenou, explicando sua obsessão como se fosse um jogo.
É por isso que nunca me casei, Bela. Por que comprar uma vaca quando você pode beber leite de mil rebanhos?
A risada de Bela causou ondulações em seu barrigão.
Sayyid ficou aliviado em desviar a atenção das sósias de Sítis que ele havia comprado nos últimos quarenta anos.
O repentino som de passos interrompeu o riso de Bela e acelerou os batimentos de Sayyid.
Agora, teremos nosso relatório sobre o ataque dos caldeus. Seremos homens ricos e as caravanas de Jó estarão arruinadas.
O capitão da guarda da casa de Sayyid surgiu no portão, seguido por um pequeno destacamento.
Abã vestia roupas pretas e keffiyeh.
Os dentes brancos e brilhantes brilhavam tão intensamente quanto as tochas através do caminho de seixos.
Mestre, os três grupos caldeus cumpriram seus objetivos, disse ele.
Os camelos de Jó estão sendo levados para Damasco e seus servos estão mortos.
O guia que ajudou a coordenar a chegada dos caldeus foi...
Abã fez uma pausa, olhando para Bela.
Sayyid deu permissão para continuar.
O guia foi silenciado e não é mais uma ameaça.
O capitão ergueu uma sobrancelha e franziu os lábios.
Sayyid sabia que seu jovem capitão havia omitido detalhes adicionais - talvez algo desagradável.
Ele se levantou, encarou Abã, e com um sussurro ameaçador exigia respeito suficiente para subjugar seu capitão.
Desembucha.
Abã engoliu seco e Sayyid observou o caroço subir e descer em sua garganta.
Mestre Sayyid, ele começou, o antigo mordomo da casa de Jó, Atif, foi ferido de morte durante o ataque. Sinto muito, mestre. Sei que ele era seu amigo desde que você e a Senhora Sítis eram crianças.
Sayyid soltou o fôlego e agradeceu a preocupação de Abã.
Não deu pra ajudar. Achei que você iria contar algo terrível - como se algum dos camelos de Jó tivesse sobrevivido ao ataque.
O capitão engoliu seco novamente.
Os caldeus pegaram todos os camelos de Jó, Mestre Sayyid. Os poucos camelos e suprimentos da caravana que chegou de Hebron estavam no estábulo e foram ignorados pelos caldeus.
Ignorados? Jó ainda tem camelos e mercadorias para negociar?
Sayyid odiou o tom estridente da própria voz.
Sayyid, acalme-se.
A voz de Bela se perdeu na fúria crescente de Sayyid.
O que são alguns camelos e umas poucas bugigangas em comparação com os três mil camelos que Jó perdeu?
Antes que Sayyid pudesse repreender o edomita gordo, Abã interrompeu novamente.
Jó perdeu bem mais que camelos esta noite, meu senhor. Os deuses sorriram para o mestre Sayyid e o mestre Bela nesta noite.
A satisfação no rosto do capitão acalmou os temores de Sayyid mais do que suas palavras.
Abã não teria dado esperanças a Sayyid se não pudesse cumprir.
O mestre conhecia o capitão muito bem.
Sayyid viu os instintos de guerreiro quando Abã ainda era bem jovem. Ele treinou o rapaz no arco e na espada.
Abã era o capitão mais jovem de Uz, sem dúvida o mais implacável e leal.
Diga, Sayyid disse, acalmado pela confiança de Abã. Lentamente, para que eu possa saborear cada detalhe.
O capitão levantou uma sobrancelha e o canto da boca.
Os sabes roubaram as quintas juntas de bois e os quinhentos burros de Jó, e mataram todos os servos.
Sayyid riu tão alto que Bela deu um pulo.
Abã curvou-se para os mestres antes de continuar.
Parece que os deuses se juntaram aos seus planos para arruinar o homem.
Raios caíram do céu e queimaram as ovelhas e servos de Jó que estavam nos campos. Uma ventania do deserto derrubou os pilares da casa de Ennon, matando todos os filhos de Sítis.
A risada de Sayyid parou.
Os filhos de Sítis estão mortos? ele disse, tropeçando para trás.
Bela correu para o lado de Sayyid.
Seu cabelo ruivo e sua barba combinavam com os olhos cheios de sangue.
Eu nunca imaginei que Jó perderia tudo, disse ele.
Eu só queria ser maior do que ele no dia em que o Grande Abba Esaú nomeasse seu sucessor para governar Edom.
Balançando a cabeça, ele pressionou o polegar e o indicador nos olhos chorosos.
Eu não queria arruinar Jó. Afinal, somos parentes.
Uma fagulha de pânico cresceu dentro de Sayyid.
Ele não podia suportar a crise de consciência de Bela.
Seu parente? ele disse enquanto colocava uma mão firme no braço de Bela.
Bela olhou para cima, assustado com o toque de Sayyid.
Você não deve lealdade a Jó só porque seu avô descende de Esaú!
Sayyid soltou o braço de Bela.
Ele estava agindo como seu parente quando votou contra sua nomeação para juiz, dizendo que você era muito jovem e inexperiente? Ele agiu como seu parente quando rejeitou a adoração a Kaus, o deus edomita da montanha?
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Kaus |
Nós não arruinamos Jó, meu amigo. Os deuses arruinaram seu parente, e é seu dever como ancião da cidade proteger o restante de Uz de novos reveses.
O pequeno Edomita ficou em pé. Suas lágrimas pelo sofrimento de Jó secaram em meio ao vento de amargura.
A expressão de Bela passou de preocupação para medo.
O que você quer dizer com 'novos reveses', Sayyid? Os deuses se vingariam de Jó atacando outros moradores de Uz?
Sayyid deu de ombros.
Se os outros moradores de Uz se afastarem do homem, estarão a salvo da vingança dos deuses.
Um suspiro de tristeza marcou seu teatrinho.
Mas quem poderia ter certeza? É possível que os deuses dirijam sua ira aos parentes de Jó.
Sayyid olhou para Bela para ter certeza de que o edomita entendeu sua insinuação.
Falarei com os anciãos da cidade pela manhã.
Jó deve ser despojado do ofício de juiz principal e outro cidadão de respeito deve ser nomeado em seu lugar.
Muito sábio, Bela.
Sayyid deu um abraço amigável e o acompanhou em direção ao portão do pátio.
Você deve ir para casa e considerar quem deve substituir Jó no conselho da cidade.
Bela sorriu maliciosamente.
Você sabe bem quem eu vou sugerir.
O edomita apertou os ombros de Sayyid.
Paz e prosperidade para você, meu amigo.
Sayyid respirou fundo.
Pra você também, Bela.
Ele observou enquanto os guardas escoltavam o burro do homem para fora do desfiladeiro.
Bela retornaria a sua casa no segundo setor, dormindo pouco e comendo muito, esperando impacientemente o amanhecer.
Quando os edomitas estavam fora de vista, Sayyid virou-se para Abã, que estava radiante.
Limpe esse sorriso bobo do rosto!
Sayyid disse.
Nosso trabalho apenas começou.
Ele caminhou pelo pátio. Os pedregulhos vermelhos esmagando sob seus pés.
Ele havia planejado o ataque caldeu, mas parece que os deuses estavam mesmo trabalhando para arruinar Jó.
Finalmente, Sítis, em sua pobreza e tristeza, correria para os braços de Sayyid.
Dispense seus homens e me siga até o quarto.
Pegue uma tocha no seu caminho!
Ele podia ouvir os passos apressados de Abã atrás dele.
Logo a luz das tochas iluminou a escada.
Sayyid sorriu.
Ele treinara bem o capitão.
Quando chegaram no quarto de Sayyid, uma criada aguardava com uma jarra de vinho e duas taças.
Ela ficou ao lado da cama, com um leque de avestruz na mão para agitar a brisa.
Sayyid a olhou de relance e caminhou até a varanda, seu santuário de descanso e paz.
Abã colocou a tocha na parede do quarto e seguiu Sayyid até a varanda.
Abã, meu garoto, precisamos ser rápidos.
As grossas sobrancelhas negras de Abã se uniram.
Não tenho certeza se o entendi, meu senhor.
Precisamos atingir Jó enquanto ele está mais fraco e destruir todos os recursos que poderiam ser usados para se reerguer. Temos que agir antes que ele peça ajuda de Esaú ou do irmão de Sítis, Bildade.
O que você quer de mim, meu senhor?
Abã estava tão focado nas palavras de Sayyid que não notou a forma esguia e ágil na sacada da frente.
Volte para a minha câmara e apague todas as tochas, Sayyid disse calmamente.
O capitão seguiu o olhar de Sayyid e finalmente percebeu a figura da mulher na varanda.
Sim, meu senhor.
Ele se retirou para o quarto.
A escuridão tomou lugar após o apagar das tochas.
Sayyid imaginou que Jó se sentiria da mesma forma. Após o relato de cada tragédia as luzes da sua alma foram se apagando até ser finalmente tomado pela escuridão.
Sayyid agradeceu a Al-Uzza por Sítis manter seu ritual noturno.
Ele temia que as trágicas notícias fizessem com que ela não aparecesse na varanda à noite, como de costume.
Depois de apagar a última tocha, Abã se juntou a seu mestre na varanda, mas manteve a cabeça baixa.
Você não se cansa de observá-la, mestre?
As palavras de Abã vieram num sussurro.
Sayyid teria cortado a garganta de qualquer outro homem que perguntasse, mas ninguém mais sabia de sua atividade noturna.
Tenho uma pergunta para você, Abã. Você já se cansou de contemplar o pôr do sol?
Suponho que esse tipo de beleza seja incansável.
A resposta de Abã parecia hesitante.
Ele tinha que ser mais cauteloso ao comentar sobre o tesouro mais precioso do mestre.
É bom que assim seja.
Sayyid apertou o ombro do capitão, uma demonstração rígida de camaradagem.
Seu capitão o entendia muito bem.
Sayyid havia se contentado com a segunda melhor propriedade em Uz - o penhasco em frente ao grande palácio de Jó.
Um arranjo justo, já que a cidade montanhosa de Uz era o dote de Sítis.
Sayyid ficava com o coração apertado cada vez que via Sítis nos braços de Jó.
Por que você não está nos braços de Jó esta noite, garota Sítis?
Uma satisfação perversa vincou seus lábios.
Talvez a garota Sítis tenha decidido que um homem pobre não vale o seu tempo.
A velha bruxa Nada enrolou um cobertor em volta de sua senhora e apressou-a para dentro.
Sayyid ficou decepcionado.
Olhou para Abã, e falou em tom comedido.
Precisamos nos certificar que Jó não tenha como reconstruir sua riqueza. Envie alguns homens ao deserto para encontrar os Inominados.
O luar revelou pavor nas feições de Abã.
Mestre, eu não confio neles. Nem sei se podemos encontrá-los. Eles vivem em leitos secos, no mato e em buracos no chão. A maioria deles são mais animais do que humanos.
Você os encontrará, Abã, ele disse como se estivesse falando com uma criança, e levará um cordeiro e codornas. Você vai comprá-los com migalhas. Eles vão gostar de tirar o que sobrou de Jó. E diga ao líder que alguém pagará generosamente pelo serviço.
Qual é o nome do líder deles?
Sayyid apertou os olhos, tentando lembrar se já ouvira o nome de algum dos moradores do deserto.
Eles eram como aparições, fantasmas, esperando a noite para roubar, matar e destruir.
O líder deles é conhecido apenas como o inominável, mas sua autoridade é fraca.
Os olhos escuros de Abã estavam encobertos por sua roupa negra, sua voz era como o estrondo de uma tempestade.
Eu encontrarei este inominável, mestre, mas eles não irão conter os saques. Eles estupram mulheres por esporte e matam homens por prazer.
Abã nunca foi tão falante e a paciência de Sayyid se esgotou.
Você vai detê-los, Abã! ele disse.
Me tornarei o protetor de Sítis e Jó permanecerá ileso.
Ele se virou, examinando a varanda vazia no penhasco.
Quero que Jó sofra quando Sítis correr para os meus braços.
O som das orações de Jó se misturou com os sussurros de Diná, enquanto ela declarava os nomes do Senhor que aprendera com o avô Isaque: El Shaddai, Deus Todo-Poderoso; El Elyon, Deus Altíssimo; El Roi, o Deus que vê; Jeová Jireh, o Deus que provê.
O tempo não fazia sentido.
O som se tornou um eco.
Sua única consciência era um calor e paz desconhecidos.
Diná.
Ela prendeu a respiração e teve medo de abrir os olhos.
O Senhor havia falado o nome dela?
Diná, disse a voz, desta vez mais alta e urgente.
Seu coração estava acelerado.
Ela reuniu coragem e lentamente abriu um dos olhos.
Diante dela estava um homem quase irreconhecível, a cabeça e o rosto raspados, manchados de sangue e cinzas.
Ela estava decepcionada ou aliviada?
Diná, venha,
Jó disse.
Vou levar você e Nogahla para uma sala onde possam descansar.
Nogahla estava ao lado dela, dormindo profundamente. Os outros homens haviam partido.
Diná percebeu que deveria ser tarde demais.
Todas as tochas, exceto uma, estavam queimadas.
Nogahla e eu podemos dormir aqui no pátio, disse ela, lisonjeada por Jó considerar o conforto delas no meio de sua dor.
Por favor, Diná, siga-me.
Ela despertou Nogahla do sono exausto enquanto Jó pegou a tocha e começou a longa e sinuosa caminhada pelo palácio de pedra mal iluminado.
Ele acendeu algumas lâmpadas nos nichos nas paredes e entregou uma a Diná e outra a Nogahla, apagando as lâmpadas restantes enquanto passava.
Sua marcha silenciosa passava por adoráveis corredores com cheiro de menta, aposentos para os empregados e espaços de trabalho.
Após subir um labirinto de escadas, eles finalmente chegaram no terceiro andar.
Jó abriu belas cortinas azuis deixando a brisa entrar.
A chama fraca da lâmpada de de Diná revelou uma linda antessala decorada com um sofá e tapetes.
Jó as levou por uma porta finamente esculpida, mas parou antes de entrar.
Por favor, me perdoem, disse ele.
Deixarei você e Nogahla encontrar o caminho a partir daqui.
Jó fez uma reverência e foi embora.
Ele está com raiva de nós?
A voz de Nogahla estava grave de sono, e ela esfregou o rosto.
Não, minha amiga,
Diná disse.
Embora o mestre Jó seja um homem forte, ainda assim é humano. Ele está cansado e precisa de tempo para refletir sobre tudo o que aconteceu hoje.
Ela alcançou a maçaneta de bronze e abriu a pesada porta de carvalho.
Oh, senhora!
Nogahla despertou subitamente, diante do esplendor diante de si.
Uma cama coberta por um dossel estava no centro da sala. Uma varanda anexa revelava um aglomerado de nuvens iluminadas pelo luar.
Nogahla correu para a varanda e olhou por cima do parapeito.
É tão alto!
Sua voz ecoou na noite escura.
Diná riu apesar do cansaço.
Shh, Nogahla. Estou certa de que pelo menos parte da cidade está tentando dormir.
Diná se juntou a ela na varanda por alguns instantes, observando os majestosos penhascos de arenito de Uz.
Devemos tentar dormir. Não temos ideia do que o amanhã trará.
Com o coração pesado, as duas voltaram para a câmara e tiraram suas roupas externas.
Nogahla se arrastou em direção à porta.
Eu estarei no sofá da antessala se você precisar de mim, senhora.
Claro que não.
Diná sorriu para a garota.
Nogahla olhou para as sobrancelhas arqueadas.
Venha.
Diná subiu no colchão, derretendo na suavidade da lã.
Não vou dormir nessa cama grande sozinha.
8
Jó 1:22
Em tudo isso Jó não pecou e não culpou a Deus de coisa alguma.
Jó caminhou pelo corredor mal iluminado.
O terceiro andar era reservado para as mulheres de sua casa.
Antes um refúgio animado para a esposa e as filhas. Agora as paredes avermelhadas zombavam de sua solidão.
A caminho de seu quarto no quarto andar, Jó parou na porta ornada com quatorze cortinas de linho transparente.
Sítis amava linho fino e Jó amava Sítis.
A cada viagem ele trazia mais linho para sua esposa.
Ele se lembrou do primeiro lenço de linho que ela usou no casamento.
O amor e ternura de Sítis aumentava a cada peça de linho nova.
Ela se desapegou de tudo que a ligava à aldeia ismaelita de sua juventude. Os lenços alimentava seu amor.
Enquanto esfregava o tecido transparente entre os dedos, Jó se emocionou com a lembrança da noite em que ela entregou-se a ele.
Os anos que se seguiram foram os mais felizes da vida de Jó.
Ele sentiu uma pontada ao lembrar o dia em que destruiu o templo caldeu.
Algo entre eles morreu naquele dia. Algo que milhares de lenços de linho não puderam reviver.
Ele abriu as maçanetas de prata das portas duplas que levavam à antecâmara de Sítis.
Ele fez uma pausa.
Talvez fosse melhor esperar até de manhã.
Não. Já esperei bastante, pensou ele.
Nada se levantou de um sofá na antessala com os olhos turvos.
Ela decidiu passar a noite na antessala de Sítis.
Mestre Jó, disse ela, o que você está fazendo aqui?
Volte a dormir, Nada. Eu vim falar com minha esposa.
A velha estava de pé, com as mãos nos quadris, uma barreira a mais na entrada do quarto de Sítis.
A senhora está dormindo, meu senhor. Volte pela manhã.
Jó normalmente ignorava a superproteção de Nada; no entanto, esta noite sua paciência se esgotou.
Saia da frente, velha, ou acabará no estábulo com os camelos.
Ela pensou por uns instantes antes de obedecer.
A mulher se afastou, lançando um olhar de desprezo quando Jó passou.
Entrar no quarto da esposa era como nadar em um mar de linho fino.
Longas cortinas pendiam como salgueiros, captando a menor brisa, difundindo a luz.
Um testemunho silencioso do amor que um dia eles compartilharam.
Jó viu a cama vazia.
Ela estava na varanda, seu santuário.
Ele parou ao lado da cama, no local exato onde eles se despediram com palavras tão amargas antes de partir para Hebron.
A discussão foi sobre sobre Sayyid.
Ela permitiu que ele entrasse em sua casa novamente.
Pelo que sabia, era a primeira vez em nove anos.
Naquele dia, ele chegou do trabalho mais cedo e encontrou Sayyid e Sítis na sala de pergaminhos.
Os braços de Sayyid estavam enrolados ao redor dela, e Sítis lutava para escapar.
Ela teria permanecido em seus braços se eu não tivesse me intrometido?
A dúvida consumia seu coração como vermes se alimentando de carniça.
A respiração rápida de Sítis interrompeu seus pensamentos.
Oh, Jó. Seu rosto.
Ela estava na varanda. A luz da lua revelando as lindas curvas sob o vestido de linho.
Ela cobriu a boca para reprimir os gritos.
Jó percebeu como ela havia chorado.Os olhos inchados, as bochechas rosadas.
Ele caminhou na direção dela para abraçá-la, mas ela o repeliu.
Ele se perguntou se deveria ter vindo vê-la esta noite.
Ele deveria ir embora?
Seus longos anos de casamento permitiram o silêncio.
Nenhum deles vacilou diante do olhar investigativo do outro.
Jó lembrou como amava a força e a vontade da esposa.
Mas estas mesmas coisas também o enfureciam.
Ele sentiu raiva ao lembrar das discussões, mas sorriu ao relembrar do amor sempre presente.
Ele deveria mesmo ter vindo.
Ela inclinou a cabeça com uma expressão frustrada e confusa.
Que motivos você tem para sorrir hoje? ela perguntou, suas palavras cortadas, sua voz tensa.
Você.
Ele deu um passo à frente e traçou as linhas do seu rosto com um dedo.
Ela não se afastou desta vez.
Era um começo.
E agora?
Sítis tentava parecer forte, mas em vez disso parecia mais vulnerável e assustada.
Ele queria abraçá-la, mas suas defesas eram uma parede impenetrável.
Queria resolver as diferenças entre eles, mas enquanto ela defendesse Sayyid e virasse as costas para El Shaddai, eles permaneceriam num impasse.
El Shaddai, me mostre como começar.
Talvez hoje à noite, se ele fosse cuidadoso, Sítis aceitaria o abraço reconfortante do marido.
Jó deu um passo à frente e a esposa não recuou.
Ele manteve o olhar antes de tentar segurar sua mão.
Deu um sorriso fraco, esfregou a cabeça careca e disse: Não pareço eu mesmo, sem cabelo e toda essa sujeira no rosto?
Usou a manga da roupa para limpar as manchas cinzentas, e de repente sentiu as mãos dela e um lenço de linho em sua pele.
Limpando as cinzas do rosto, Sítis disse: Você não se parece nada com meu marido agora.
Ela pegou a mão dele e o levou para a cama, pressionando suavemente seus ombros para que ele sentasse na borda.
Ela molhou o lenço na bacia de cobre do criado-mudo e passou a mão na testa dele.
Ele agarrou o braço dela, interrompendo seu cuidado.
Feche os olhos, ele sussurrou.
Ela hesitou, mas obedeceu depois de levantar uma sobrancelha de brincadeira.
A voz do seu marido ainda é a mesma? ele perguntou suavemente.
Sim, disse ela, relaxando quando Jó colocou o braço ao lado.
Mantenha os olhos fechados.
Ele se levantou, pressionando seu corpo contra o dela, firmando-a.
Lágrimas começaram a se formar sob seus cílios grossos e escuros.
Jó se inclinou para beijá-la.
Esse beijo parece do seu marido?
Um sorriso se formou onde seus lábios estavam.
Sim.
Esposa preciosa da minha juventude, disse ele, deslizando as mãos pela cintura dela, este é o abraço de seu marido?
Oh, Jó.
Suas defesas desmoronaram e Sítis desmoronou nos braços dele.
Ele a segurou com força e enterrou o rosto no pescoço que conhecia bem seus beijos.
Obrigado, El Shaddai, Jó orou silenciosamente, por essa trégua da indiferença e da raiva.
Perder todas as riquezas aquela noite foi difícil.
Perder os filhos filhos, mais do que podia suportar.
Mas quando sua esposa amaldiçoou El Shaddai, ele temeu perder a si mesmo. Ele acreditava firmemente no ensino de Deus de que ele e Sítis eram uma só carne.
Ele inspirou o perfume dela, traçou suas curvas suaves, ouviu o choro quieto e de repente foi tomado pela gratidão por aquele presente do Senhor.
Jó começou a balançar ritmicamente de um lado para o outro, e a tensão de sua esposa desapareceu.
Quando ergueu a cabeça, as lágrimas fluíram pelas rugas da face.
Jó, eu te amo.
Ela tinha dito aquelas palavras mil vezes, mas hoje uma nova urgência aumentou seu significado.
Os olhos dela imploravam.
Sítis, ele sussurrou, eu também te amo.
Ela precisava que ele dissesse isso.
Por quê? Ele encarou seu olhar.
As palavras deveriam ser mais puras e verdadeiras depois de tantas vidas terem sido perdidas.
Enquanto admirava a face da sua esposa, ele viu medo na expressão de sua amada.
O que é isso, Sitis? O que te faz questionar meu amor?
Ela abaixou a cabeça novamente e o segurou com tanta força que ele mal conseguia respirar.
Seu choro voltou a ficar intenso e tormentoso.
Jó, me segure. Você é tudo que eu tenho. Sem filhos, não sou nada.
Ela estava ofegante, lutando para respirar.
Nossa casa está vazia. Nossos estábulos estão vazios. Meu ventre está vazio.
O pânico cresceu.
Ele se abaixou para abraça-la, e ela se enrolou no braço dele como uma criança.
Quando o choro diminuiu, ela levantou o rosto lentamente.
Somos os únicos na terra que conhecem e entendem essa dor. Por favor, Jó, por favor, me ame. Encha meu ventre novamente.
Jó a beijou, dominado pela urgência em seus olhos.
Ele desejava profundamente, desfrutar do fruto maduro de sua união ao longo da vida.
Sua jornada de três semanas o deixou sedento por sua esposa, e de alguma forma a dor aguçou a paixão.
Mas ele se afastou rapidamente.
Sítis, precisamos chorar sete dias por nossos filhos e servos, disse ele sem fôlego.
Os ensinamentos de Sem dizem que El Shaddai proíbe as relações conjugais durante esse período.
Ela empurrou seu peito com tanta violência que ele quase a deixou cair.
Seu Deus proíbe! Seu Deus destrói! Seu Deus odeia! E eu odeio o seu Deus!
Ela correu para a varanda e se agarrou aos balaustres soluçando.
Jó tropeçou como se tivesse levado um golpe físico.
Ahhhh!
Ele gritou alto, sentindo que iria vomitar.
Cobrindo o rosto de frustração e vergonha, ele levantou a cabeça em direção ao céu.
El Shaddai, como posso viver com uma mulher que te odeia?
Jó esperou o trovão da voz de Deus, ou que um raio a atingisse. Algum tipo de punição pela blasfêmia de Sítis.
Em vez disso, ele ouviu apenas o choro desesperado da mulher que ele amou por quarenta anos.
Ainda de joelhos, ele observou Sítis, sozinha na varanda.
Seu coração quebrado se partiu ainda mais.
Bem antes das tragédias de hoje ela tinha percebido que El Shaddai era injusto.
Seu afastamento do leito conjugal infligiu outra ferida - ela se sentiu espancada com os mandamentos de Deus enquanto ele tentava viver como um homem de Deus.
El Shaddai, como posso amá-la e ainda obedecer Teus mandamentos?
Confuso e desanimado, Jó pegou o cobertor de lã da cama de Sítis.
Espalhando travesseiros pelo chão, ele começou a caminhar lentamente em direção à varanda.
Sítis se virou quando ouviu sua aproximação.
Tremendo, ela colocou as mãos sobre a boca e tropeçou para trás.
Você me odeia, não é? Você vai me prender, julgar e me envergonhar no portão da cidade.
Seu medo aumentou quando Jó se aproximou dela.
Ele temia que ela se jogasse do parapeito.
Não meu amor. Eu nunca...
Ele a agarrou e puxou-a firmemente contra seu peito.
Ela queria resistir a ele e ao mesmo tempo estava desesperada por sua segurança.
Você conhece tão pouco do meu amor? ele sussurrou.
Shh. Você não ouviu nada do que eu disse em nosso longo casamento, minha preciosa princesa ismaelita? Eu te adoro. Eu nunca vou rejeitar você.
Seu coração clamava por El Shaddai, temendo pela alma de sua esposa e sua sanidade.
Como poderei convencê-la de Teu amor?
Sítis relaxou lentamente, permitindo que seus braços caíssem.
Jó manteve seu abraço reconfortante enquanto pegava o cobertor do chão.
O casal ficou de pé, protegido do frio da noite, até que o desespero de Sítis encontrou sua voz.
Por que El Shaddai faz exigências tão sem sentido? ela perguntou.
Por que Ele tira tudo que eu amo?
Sua voz estava sem emoção.
Jó fechou os olhos com força.
A dor era insuportável.
Ele apertou os braços e descansou a bochecha no topo da cabeça dela.
Quando descobri que Sayyid levava suas ofertas secretas aos sacerdotes da Caldéia, destruí o templo com uma raiva impetuosa, Sítis. Agi em nome de El Elyon, mas também por minha própria ira.
Sítis ficou em silêncio, como seu costume nos nove anos desde o incidente.
Jó continuou, sem saber se ela entendia.
Esta noite eu te atraí pelos meus próprios desejos egoistas, mesmo sabendo dos planos de Deus para o luto.
Ele ergueu o rosto para o céu e respirou fundo.
Permiti que minhas falhas manchassem os caminhos de Deus e agora você vê El Shaddai como injusto e indiferente.
Não, ela estava observando à distância.
Percebo El Shaddai como injusto e indiferente, porque Ele matou meus filhos.
Desta vez, foi Jó quem permaneceu em silêncio.
Seu rosto se contorceu de tristeza. Os soluços escapando enquanto sua esposa permanecia sem vida em seus braços.
Seu casamento tinha sido tão rico em todos os sentidos - exceto o mais importante.
El Shaddai, por favor, abra o coração dela.
Não sei o que dizer.
Finalmente, Jó segurou seus ombros e se inclinou para olhar diretamente em seus olhos.
Pela primeira vez, ela desviou o olhar.
Por favor, Sítis.
Ele segurou o rosto dela nas mãos, e ela se virou para ele.
Não sei por que nossos filhos se foram e nossa riqueza foi destruída. Mas sei que a vontade de El Shaddai não é sem sentido. Seus caminhos são os caminhos de um Deus onisciente e justo. Só porque não os entendemos, não significa que não tenham razão. Só porque não O entendemos não significa que não possamos adorá-Lo.
Sua capa rachou.
Os olhos negros descongelaram e as lágrimas escorreram.
Eu te amo muito, Jó, disse ela, enxugando as lágrimas.
Mas não quero o seu Deus.
Sua cabeça começou a tremer.
O que vou fazer sem meus filhos e filhas? Eles eram minha vida.
Jó a levou para o sofá da varanda, balançando-a como uma criança.
Nossos filhos se foram, ele disse em meio às lágrimas, mas ainda podemos nos amar.
Jó limpou uma lágrima do rosto de Sítis e ouviu a quietude de Uz.
Up-up-up.
Um poupa de crista rosa e preto pousou no parapeito da varanda, e o coração de Jó se aqueceu.
Up-up-up.
Sítis saltou quando o passarinho levantou vôo a menos de três côvados de onde eles estavam.
Ele pousou perto de um buraco no penhasco do lado de fora do quarto de Sítis.
Oh! Esse pássaro vai sujar minha varanda, ela ficou distraída de sua miséria.
Jó recostou-se no sofá e a puxou para mais perto.
Aquele passarinho foi enviado por Senhor para nos encorajar, meu amor.
Sítis balançou a cabeça em descrença e suas lágrimas voltaram, mas Jó prosseguiu.
Estudei esses lindos passarinhos em minhas viagens. Macho e fêmea são fiéis um ao outro por toda a vida.
Ele olhou diretamente em seus olhos tristes.
A poupa mãe cuida bem de seus filhotes.
Jó se inclinou para dar um beijo suave em seus lábios, mas eles foram interrompidos pelo som estridente.
Up-up-up.
Quando ergueu a cabeça, a expressão de Sítis era quase pacífica.
Ela falou em um sussurro.
Você se lembra de como Ennon colocou lama na bochecha de Letush para que ele pudesse diferenciar os gêmeos?
Ela riu baixinho e olhou para cima.
Jó ficou maravilhado com a beleza gravada em seus traços.
A realeza de sua noiva ismaelita, o brilho após cada nascimento, o sorriso de uma ima assistindo seus dez filhos se tornarem adultos.
Você nunca esteve tão bonita quanto naquele momento, disse ele, acariciando sua bochecha.
Outro beijo gentil incitou Sítis a recitar uma lembrança de Uzahmah.
Aquela noite de terror se transformou em bálsamo curativo em uma noite de memórias.
Lágrimas se misturavam quando marido e mulher lamentavam os eventos torturantes ao falar das memórias felizes da vida.
Enquanto contava outra história, Jó olhou para o pássaro poupa e fez uma oração silenciosa.
Obrigado, El Shaddai, por nos unir em memórias e por me ensinar a amar sem saber todas as respostas.
O casal finalmente voltou para o quarto de Sítis.
Jó dormiu em cima do cobertor de lã. Sítis debaixo dos lençóis de linho.
Diná acordou assustada.
Os tons vermelhos do alvorecer manchavam as paredes de arenito de seu quarto, e ela instintivamente verificou as mãos pelo sangue do marido.
Quase sempre que acordava, ela ainda revivia o horror de Siquém.
El Shaddai, algum dia esquecerei aquele momento?
A respiração profunda de Nogahla roubou a atenção de Diná.
Ela se perguntou o quanto a pequena cuxita teria ficado com a imagem dos pastores da noite anterior.
Ela lamentou os futuros sonhos manchados pelas cenas e sons horríveis de ontem que a jovem teria.
Vozes no corredor interromperam sua reflexão.
Nogahla se mexeu e Diná saiu da cama.
Os dedos dos pés formigavam nos azulejos frios enquanto ela caminhava em direção à porta.
O que está acontecendo?
Nogahla sussurrou.
Diná sinalizou para que fizesse silêncio enquanto abria a porta.
O corredor estava mal iluminado, mas ela distinguiu duas figuras masculinas.
Te encontro no altar sagrado depois do sol nascer.
A voz de Jó.
Peça que Shobal e Lotan tragam uma tocha e empilhem a madeira.
Outra voz masculina.
Só encontramos uma cabra ontem à noite no pátio atrás da cozinha. Não devemos guardá-la para o leite?
Após uma pequena pausa, Jó disse: Jeová-Jireh, Eliú. O Senhor proverá. Ele pode nos dar leite de qualquer cabra, mas podemos dar a Ele nossa única cabra apenas uma vez.
Diná fechou a porta.
Nogahla, se apresse e se vista. Precisamos estar prontas para sair de Uz quando ...
Uma batida na porta interrompeu suas instruções, e a sonolenta empregada cuxita se levantou.
Sim, quem é?
Diná pegou uma das lâmpadas do nicho da parede.
Diná, me desculpe por ter te acordado.
A voz de Jó era baixa e urgente.
Posso falar com você?
Diná abriu a porta e notou os olhos inchados e tristes de Jó e os cortes na cabeça.
Você não nos acordou. Como podemos ajuda-lo?
Farei um sacrifício a El Shaddai. Você e Nogahla gostariam de se juntar a nós?
Diná ficou surpresa com o convite.
Abba Jacó nunca permitiu que mulheres observassem seus sacrifícios, e o Sabba Isaque estava doente demais para oferecer sacrifícios quando Diná chegou em seu acampamento.
Por que você nos convidaria para seu sacrifício?
O grito escapou do coração de Diná.
Ela não tinha coragem de perguntar a Jó quando deveria ir embora.
As feições de Jó suavizaram, iluminadas pelos raios turvos de sua lâmpada.
Porque você é parte da minha família. Você e Nogahla são minha responsabilidade perante o Senhor.
A emoção deixou Diná sem ar e apenas uma palavra escapou.
Espere!
Ela fechou a porta e tentou conter as lágrimas.
O que ele queria dizer como ser parte de sua família.
Era demais.
Senhora, o que há de errado?
Nogahla tentou abraçá-la, confortá-la.
Diga a ele que você não irá para o sacrifício.
A pobre garota tentava consolar, mas Diná fez sinal que se calasse.
Explicar apenas dificultaria o controle de suas lágrimas.
Respire. Respire.
Diná se acalmou, forçou a máscara de volta no lugar e deu uma meia explicação para Nogahla.
É uma grande honra ser incluído em adoração com o Mestre Jó.
A expressão de Nogahla mostrou sua total confusão.
Ele raspou todo o cabelo ontem à noite.
Diná riu e acariciou o rosto da garota.
Ela se arrependeu por não ter contado a Nogahla o significado do sacrifício durante a jornada de Hebron.
Quanto aquela garota sabia sobre El Shaddai?
Alguma vez a serva cuxita testemunhara um holocausto no acampamento do avô Isaque?
Jó esperava no corredor. Não havia tempo para explicações.
O rangido da porta alertou Jó.
Perdoe-nos por te fazer esperar,
Diná disse.
Ficaríamos honradas em nos juntar a você na adoração.
Ela curvou-se ligeiramente e Nogahla seguiu.
Estou honrado.
Jó curvou-se em troca, a leve curva de um sorriso em seu rosto.
Você pode esperar enquanto pegamos nossas sandálias?
Nogahla correu para busca-las enquanto Diná fazia a pergunta.
Está tudo pronto, então se apressem.
Ele deu um sorriso gentil e fechou a porta.
As mulheres amarraram suas vestes e abriram a porta, colocando as sandálias nos pés enquanto caminhavam.
Com as sobrancelhas levantadas e um aceno de aprovação, Jó riu.
Meu, meu! Isso foi realmente rápido.
Caminhando pelo corredor mal iluminado, ele explicou: Eliú, Shobal e Lotan se juntarão a nós no altar.
Sítis e Nada virão também?
Nogahla perguntou.
Diná lançou um olhar severo.
A garota ainda não havia aprendido a separar o oportuno do intruso.
Jó parou abruptamente, e Diná se perguntou se as palavras despertariam sua ira.
Em vez disso, o cansaço que marcou suas feições na noite passada voltou.
Não. Sítis e Nada se recusaram a vir.
Ele fez uma pausa como se quisesse dizer mais, mas então se virou e continuou a caminhar.
Nogahla murmurou um pedido de desculpas. Diná esperava que a garota aprendesse a ser mais sensível.
Eles subiram por um lance de escadas de pedra e por um corredor do que parecia ser um quarto de hóspedes.
Uma porta de cedro esculpida no final do corredor do quarto andar marcava o limite mais distante do palácio escavado na rocha.
Ao abrir a porta, a lâmpada de Jó iluminou os primeiros degraus para cima.
Acima deles, Diná podia ver uma pequena luz vermelha.
Conforme eles subiam a luz ficava maior e mudava de tom. Diná percebeu que o brilho era o céu da manhã através de uma entrada no topo de uma escada alta.
Suas pernas queimaram depois de centenas de passos e finalmente emergiram por uma abertura na rocha.
Ela recuperou o fôlego.
Eles estavam no topo da montanha central de Uz.
Olhe a sua volta, disse Jó, esticando os braços abertos e veja a glória de Deus.
Ohh.
Diná e Nogahla suspiraram em uníssono, contemplando a extensão e a largura da cidade de arenito de Jó com suas planícies.
Diná contemplou o mercado no primeiro setor, ainda quieto antes do início do dia.
Seus olhos viajaram para o estreito siq que dividia os grandes penhascos vermelhos pelos quais havia passado.
No segundo setor, a luz do sol brilhava sobre uma grande fonte. A grande planície se estendia norte e sul entre as cadeias de montanhas.
Pequenos pontos, provavelmente servos, corriam para começar as tarefas do dia em torno dos opulentos palácios escavados na rocha.
Pela primeira vez Diná viu os escombros da casa de Ennon, onde os filhos de Jó estavam sepultados.
Seu estômago revirou.
Era meu costume vir aqui sempre que meus filhos desfrutassem de um banquete,
Jó estava falando, e quando Diná se virou, ela o encontrou olhando para ela.
Enviava alguns servos para convida-los, perguntando se queriam participar do sacrifício - assim como convidei você e Nogahla esta manhã.
Voltando sua atenção para os homens que aguardavam perto do altar, acrescentou: Da mesma forma como convidei Eliú, Shobal e Lotan para virem esta manhã.
Eliú se ajoelhou perto do altar sagrado, segurando o pescoço do bode sob o braço.
Você pode imaginar por que trazer meus filhos aqui de manhã cedo,
Jó disse, apontando para o altar de arenito onde os homens aguardavam.
A pilha de pedras, achatada no topo, era cercada por uma vala e um banco esculpido em um círculo perfeito.
Diná, você e Nogahla devem se ajoelhar ao lado de Eliú e colocar as mãos sobre o animal.
Diná percebeu uma troca de olhares entre Eliú e Jó.
O jovem parecia desafiar o professor, mas finalmente concordou.
Jó o olhar e se ajoelhou do outro lado do animal.
Shobal e Lotan, por favor, ajoelhem-se ao meu lado e coloquem as mãos sobre o sacrifício.
Os dois pastores se ajoelharam na frente de Diná, mas evitaram seu olhar.
Ela teve a sensação de que todos conheciam sua história.
Na noite anterior, ela era apenas um rosto anônimo.
Esta manhã ela era a Diná de Siquém.
Jó falou baixinho para os presentes.
Costumava oferecer um cordeiro para cada um de meus filhos...
Sua voz fez uma pausa.
Ennon, Epher, Letush, Leum, Jokshan, Jetur, Zimran, Manathah, Alathah e Uzahmah. Mas, como temos apenas um animal, acredito que El Shaddai - que conhece nossos corações - aceitará o único sacrifício por todos nós.
Eliú apoiou a mão em seu ombro.
Jó retribuiu com um aceno.
Temia que meus filhos pudessem ter amaldiçoado a Deus em seus corações. Por este motivo ofereço agora este sacrifício - caso algum de vocês tenha amaldoçoado a Deus em seus corações na noite passada. Seria compreensível, depois de ouvir as palavras de minha esposa contra El Shaddai.
Ele abaixou a cabeça refletindo sobre suas próximas palavras, e quando olhou para cima, lágrimas escorreram por seu rosto.
Não posso fazer este sacrifício por minha esposa ou sua serva. Elas recusam seu poder expiatório.
Eliú chorou alto.
Shobal e Lotan trocaram expressões de dor.
A rebelião de Sítis deixou Diná chocada.
A julgar pela tristeza nos rostos desses homens, a recusa das mulheres em participar esta manhã foi tão surpreendente e devastadora quanto as mortes e blasfêmias da noite anterior.
Jó enxugou as lágrimas do rosto antes de prosseguir.
Louvado seja El Shaddai por vocês terem concordado em vir para serem purificados pelo sangue.
Voltando o rosto para o céu, Jó gritou: El Shaddai, ouve do céu e perdoa-nos caso tenhamos te amaldiçoado em nossos corações.
Olhando para cada um dos presentes, Jó disse: Se algum de vocês carregar o peso do pecado em seu coração, confesse agora a El Elyon, silenciosamente.
Jó ergueu a cabeça da cabra e o degolou com sua faca de sílex.
Nogahla engasgou. Diná olhou nos olhos de sua serva a tempo de ver o terror surgir.
Não, Mestre Jó! a menina chorou, enterrando a cabeça no peito de Diná.
Os homens olharam surpresos, mas Jó falou com compaixão.
Nogahla, minha pequenina, é assim que El Shaddai perdoa seu povo dos pecados que levam a morte.
As mãos de Jó pressionaram o pescoço do animal sobre o local de drenagem esculpido na pedra.
Nogahla ergueu a cabeça.
A cabra precisou morrer porque eu odiei seu velho mordomo, Atif?
Shobal escondeu um sorriso por trás da mão grande e calejada, enquanto os outros tentavam manter a reverência diante de tal inocência.
A cabra tinha que morrer, Jó disse com ternura, porque cada um de nós pecou de alguma forma e precisa receber o perdão.
Diná ouviu enquanto o maior homem do Oriente, o sacerdote de sua casa, explicava o plano de redenção de El Shaddai a uma jovem escrava cuxita.
Diná lamentou por não ter compartilhado sua própria experiência de perdão em Elate.
Ela olhou para para Eliú, Shobal e Lotan e se perguntou: Por que volto a sentir a vergonha de Siquém cada vez que um homem desvia o olhar ou me olha com desdém?
Jó tocou levemente sua mão e instintivamente ela se afastou.
Ela abaixou o rosto vermelho.
Sinto muito, sussurrou ela.
E ouviu a compaixão na voz gentil da brisa matinal.
Está tudo bem, Jó disse.
Estamos todos ansiosos esta manhã.
Ela olhou para cima e notou os pastores se afastando e as mãos de Eliú completando habilmente as tarefas da oferta.
Jó o ensinou bem.
O olhar dela se prendeu a Jó.
Gostaria que você e Nogahla permanecessem como membros da minha casa, disse ele.
Ela ameaçou protestar, mas ele levantou a mão.
Conheço as razões que a filha de Jacó apresentará para ir.
Ele fez uma pausa, aparentemente procurando as palavras.
Sua presença em minha casa tem um propósito, Diná. Você vai tentar descobrir qual é?
As mãos de Eliú pararam momentaneamente e seu olhar agudo a atingiu como uma flecha.
Jó também percebeu e soltou um suspiro de desaprovação, mas voltou o olhar para ela, aguardando uma resposta.
Ela poderia continuar correndo, se escondendo em tendas sob um manto de vergonha, ou poderia entrar no alvorecer de uma nova vida em Uz.
Diná olhou para Nogahla.
Devemos viver aqui na casa do mestre Jó, minha amiga?
A cuxita abriu um largo sorriso.
Sim. Tentarei não matar mais cabras com meus pensamentos pecaminosos.
9
Gênesis 12:1-3
Então o Senhor disse a Abrão:
Tornarei famoso o seu nome, e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados.
Jó sentiu o cheiro da brisa da manhã e sentiu o sol em suas costas, observando as chamas lamberem as porções gordas da oferta.
A terrível tarefa de devolver os corpos dos servos às famílias estava diante dele.
Ele recuperaria os corpos antes de desenterrar seus próprios filhos dos escombros da casa de Ennon.
Jó respirou fundo e absorveu o aroma da obediência no altar do Senhor quando a alvorada deu lugar ao amanhecer.
Seu mundo estava destruído, mas ele sabia que Deus permanecia o mesmo.
A paz guardava o coração de Jó.
Eliú, entretanto, era a antítese daquela paz.
O jovem permanecia sentado, taciturno. O queixo flexionado, as mãos inquietas.
A agitação de Eliú começou cedo naquela manhã, quando ele, Shobal e Lotan perguntaram a respeito da mulher que cuidara dos ferimentos de Lotan na noite passada.
Jó notou o reconhecimento do nome de Diná e como eles a rejeitaram durante o sacrifício.
A tensão persistiu depois que Diná e Nogahla se despediram e voltaram à sua câmara.
Eles precisavam ter uma conversa.
Haveria hora melhor que sob a fragrância do perdão de Deus?
Sua pele vai se desgastar se continuar esfregando as mãos assim, Jó disse, tentando obter um sorriso.
Eliú abaixou a cabeça, levando a brincadeira de Jó a sério, e então olhou carrancudo para o professor.
Abba Jó, você não me ensinou que o Altíssimo odeia o pecado?
Então é hora de uma lição espiritual para lidar a raiva.
Sim, El Shaddai odeia o pecado.
Então por que você trouxe uma mulher pecadora para sua casa?
Ela se tornaria a esposa de Ennon.
Jó falou as palavras com uma calma impensável, e viu um fogo acender nos olhos de Eliú.
É uma longa história, meu filho, mas suspeito que você não esteja interessado nos detalhes.
Ele observou Eliú lutar para se manter calmo.
Você está enganado, abba. Preciso entender as razões pelas quais você submeteria seu filho a tamanha humilhação e a seguir convidou esta mulher a permanecer em sua casa quando ela não tem mais serventia.
Sua voz era um choramingo infantil.
Ela é adúltera, Abba!
Diná não é uma adúltera.
Jó procurou se controlar.
Mas ela é uma sedutora.
Jó olhou para seu aluno e futuro filho.
Diná agiu de forma inadequada desde que chegou aqui?
Jó a conhecia há poucos dias, mas desde então sabia que ela era uma mulher de honestidade e caráter.
Por que você diz que ela é uma sedutora, Eliú?
O jovem ficou em silêncio, olhando para as mãos novamente.
Ah, não, você não, A raiva de Jó aumentava.
Você começou esta discussão. Agora vamos desfazer toda esta confusão.
Eliú ergueu os olhos. Jó esperava o mesmo fervor com que sempre defendia o Altíssimo, mas o olhar de Eliú estava apagado.
As janelas de sua alma estavam vazias.
Abba, eu amei Uzahmah de todo o meu coração.
Lágrimas se acumularam, e o garoto olhou para cima, tentando evitar o choro.
Ele respirou fundo e bufou, exalando emoções sem palavras.
O coração de Jó se compadeceu com a batalha que acontecia no coração de Eliú. Mas a tristeza de um homem não precisava torcer a verdade.
Sei que você amou minha filha. Mas por que isso faz de Diná pecadora?
Os olhos vazios brilharam.
O pecado de Diná não tem nada a ver com o meu amor por Uzahmah!
Jó colocou uma mão no ombro de Eliú.
Então por que falar das duas como se fossem parentes?
Ahh...
Eliú se levantou.
Eu ouvi muitas histórias sobre essa Diná.
Seus braços gesticulavam, suas longas pernas davam a aparência de um avestruz tentando voar.
Ouvi dizer que ela usava anéis nos dedos das mãos e dos pés. Pintava os olhos como os egípcios e foi para Siquém para seduzir o príncipe.
Ele deixou os braços caírem ao lado do corpo.
Abba, eu não esperava que ela fosse uma mulher sábia. E compassiva. E obviamente linda.
Eliú segurou sua cabeça careca, torturado pela recente descoberta.
Não consigo acreditar que disse isso sobre outra mulher, quando minha amada Uzahmah está sob uma pilha de escombros ...
Ele se sentou com força no banco esculpido na pedra, lamentando em silêncio.
Eliú, você não traiu Uzahmah falando a verdade sobre uma mulher que foi difamada e odiada a vida toda. Acredito que minha filha mais nova ficaria orgulhosa de você por ser sensível o suficiente para enxergar a verdade sobre Diná.
Eliú levantou a cabeça, os cílios molhados.
Não olharei na direção de Diná novamente, Abba.
Ele encarou o sacrifício que queimava, ponderando sobre as próprias palavras.
Na noite passada ela agiu com coragem e sabedoria, enquanto eu estava movido puramente pela emoção.
Ele pressionou a palma da mão contra a testa.
Será que algum dia vou aprender a reagir como você? Recorrer primeiramente a El Shaddai? Ou minhas emoções sempre me governarão?
Jó colocou a mão no ombro de Eliú.
Quem você é, meu filho?
Era uma pergunta que Jó costumava fazer, lembrando o menino de seu valor e propósito.
Um sorriso submisso se estendeu pelo rosto de Eliú.
Sou Eliú, filho de Baraquel.
Da tribo de Buz, segundo filho de Naor, irmão de Abraão.
Pertenço à tribo fiel que enviou de representantes à Casa de Sem até que meu pai adoeceu e morreu.
Ele foi o último discípulo buzita de Eber, tataraneto de Noé, e eu sou o primeiro discípulo buzita de Jó, o grande mestre edomita.
A voz de Eliú falhou e ele ergueu os olhos.
Jó viu - em meio as cinzas - o garoto de doze anos que havia recebido de seu amigo Baraquel.
Abba, posso ficar em sua casa também?
Jó agarrou os ombros do jovem e puxou-o num abraço feroz.
Eu encararia qualquer animal que tentasse te levar para longe de Uz, ele disse entre soluços.
Expondo o coração diante do Senhor, ele abraçou Eliú e orou silenciosamente: Minha casa destruída permanece diante de Ti, ó Deus.
O Senhor pode trazer quem quiser para ela.
E levar quem desejar.
Jó permitiu que a própria dor o envolvesse, quando de repente se lembrou da aliança de Abraão.
e, por meio dela, todos os povos da terra serão abençoados.
Ele ficou tão surpreso com a lembrança que se afastou de Eliú, assustando o pobre garoto.
Abba, qual é o problema?
Jó estava sem palavras.
Deus tinha sussurrado ao seu espírito?
Ou era algo da mente de Jó?
Deus prometeu abençoar todas as pessoas por meio de Abraão, não exclusivamente os descendentes de Abraão.
A bênção da aliança poderia vir com Eliú, um buzita do clã de Naor, se casando com a filha de Jacó?
Você está me assustando, Abba.
As feições de Eliú agora estavam preocupadas.
Qual o problema? Por que você está me olhando assim?
Jó respirou fundo, tentando abordar o assunto de maneira sutil com seu filho.
Talvez o Altíssimo tenha trazido você e Diná para minha casa com um propósito maior.
Nada, preciso que vá até Sayyid.
Sítis falou em voz baixa enquanto elas começavam o trabalho na cozinha.
Diga que tenho algo importante para discutir e que ele deve vir mais tarde, enquanto Jó estiver nos campos com Eliú.
Ela empurrou duas grandes cestas de cevada para um canto, lutando para não voltar a chorar.
Nada procurou em algumas vasos de barro, estremecendo com o conteúdo fermentado.
O que o Cook estava pensando? Quem poderia comer tantas azeitonas?
Nada franziu a testa e olhou para Sítis.
Eram as favoritas de Leum.
Sítis sentiu o rosto se contorcer de tristeza.
Por que você luta contra suas lágrimas, senhora? Deixe fluir.
Nada estendeu a mão, mas Sítis advertiu.
Não chegue perto de mim. Não vou parar de chorar se você me abraçar.
Ela pegou uma bandeja de bronze e olhou para seu reflexo.
Estou com o rosto muito inchado. Preciso estar no meu melhor para Jó.
Lágrimas insistiram em correr pelo rosto de Sítis.
Oh, Nada. Estou ficando velha, a lua vermelha da mulher já está partindo. E se eu não puder dar mais filhos para Jó? Vi a maneira como ele olhou para Diná. E se ele a tomar como esposa agora que nosso Ennon se foi?
Um soluço escapou.
Ela não sabia se devia confiar totalmente em sua serva ou guardar os detalhes íntimos para si mesma.
Em quem mais ela poderia confiar? Jó não se deitou comigo ontem à noite, Nada. Preciso engravidar rapidamente se quiser ter mais filhos.
Ela derreteu nos braços macios e quentes de sua serva.
Seu marido te ama, pequena Sítis.
Nada alisou o cabelo e beijou sua cabeça.
Ele está de luto como seu Deus ordena. E nunca vai tomar outra esposa. Ele prometeu no dia do seu casamento.
Eu sei o que ele prometeu, Nada, mas isso foi há muito tempo, e agora nossos filhos se foram. Um homem não é nada se não tiver filhos nesta terra.
Ela lutou para se livrar dos braços da serva e ergueu o espelho novamente, tentando reparar o dano causado pelaslágrimas.
Neste exato momento, uma jovem bela e sedutora dorme algumas câmaras de distância do meu marido. Ela pode gerar filhos para ele, e ele cuida dela.
Sítis derrubou a bandeja de bronze.
Aí então, eu não serei a primeira esposa de Jó, mas a segunda melhor!
A serva pegou a bandeja e empilhou-a com alguns outros itens que separaram para vender.
Pequena Sítis, você precisa se acalmar. Se o mestre pensou que ela era boa o suficiente para Ennon, ele certamente encontrará outro homem honrado em Uz para se casar com ela.
Quem se casaria com uma mulher com a reputação de Diná? Qualquer homem desde o Egito tem medo de acordar com a garganta cortada!
A voz de Sítis era estridente e frenética.
Shh, fique queta!
Nada sussurrou.
Mestre Jó e Eliú podem descer a qualquer momento, e aquela mulher está no quarto. Seu marido não deve conhecer seus sentimentos sobre ela. Ele obviamente tem algum apreço pela garota.
A observação de Nada renovou as lágrimas de Sítis.
Nada acariciou o cabelo de Sítis e sussurrou: Tudo bem, tudo bem. O que posso fazer para ajudar minha Sítis?
Por favor, Nada. Vá até Sayyid e diga a ele que preciso falar com ele hoje.
Nada retirou Sítis do abraço e a agarrou pelos ombros.
O que está passando pela sua cabeça, minha garota? Como Sayyid pode ajudar?
Ele deve se casar com Diná.
Sítis falou com tanta naturalidade que não deixou espaço para explicação.
Vai logo!
Sítis bateu o pé e apontou para a porta, lembrando a serva protetora que é que dava as ordens.
Diná e Nogahla espiaram pela porta da cozinha, observando as tentativas fracassadas da senhora para moer cevada.
Diná sorriu ligeiramente quando os grãos deslizavam pelos lados da calha.
Sítis parece tão habilidosa em moer grãos quanto um pastor pastoreando gatos.
A risada de Nogahla chamou a atenção da senhora, forçando-a a sair do esconderijo.
Bom dia.
Sítis cumprimentou de maneira seca, retornando logo à sua tarefa.
Diná e Nogahla entraram na cozinha.
Sítis ocupava a mesa mais distante, perto de um arco que levava ao pátio da cozinha.
Bom dia, senhora, Diná respondeu, balançando a cabeça em uma reverência.
Nogahla e eu queremos servir da forma como achar mais adequada.
Flores secas e ervas pendiam do teto, enchendo o ar com o cheiro de coentro, alho e cravo.
Cestas de todos os tamanhos alinhavam-se em uma parede, com utensílios de cozinha e pratos de formas e tamanhos variados.
Panelas de cobre penduradas em outra parede.
Sítis ergueu a cabeça. Seus olhos eram acolhedores, embora não calorosos.
Diná queria recuperar seus suprimentos de parteira da caravana de Hebron, pensando que talvez Jó pudesse recomendar seus serviços para algumas mulheres mais ricas em Uz.
Ela queria dar alguma coisa para a família que a acolheu.
A senhora, porém, voltou sua concentração para os grãos.
Ela derramou outra xícara de cevada no sulco e empurrou a pesada roda de pedra sobre os grãos.
Ahh...
Sítis bateu a mão na mesa, frustrada, jogando grãos no ar.
Diná lançou um olhar para Nogahla e se aproximou.
Podemos ajudar?
Diná ofereceu, curvando-se levemente.
Estava moendo um pouco de grão para assar nos fornos públicos.
Sítis arrumou o manto e calmamente juntou os grãos espalhados no sulco de moagem.
Era uma tentativa pobre de parecer casual.
O primo de Jó, Zofar, tem fornos na própria cozinha, mas receio que os comerciantes de Uz não disponham de tais mordomias.
Diná percebeu um tremor na voz da mulher.
Sua serva sabe cozinhar e arrumar a casa?
Diná colocou o braço no ombro de Nogahla para reforçar sua confiança.
Sei cozinhar, disse a cuxita em voz baixa, mas não sei arrumar a casa.
Estamos aqui para ajudar, senhora.
Diná piscou para sua serva, em aprovação.
Tenho certeza que você e Nada podem nos dizer como ajudar.
Nogahla virou-se e murmurou, Tenho certeza que Nada dirá a todos o que fazer.
Diná recuperou o fôlego.
O sangue fugiu do rosto e ela aguardou a reação de Sítis.
A mulher olhou para as convidadas e soltou uma risada de bom humor, rompendo a tensão.
Certamente Nada dará sua opinião, pequena cuxita. Mas acho que ela tem menos habilidade na cozinha do que eu.
Ela enxugou o suor e uma lágrima na manga da veste e deixou os ombros caírem.
Alguma de vocês sabe como usar esse negócio horrível?
Os olhos grandes de Nogahla buscaram a permissão de Diná. Um rápido aceno fez com que a garota pegasse uma cesta de grãos.
O rosto de Sítis mostrou algum alívio e as três mulheres se sentaram perto da cesta central.
Nogahla e Diná pegaram um moinho manual e Sítis tirou o dela da mesa.
Nogahla colocou seu moinho no banquinho e se ajoelhou ao lado dele, enquanto Diná e Sítis sentaram no banco, como se as engenhocas fossem camelos de duas cabeças.
Nogahla sufocou uma risadinha e lançou uma xícara de grãos na gamela.
Enquanto empurrava a roda pesada firmemente na ranhura, os grãos eram esmagados de maneira uniforme.
Diná sorriu e seguiu o exemplo de Nogahla, ajoelhando-se e nivelando o moinho em seu banquinho.
Ela chamou a atenção de Sítis, e a senhora pareceu comovida com as instruções gentis da cuxita.
Em pouco tempo as três mulheres já trabalhavam juntas.
Elas foram acalmadas pelo ritmo pacífico do trabalho.
Sítis, falei com ...
Nada entrou pelas cortinas. Seu rosto ficou cinzento quando viu Diná.
Nada!
Sítis pulou, derramando metade da cevada do moinho.
Estou tão feliz que você voltou do mercado!
Sua voz era estridente e artificial.
Diná não tinha ideia do que Nada fizera pela manhã, mas aquelas mulheres eram péssimas mentirosas.
Diná cresceu em um acampamento de quatro imas: uma de sangue, irmã de sua ima e duas servas ciumentas.
Ela não tinha a menor intenção de se enredar por aquele caminho e decidiu que não queria saber onde a servia estivera.
Nada agarrou as mãos de Sítis e inspecionou as palmas das mãos.
Senhora.
Você está com bolhas!
O que você está fazendo?
Seus olhos se estreitaram acusadoramente para Diná.
Como você se atreve a pedir à dona desta casa para ajudá-la a moer grãos!
Diná abriu a boca para explicar, mas Sítis interveio.
Nada, todos precisamos trabalhar agora que nossos servos se foram.
Nada colocou os punhos cerrados na cintura.
Mas senhora, você não deveria...
Seu protesto foi mais uma vez interrompido, desta vez por Diná.
Senhora Sítis, tenho goma de yasmin em meus suprimentos para aliviar suas bolhas.
Ela olhou para Nada e Sítis tentando parecer mais confiante do que se sentia.
Não tive a chance de descarregar minha bagagem da caravana de Hebron. Posso pegar agora?
A cozinha ficou silenciosa.
Sítis inclinou a cabeça, avaliando Diná como se estivesse decidindo manter ou descartar um cobertor velho.
Sim, Diná, ela finalmente disse com voz controlada.
Seria o momento perfeito para você desempacotar suas coisas. Mandarei Nada para o seu quarto quando precisar de mais ajuda na cozinha.
Ela sorriu e um arrepio subiu nos braços de Diná.
Após a chegada de Nada, Sítis ficou estranha, como se uma cobra emergisse de sua pele.
Segurando o braço de Nogahla, Diná quase arrastou a garota da cozinha.
Os olhos da cuxita refletiam o pavor de Diná.
A senhora parecia que ia te comer no almoço.
Diná fez sinal para que Nogahla ficasse quieta. Elas passaram por um grande salão de banquetes cheio de mesas e banco de madeiras.
Flores secas decoravam as mesas, e o aroma de incenso enchia o ar.
Não sei por que a senhora Sítis nos mandou sair da cozinha, Nogahla, Mas nunca fiquei tão feliz em desfazer as malas.
Entre, Sayyid. Minha senhora está esperando por você.
Nada o encontrou no portão do pátio.
Sayyid inspecionou as barras de ferro hititas, um presente do primo comerciante de Jó, Zofar.
Preciso dizer aos bandidos para entrarem por esse portão, ele pensou enquanto olhava para as bugigangas de Jó e calculando seu valor.
As barras são de ferro, mas não têm fechaduras.
Nada, ele começou casualmente, como você pode se sentir segura se os portões ficam sempre destrancados?
A velha fugiu da pergunta com um aceno enquanto atravessavam sala de jantar dos mendigos e depois o grande salão de banquetes.
Mestre Jó nunca tranca nenhum dos portões, então os servos ...
Ela parou como se de repente tivesse lembrado de algo terrível.
Nossos servos costumavam ficar alertas a noite toda para dar pão aos necessitados. Todas as portas de Mestre Jó permanecem abertas.
Sua tristeza lentamente se transformou em afirmação.
Mestre Jó é um bom homem, Sayyid, mas você seria melhor para nossa Sítis.
Ela deu um breve aceno e continuou a conduzir Sayyid pelo palácio enquanto ele ponderava sobre a revelação de sua nova aliada.
A velha poderia ser de grande ajuda em sua busca pelo afeto de Sítis.
Nada o levou a um pátio privado cheio de vida.
Uma pequena fonte borbulhava e uma horta ostentava melões e lentilhas.
Cercada por um alto muro com oliveiras e arbustos floridos ao redor, uma figura solitária reclinava-se no centro do jardim, em um banco de pedra com almofadas vermelhas.
Sayyid podia ver apenas a silhueta de uma mulher - ombro, cintura e quadril, tremendo enquanto chorava.
Nada pigarreou alto para chamar a atenção.
Sayyid se aproximou silenciosamente.
Boa tarde, garota Sítis.
Ouvindo a voz dele, ela se sentou imediatamente, mas se manteve de costas para ele.
Sayyid, você não deve me chamar assim. Alguém pode ouvir.
Ela enxugou os olhos enquanto ele observava os contornos de suas omoplatas através do robe de linho.
Ele se aproximou e colocou as mãos em seus ombros.
Não há ninguém aqui, exceto Nada, e ela sabe que eu te amo - eu sempre te amei.
Sítis se livrou do seu toque e olhou para uma trepadeira na parede.
Há outros aqui que podem contar a Jó. Por favor, Sayyid, você deve ter cuidado.
Quem poderia estar aqui?
Ele tinha visto Jó e seus homens partirem pela manhã.
Eles cavalgaram em direção aos campos da morte de Jó.
Então ele se lembrou.
Ah, a bela moça e a serva cuxita que vi na sala de jantar ontem à noite.
Tudo bem, Sítis. Sinto muito.
Ele deu a volta e sentou-se.
Venha. Sente-se. Diga-me por que você me chamou.
Ela se virou e o coração dele se partiu.
Seus olhos estavam inchados de tanto chorar.
Oh, Sítis.
Sua voz saiu em um sussurro.
Ela levantou as mãos para acalmá-lo, e as bolhas em suas palmas o deixaram furioso.
Pelos deuses, eu mato Jó!
São apenas bolhas, Sayyid.
Sítis pressionou as mãos no peito dele, mas estremeceu e recuou.
Estava moendo grãos. Por favor, apenas ouça.
Ela se sentou ao lado dele.
Embalou suas mãos gentilmente, acariciando-as.
Ele só conseguia pensar em acabar com Jó.
Sítis seria protegida e sustentada. Ele daria a vida que ela merecia.
Conte-me tudo.
Ele fez uma pausa e beijou sua mão.
Ela recuou e olhou para a porta.
Sayyid soprou em seu pescoço e ela o olhou boquiaberta, assustada.
Sorrindo a atenção renovada, ele disse: Farei qualquer coisa que você pedir, minha Sítis, mas você precisa ouvir com atenção o que tenho a dizer.
Ele viu seu reflexo nos olhos dela e se perguntou se ela realmente o via.
Veria o rico e respeitado comerciante de Uz ou o filho do pobre fazendeiro de sua aldeia de infância?
Você finalmente se casaria se eu pedisse a você?
Ela sussurrou a pergunta
Sayyid riu, pensando que ela estava brincando. Mas a expressão ela era enigmática, suas emoções indecifráveis. Remorso? Esperança?
Depende. Se a esposa for você..., disse ele finalmente.
Jurei nunca me casar com outra mulher, garota Sítis.
Já disse para você não me chamar assim! ela gritou.
Por que você me tortura com nosso passado, Sayyid? Sou esposa de Jó há quarenta anos. E isso não vai mudar.
Sayyid explodiu de raiva.
Já te contei que Bela convenceu os anciãos da cidade que Jó é amaldiçoado pelos deuses?
Ele fez uma pausa, deixando suas palavras atingirem o alvo.
E você soube que nesta manhã os anciãos da cidade despojaram Jó da posição de juiz da cidade?
A arrogância de Sítis murchou e Sayyid reconheceu a nova emoção em seu rosto.
Seu rosto endurecido amoleceu.
Um sorriso discreto surgiu nos cantos de seus lábios.
Fui nomeado como novo ancião da cidade de Uz, ocupando a posição de Jó.
Você ocupou o lugar de Jó?
A voz de Sítis não tinha o menor vislumbre de esperança.
Você não poderia recusar se eu pedisse?
Sayyid apoiou o cotovelo no banco e roçou o rosto dela com a mão.
Por favor, Sayyid, disse ela, aproximando-se.
Você disse que faria qualquer coisa por mim.
Sayyid estudou a mulher que ele amara a vida toda.
Ele estava levando o relacionamento deles para um novo território, e uma estranha satisfação se instalou.
Sítis sempre esteve no controle.
Ela era a filha do príncipe e ele o filho do fazendeiro.
Quando crianças ela demonstrou algum sentimento por ele. Quando se mudou para Uz ela ofereceu novamente sua amizade.
Eu disse que faria qualquer coisa por você. E farei, garota Sítis.
Sayyid esperou por algum protesto.
Ninguém veio.
Mas o que você está disposta a fazer por mim em troca?
Ela se inclinou e gentilmente segurou seu rosto com a mão.
Estou disposto a ser sua amiga e oferecer a você uma linda esposa chamada Diná.
Seu toque inebriante suavizou a dor de sua rejeição.
Mas por que ela o rejeitou? E quem era essa tal Diná?
Ele reprimiu sua raiva com todas as forças.
E se o seu marido nunca recuperar sua riqueza e poder, garota Sítis? Você se contentará em viver como um mendigo ou se tornará minha segunda esposa?
Sítis afastou a mão e olhou furiosa para ele.
Ela respirou fundo, mas hesitou, estremecendo quando percebeu uma tempestade se formando.
Quando as palavras finalmente vieram, ela falou calmamente, como esperado da filha de um príncipe.
Meu marido recuperará sua riqueza e poder. Meu pedido é para seu próprio bem, Sayyid. Cure velhas feridas e mostre sua bondade em nossos momentos de necessidade.
Algum dia os homens se curvarão a Jó novamente, e quando esse dia chegar, ele poderá esmagá-lo ou abençoá-lo.
Com um sorriso malicioso, ela beijou o rosto de Sayyid.
Oferecer um dote por Diná o aproximará de Jó.
E posso garantir a você, meu amigo, que nunca serei a segunda esposa de ninguém.
Ahh...
O fogo do toque dela o deixou louco.
Sayyid a agarrou e a beijou com firmeza.
Ela lutou para se livrar de seu abraço, dando um tapa na cara dele.
Pare!
Ela estava abalada, sem fôlego.
Ele sorriu e esperou por mais palavras.
Ela permaneceu em silêncio, ofegando.
Esperarei por você um pouco mais, garota Sítis. Mas não vou esperar para sempre.
Com licença, Senhora Sítis e Mestre Sayyid.
Nada apareceu na porta acompanhado de uma linda mulher.
Nos perdoe pela interrupção.
Sayyid viu o olhar de reprovação da serva no momento em que ela viu o beijo deles.
Os olhos de Nada e a testa enrugada a fizeram se sentir como uma criança travessa.
Mas por que ele deveria esperar o divórcio para beijar os doces lábios de Sítis?
Quero apresentar a senhora Diná ao mestre Sayyid.
A loira estava vermelha como uma romã.
Sayyid se levantou e fez uma reverência, inspecionando a mulher enquanto ela caminhava atrás de Nada.
Ela deve ter visto ou ouvido parte de sua conversa com Sítis.
Sítis também se levantou e deu um passo em direção à jovem, estendendo a mão.
Diná, gostaria que conhecesse meu amigo Sayyid. A última vez que você viu Sayyid, foi em circunstâncias semelhantes.
A senhora persuadiu a moça a se sentar ao lado dela, mas Diná preferia beijar um camelo a encontrar Sayyid.
Por favor, Diná, Sítis quase implorou.
Olhe para mim.
A mulher hesitou, como se não obedecesse às ordens da dona da casa.
Hmm, Sayyid.
Ela não é obediente como uma serva.
Diná corajosamente encarou o olhar de Sítis.
Outro indicador de que ela não era uma serva.
Conhecerei seu amigo, senhora. Você não tem obrigação de explicar suas ações para mim.
Sayyid levantou uma sobrancelha, estudando aquela criatura interessante.
Diná, ele pensou, onde ouvi seu nome?
Você é bem elegante.
Ele talvez a tomasse como concubina quando tomasse o restante dos bens de Jó.
Ele fez uma pausa com o pensamento.
Por que Sítis insistiu tanto que ele se casasse com Diná?
Por que o casamento agradaria a Jó?
A tal Diná ocupa um lugar especial no coração de Jó, ou garota Sítis está só tentando se livrar dela?
O rubor do rosto de Diná diminuiu, mas suas bochechas ainda estavam rosadas.
Diná, Sayyid é um amigo de infância, Disse Sítis.
Ele é como um irmão para mim.
Sayyid se enfureceu por dentro, lançando um olhar severo para Sítis.
Ele voltou a olhar para Diná, notando seu desdém.
Você lê meus pensamentos, Senhora Diná.
A garota era esperta.
Ele riu enquanto Sítis tagarelava.
Sayyid, esta é Diná. Ela é filha de Jacó, irmão do Grande-Abba Esaú. Jó a trouxe para Uz para se casar ...
Oh... essa Diná!
Sayyid não ouviu nada além de filha de Jacó.
Ele estava hipnotizado com a presença da infame Diná, a pobre garota estuprada da tribo de Jacó, a assassina de Siquém.
Não é de admirar que os comerciantes tenham falado muito sobre ela nos últimos vinte anos.
Ela era extraordinária.
Sayyid se curvou com formalidade exagerada.
É um prazer conhecê-la, ele disse suavemente.
Como eu estava dizendo, Sayyid ...
Sítis continuou como se estivesse ensinando um aluno lento.
Jó trouxe Diná para Uz para se casar com nosso Ennon, por ordem do patriarca Isaque.
Desta vez Sayyid ouviu claramente, e a informação adoçou o mistério sobre Diná.
Sayyid voltou seu olhar para Sítis.
De repente, seu jogo perdeu o brilho.
Garota Sítis...
Ele tentou se recuperar antes de terminar a expressão familiar.
Senhora Sítis, ele disse, tentando retomar a formalidade, não consigo imaginar sua dor pela perda de seus filhos. Sinto muito.
A respiração de Sayyid parou quando Sítis estendeu a mão e tocou seu rosto com ternura.
Obrigado, meu amigo, disse ela.
Sei que você fará tudo o que puder para nos ajudar.
10
Jó 2:1, 3-7
Num outro dia...
Disse então o Senhor a Satanás: Reparou em meu servo Jó? Ele se mantém íntegro, apesar de você me haver instigado contra ele para arruiná-lo sem motivo.Pele por pele!, respondeu Satanás.
Estende a tua mão e fere a sua carne e os seus ossos, e com certeza ele te amaldiçoará na tua face. O Senhor disse a Satanás: Pois bem, ele está nas suas mãos; apenas poupe a vida dele. Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor e afligiu Jó com feridas terríveis, da sola dos pés ao alto da cabeça.
A noite chegou e a paciência de Diná se esgotou.
Examinando a cozinha, ela se perguntou novamente o que ela e Nogahla fariam para ocupar o tempo.
Após o encontro perturbador com Sayyid, ela fugiu para a cozinha e encontrou Nogahla sovando massa de pão.
Diná se lembrou da menção de Sítis aos fornos públicos, e as duas sairam de casa com cestos de massa para explorar Uz.
Quando voltaram com pão quente, a casa estava quieta como uma tumba.
Elas assaram o pão suficiente e moeram todo o trigo e cevada.
Sem mais o que fazer, elas ficaram ociosas.
Senhora, por que as mulheres nos fornos fugiram quando descobriram que morávamos na casa de Mestre Jó?
Os olhos de Nogahla estavam distantes. Seus pensamentos obviamente reviviam a cena da tarde.
Os ismaelitas acreditam que Mestre Jó foi amaldiçoado por suas deusas. E os edomitas acreditam que ele é amaldiçoado pelo Senhor ou pelo deus da montanha, Kaus. Todos, de alguma forma, acreditam que algum deus esteja punindo Jó e atacará qualquer um que se associe a ele ou sua família.
Nogahla absorveu as palavras como um pano macio.
Ela se inclinou sobre uma das mesas, apoiando o queixo na mão.
Pegou uma uva no prato e chupou.
Diná riu da forma divertida com que Nogahla mastigou a pequena fruta. Da mesma forma que ela deve ter mastigado os eventos da tarde.
Por que você acha que a viúva Orma não fugiu? Ela não acredita nos deuses?
Diná também pegou uma uva na bandeja e considerou sua resposta.
Ela e Nogahla haviam se aproximado das servas que estavam nos fornos.
Ondas de calor subiam das aberturas superiores e laterais, enquanto fofocas e mãos ocupadas uniam as mulheres.
Quando descobriram que Diná e Nogahla pertenciam à casa de Jó, entretanto, a cena foi interrompida.
Em meio a gritos e confusão, a viúva Orma permaneceu no tapete de junco, com um olhar de consternação.
Que tolice! ela dissera, e então fez sinal para que Nogahla e Diná se aproximassem, para que ela não tivesse que gritar.
O mestre Jó sempre me deu espaço na mesa das viúvas. Pelo menos eu posso ensinar suas convidadas a assar pão.
Ela passou o resto da tarde ensinando como usar os fornos.
Diná suspirou com a memória e foi trazida de volta com o barulho de Nogahla.
Outra uva encontrou sua boca enquanto ela falava.
Então, o que você acha, senhora? Por que a viúva nos ajudou hoje?
De olho na amiga, Diná viu uma faísca de desafio.
Por que você acha que a viúva Orma nos ajudou, Nogahla?
A pequena cuxita provou ser um poço de sabedoria.
Acho mais fácil saber por que as pessoas fazem coisas ruins do que entender o verdadeiro significado de atos bondosos.
Antes que Diná pudesse comentar sobre o insight de Nogahla, a garota perguntou: Você acha que Nada vai ficar com raiva por termos dado um pouco do pão para a viúva Orma? Eu poderia sacrificar minha parte se você achar que aquela gralha velha ficará irritada.
A testa franzida de Nogahla indicava que ela havia pensado bem no assunto.
Enquanto esperava a resposta de Diná, ela reorganizou as uvas para esconder os espaços.
Diná tentou conter o riso pressionando os lábios.
Ela sentiu a mesma animosidade em relação a Nada, mas não quis demonstrar.
Nogahla, devemos ser respeitosos com a serva de Sítis.
Mas depois de passar uma tarde adorável com a viúva de bom coração, ela não se importaria que Nada comesse seus pães.
A viúva Orma tinha contado histórias comoventes sobre a família de Jó e a seguir arrematou: Depois de todas as coisas boas que o Mestre Jó fez, nenhuma pessoa em Uz está disposta a ajudá-lo.
Olhando para os oito pães empilhados sobre a mesa, Diná inclinou o queixo de Nogahla para encarar.
Você não vai abrir mão de nenhuma porção, minha amiga. Talvez o cheiro deste pão quente o coração de Nada.
Os olhos de Nogahla brilharam com malícia.
Não, senhora. Nada vai ficar brava, mas estou feliz por termos dado o pão à viúva Orma.
Diná assentiu e novamente estudou os cantos da cozinha, procurando alguma inspiração para ocupar suas mãos e mentes.
Pelo menos descarregamos as ervas e unguentos. Posso tratar as bolhas nas mãos da senhora Sítis se ela quiser.
O que faremos até lá?
Nogahla estava sentada num banquinho de madeira.
Diná olhou para o pátio da cozinha.
Sem cabras para ordenhar, legumes para limpar, carne para preparar.
Ela olhou para a pilha de cinzas com uma mistura de tristeza e encanto.
No canto, além da pilha de lixo, ela notou um fuso quebrado.
Nogahla! ela disse, batendo palmas e assustando a garota.
Vamos explorar! Vamos procurar lã e fusos.
Seu entusiasmo foi recebido com o aceno de Nogahla.
A luz da tarde lançava sombras contra as paredes do pátio.
Venha, Nogahla, está escurecendo. Mestre Jó, Eliú e os demais estarão com fome quando voltarem dos campos. Precisamos deixar frutas, queijo e azeitonas no refeitório para eles.
Ela entregou a bandeja a Nogahla. Juntou uma jarra de vinho com mel com quatro xícaras de barro.
Depois encontraremos algo para nos manter ocupadas.
A brisa do crepúsculo agitou o mar de linho no quarto de Sítis.
O abraço de Nada parecia tão seguro como quando Sítis era criança.
Não tenho pesadelos desde a morte de ima, quando eu tinha cinco anos.
Sítis fechou os olhos relembrando.
Foi só um sonho, senhora.
Nada alisou seu cabelo, acalmando-a.
Só um sonho.
Algum dia vamos acordar desse sonho, Nada? Al-Lat restaurará a riqueza de Jó? Al-Uzza abrirá meu ventre? Meu marido e eu seremos felizes novamente?
Você vai acordar, minha Sítis.
Nada apoiou a mão no rosto de Sítis, inclinando a cabeça e procurando sua expressão.
O que mais está te incomodando?
Uma nova onda de lágrimas surgiu.
Oh, Nada. Pensei que Sayyid faria qualquer coisa por mim.
Ele sempre foi tão gentil e generoso. Eu nem reconheci o homem que me visitou hoje.
Fungando ruidosamente, ela usou o avental da serva como lenço.
Ele disse que se eu o obrigasse a casar com Diná e Jó não recuperasse sua riqueza, ele me tomaria como sua segunda esposa.
O pensamento transformou a tristeza de Sítis em fúria.
Ahh! Você é capaz de imaginar, Nada? Eu, uma segunda esposa?
Ela bateu no colchão com os punhos cerrados e se sentou, desafiando Nada a discordar.
Não, minha Sítis, não consigo imaginar você como segunda esposa.
Sítis pensou ter visto um sorriso antes de Nada abaixar a cabeça.
Não se atreva a rir, velha!
Lágrimas de mágoa e raiva explodiram.
Como Nada poderia rir o mundo de Sítis desmoronava de uma só vez?
Não, não, não, minha menina, Nada emendou, estendendo a mão para enxugar as lágrimas no rosto de Sítis.
Você entendeu errado. Você sabe que eu te amo mais do que a própria vida.
A serva a abraçou com força.
Se Mestre Jó não recuperar sua riqueza, a proposta de casamento de Sayyid é uma oferta gentil e generosa. Ele estaria salvando você de uma vida de vergonha, garota Sítis.
Como você pode pensar assim depois do que ele fez hoje? Nunca vi aquele lado perverso e egoísta de Sayyid.
Nada soltou Sítis e a desafiou com um olhar severo.
Você machucou Sayyid hoje. Ele veio aqui na esperança de conquistar seu coração e torna-la sua esposa.
O quê?
Sítis não conseguia respirar.
Ele disse isso quando você deu meu recado mais cedo?
O sangue fugiu de seu rosto e o coração disparou.
Nada, por que você não me avisou? Por que você não disse a ele que eu amo Jó?
De repente, Nada ficou imóvel.
Você realmente ama Jó?
Ela levantou uma sobrancelha como se soubesse a resposta. Desafiando Sítis a dizer a verdade.
Nada! É claro que eu amo Jó. Ele é meu marido.
O silêncio persistente esvaziou o poder de sua declaração. O olhar inabalável de Nada enervou Sítis.
Eu amo Jó?
Ela sabia que não era capaz de seguir o padrão de amor de Jó. Afinal, ninguém era tão altruísta quanto seu marido.
Alguma vez amei alguém de forma tão sacrificial?
Ela amava seus filhos, é claro.
Mas foi Nada que cuidou deles quando ficaram doentes e foi a disciplina sábia e bondosa de Jó que os guiou pela vida.
Quando discutia com seus entes queridos, Sítis rompia as relações afetivas até que eles concordassem com ela. Ou ignorava a disputa, fingindo que estava tudo bem.
Ela havia amado alguém em tempos de dificuldade sem fazer birra?
Seus olhos não conseguiam encarar Nada.
Não sei se sou capaz de amar, ela chorou enquanto se derretia nos braços da serva outra vez.
Meu coração parece um saco cheio de buracos... sem nenhuma utilidade. E se eu não for capaz de amar, Nada?
A velha a segurou com força.
Você aprenderá a amar, minha Sítis. Toda criança nasce com esta habilidade.
Sítis sentiu as lágrimas de Nada em seu cabelo.
Nossos corações esquecem à medida que envelhecemos. Precisamos reaprender as lições do amor que conhecemos quando criança.
Mas como eu faço isto, Nada? E se Al-Uzza, a poderosa deusa, não abrir meu ventre? E se Al-Lat nunca restaurar a fortuna de Jó? E se Manat já decidiu meu destino e se recusar a ceder?
Já chega. Chega dessa conversa de 'Se', menina Sítis.
Nada se sentou e segurou o rosto de Sítis.
Me escute. Precisamos orar agora mesmo para nossas deusas.
Ela correu para o armário esculpido na parede de pedra.
Nossas orações são mais poderosas se forem feitas a estrela da noite de Al-Lat antes do pôr do sol.
Ela pegou a preciosa cesta contendo o cubo sagrado e os ídolos e colocou na cama.
As mulheres começaram seu ritual familiar.
Nada desembrulhou cuidadosamente cada uma das imagens e encheu um braseiro de cobre com incenso e ervas com cheiro doce.
Sítis pegou uma pequena jarra e um pote de grãos escondidos sob a cama.
As mulheres caminharam para a varanda de onde o aroma de incenso subia com suas orações.
Após um olhar final para conferir a ausência de Jó, as mulheres começaram sua cerimônia secreta.
Senhora.
Nada fez um gesto para Sítis se ajoelhar na almofada.
A serva se ajoelhou ao lado dela e liderou o canto.
Al-Uzza, deusa da vida, riqueza e poder, oferecemos a você...
De repente, uma batida na porta, seguida pela voz de uma jovem mulher no quarto atrás delas.
Olá? Tem alguém aqui?
Sítis estava de pé de braços abertos.
O que você está fazendo no meu quarto...
Tarde demais para se esconder.
Diná e Nogahla estavam de olhos arregalados e boca aberta, olhando para o ritual diante delas.
O rosto de Jó brilhou na mente de Sítis.
O choque e o horror no rosto das mulheres refletiam a reação do marido.
Sinto muito, Diná disse.
Pensamos que era apenas um quarto vazio.
Os braços de Sítis caíram e sua cabeça tombou para a frente de vergonha.
Nada ficou de pé e agitou os braços como uma galinha zangada.
Saiam! Saiam do quarto da senhora Sítis! Quanto atrevimento!
Sítis levantou a cabeça e as viu saindo.
Não, espere.
Ela não tinha forças para equiparar a voz de Nada, mas as mulheres ouviram.
Volte Diná. Eu quero explicar.
A moça se virou e sua expressão surpreendeu Sítis.
Em vez de julgamento e ódio, ela viu compaixão nos olhos de Diná.
Como eu disse home pela manhã, senhora, você não me deve nenhuma explicação.
Diná curvou-se graciosamente.
Por favor, nos perdoe. Não tínhamos ideia de que essa era seu quarto. Nogahla e eu estávamos procurando algo para nos ocupar.
Vocês estavam espionando!
A voz de Nada era estridente e acusadora.
Quanto atrevimento. Mestre Jó abre sua casa para você, e no minuto em que ele sai, você vasculha sua casa.
A raiva de Diná aumentou.
Estávamos procurando algo para ocupar nosso tempo. A senhora Sítis não me chamou para cuidar de suas mãos, nem sua serva deu instruções para ajudar nas tarefas de casa!
Bem, deixe-me instruí-la agora, sua ingrata...
Nada! Já chega!
Sítis nunca tinha visto Nada agir de maneira tão desrespeitosa. Pensando bem, nunca havia visto alguém desafiar Nada como Diná.
Jó não aprovaria qualquer desrespeito a um convidado em sua casa.
Voltando-se para Diná, ela disse: No entanto, parece que sua posição nesta casa é um mistério. Você não é hóspede nem servo, então ...
Sua voz falhou e sua mente rodou.
Ela queria explicar que Nada estava apenas tentando protegê-la?
Então ela percebeu uma distração. Uma pequena cesta no braço de Diná.
Posso perguntar o que tem na sua cesta?
Ela se esforçava para oferecer paz, embora não tivesse certeza do porquê ou se realmente queria isso.
Diná deu um passo para frente, esperançosa.
Trouxe alguns dos meus suprimentos para enfaixar suas mãos.
Lançando um olhar para Nada, ela confessou: Tínhamos esperança de encontrar seu quarto em algum momento.
Então você não estava espionando. Estava me procurando.
Sítis não sabia se se sentia ofendida ou satisfeita.
Ela tentou se colocar, por um minuto, na situação de Diná.
Aquela jovem tinha quase a mesma idade que seu filho Ennon. Sozinha em uma terra estranha, cercada por pessoas hostis, com futuro incerto.
Pela primeira vez a senhora senhriu alguma empatia pela garota. Ela se perguntou se o amável e amoroso amigo Sayyid poderia ser realmente feliz com aquela jovem esposa.
Diná precisava de um lar, e Sayyid precisava de uma boa mulher.
De repente ela se sentiu determinada em ver Sayyid casado com Diná, não porque isso se encaixava em algum plano, mas porque era o melhor para Diná e Sayyid.
Sente-se comigo na cama, querida.
Sítis deu um tapinha no colchão macio e Nada se afastou, franzindo a testa quando Diná passou.
A serva cuxita parecia uma corça assustada, e Sítis riu, imaginando se a garota sairia do quarto.
Peça para sua serva voltar para o quarto ou esperar na minha antequarto, se quiser.
Antes que Diná pudesse dar sua opinião, Nada deu a ordem.
A garota vai esperar lá fora, senhora.
Nada bufou, cruzando os braços sobre o peito como uma sentinela.
Por que você não volta para a nosso quarto, Nogahla, Diná disse.
Você ficará mais confortável lá.
Diná sorriu quando a cuxita passou por Nada.
Sítis assistiu, fascinada, a disputa entre sua amiga de longa data e a filha de Jacó.
As duas pareciam envolvidas em uma espécie de competição. Sítis percebeu que precisava obter uma paz duradoura em sua casa.
Você realmente ama sua serva, não é? Sítis disse enquanto segurava o braço de Diná.
A jovem encarou seu olhar, sorrindo facilmente.
Da mesma forma que você ama Nada. Ela é mais do que uma serva. Ela é minha amiga.
Diná parou e olhou para Nada enquanto tirava um rolo de atadura da cesta.
E espero que Nogahla seja tratada com respeito.
Nada ergueu o rosto e Sítis lançou um olhar reprovador.
Da mesma forma que desejo que Nada seja tratada com respeito.
Sítis ofereceu a mão a Diná, esperando a jovem encarar novamente.
Sítis deixou seus olhos transmitirem uma reprimenda silenciosa.
Concordo.
Diná deu um sorriso penitente.
Ela segurou a mão cheia de bolhas de Sítis e Nada deu um passo à frente.
Sítis advertiu com o olhar, e a jovem prosseguiu.
Coloque sua mão no meu colo, palma para cima, assim.
Vou aplicar um pouco de goma-yasmin antes de fechar o curativo...
Nogahla entrou pela porta.
Ouvi Mestre Jó no refeitório! Ele está subindo as escadas.
O coração de Sítis saltou após trocar um olhar de pânico com Nada.
Guarde as deusas.
Ela fez uma pausa.
Não, espere! Tarde demais.
Não seria possível esconder as deusas se ele viesse diretamente para o quarto dela.
Diná segurou os ombros de Sítis.
Peça Nada para levar Nogahla até a ante-sala. Diga a Jó que ele não pode entrar até que eu termine de enfaixar suas mãos.
Diná instruiu Nada.
Diga a ele que as mãos de Sítis estão com bolhas e eu preciso de privacidade para me concentrar em suas feridas.
Nada hesitou, olhando para Sítis em busca de aprovação.
Vá! Faça o que ela diz, Disse Sítis.
As servas saíram correndo do quarto, fechando a pesada porta atrás de si.
Sítis tentou correr para a varanda para esconder as deusas, mas Diná a segurou firmemente na cama.
Senhora.
Senhora, disse Diná, não está na hora de parar de enganar seu marido?
Os olhos da garota, cheios de lágrimas, pediram que ela fizesse a coisa certa.
Sítis desviou o olhar.
Não consigo. Ele vai me mandar embora.
O que eu faço, Diná?
Jó não vai manda-la embora, senhora. Nós duas sabemos disso.
Ela olhou para cima, surpresa com o quanto ela sabia sobre sua vida.
Como você pode ter tanta certeza? Você não nos conhece. Não conhece nossas vidas.
Ela queria ficar com raiva da garota, mas a bondade nos olhos de Diná partiu seu coração.
Eu sei que seu marido acredita em um Deus que perdoa a todos por tudo, se eles simplesmente pedirem a Ele.
Sítis se virou.
Por que eu acreditaria em algum deus?
Nenhum deles me livrou dessa dor.
Diná, não me peça para confiar em El Shaddai. Você não sabe o que eu sofri nas mãos dEle.
Sítis sentiu a mão trêmula no rosto e encarou o olhar terno de Diná.
Não sei o que você sofreu nas mãos dEle, mas sei o que você sofreu sem o conforto dEle. Sinto muito por você, senhora.
As mulheres se endireitaram ao som da voz de Jó do lado de fora da porta.
Preciso ver minha esposa, Nada.
Ele parecia cansado, mas decidido.
Não irei ajudá-la a enganar Jó, Diná sussurrou para Sítis.
Se quiser esconder os ídolos, você terá que fazer o trabalho sozinha. Mas também não vou contar o que vi.
Sítis respirou aliviada e correu para a varanda para resgatar as deusas.
Colocou dentro do cubo e jogou debaixo da cama.
Sem fôlego e com pouco tempo, ela pulou no colchão e ergueu as mãos para Diná fazer o curativo.
Rápido, por favor! Ele está ficando impaciente.
Não se mexa.
Sítis fez uma careta, mas decidiu permitir a impertinência de Diná depois de todas as outras gentilezas.
Eu disse que preciso ver minha esposa, Nada!
Jó entrou, afastando os lenços de linho para o lado ao mesmo tempo que Diná terminava o último curativo.
Tão chocado quanto o resto dos presentes, Jó gaguejou: Oh, Diná. Você está enfaixando as mãos da minha esposa.
Como eu disse.
Nada não precisou fingir sua frustração.
Jó! Você cheira a morte!
Sítis disse enquanto ela e Diná cobriam o nariz.
No momento em que disse isso, o rosto pareceu ferido e uma punhalada de arrependimento partiu o coração de Sítis.
Ela não considerou tudo que ele havia passado naquele dia. A morte que encontrou nos campos.
Sítis percebeu que normalmente não consideva os sentimentos do marido.
Chocada e inspirada pela própria falta de sensibilidade, ela se dirigiu às outras mulheres.
Vocês nos dão licença? Meu marido e eu precisamos conversar sobre seu dia difícil.
É claro.
Diná fez uma reverência e guiou Nogahla para fora da sala.
Nada fechou a porta com um sorriso de autoridade sobre Jó.
Sua batalha épica sem dúvida continuaria.
Jó sentou-se ao lado da cama de Sítis.
Ele estava sujo, fedorento e sozinho.
Tudo nela queria gritar para ele tomar um banho.
Ela nunca suportou bem odores.
Mesmo quando era criança, Atif e Nada enchiam sua tenda com incenso quando o vento trazia o cheiro do estábulo.
Talvez amar um marido fedorento que honrava o mandamento de não tomar banho durante os sete dias de luto fosse o início do seu sacrifício.
Ela engoliu a saliva acumulada na boca.
Diga-me, marido, os campos eram tão horríveis quanto você temia?
Ela deu um tapinha na cama, indicando um lugar macio ao lado dela.
Jó ergueu uma sobrancelha.
Minhas roupas estão saturadas com o cheiro da morte, embora não tenha tocado em nenhum corpo. Tem certeza que me quer na sua cama?
Ele colocou a mão na colcha fina.
Não, disse ela, observando o sorriso dele desaparecer.
Ela bateu na cama novamente.
Estou te convidando para a minha cama.
O alívio em suas feições tornou o odor tolerável.
Ele caiu na cama ao lado dela, exausto.
A náusea foi tanta que ela agradeceu por não ter comido nada desde o café da manhã.
Engolindo de novo, ela se concentrou nos olhos dele.
Diga-me o que encontrou nos campos.
Ele carinhosamente colocou a mão na perna dela, e ela instintivamente se encolheu.
A sujeira em suas mãos e em torno de suas unhas mancharia seu robe de linho fino.
Desculpe, disse ele, começando a se afastar.
Ela percebeu o abismo entre a elegância dela e a sujeira dele. Tomou sua mão e limpou em suas roupas.
Seus olhos turvaram e ele olhou para ela com desejo.
Eu te amo, ela pensou. Mas não tenho conseguido demonstrar bem nos últimos tempos.
É bem pior do que esperávamos, Sítis. Centenas de nossos servos; homens, mulheres e crianças. Suas famílias se recusam a tocar nos cadáveres por medo da vingança dos deuses. Eliú, Shobal, Lotan e eu tentamos jogar terra sobre os corpos, mas não conseguimos nem começar. Iremos desenterrar a casa de Ennon e levar os corpos de nossos filhos para o túmulo da família amanhã.
Sítis ouviu enquanto Jó descrevia os horrores que vira.
Ele a segurou e eles choraram por todos os filhos perdidos de Uz.
Eles acabaram adormecendo nos braços um do outro. Sujeira e o fedor eram parte de sua experiência compartilhada agora.
Sítis voltou a dormir, consciente do canto matinal dos pássaros.
Com os olhos ainda fechados, ela sentiu a escuridão cedendo aos primeiros raios do amanhecer. No mesmo momento Jó ofegou ao lado dela.
Um sorriso preguiçoso apareceu em seus lábios enquanto ela se perguntava por que seu marido começou a roncar.
Ela rolou na direção dele e deixou o braço cair sobre o peito forte e largo.
O silêncio foi rompido por um grito de sangue.
Sítis ficou em pé, encarando o marido paralisado pela dor, coberto de feridas.
Pelos deuses, Jó! O que aconteceu com você?
A brisa leve misturou o odor podre do campo da morte com um novo cheiro apodrecido de suas feridas.
Sítis se virou e vomitou no chão.
Limpando o rosto, ela olhou para Jó.
Ele estava tremendo.
Incapaz de falar, ele começou a grunhir e buscar o ar.
Ela afastou a repulsa, mas foi dominada pelo medo.
Os anciãos da cidade haviam despojado Jó e Sítis se perguntou quem poderia tratar as feridas de Jó.
Nenhum médico se aproximaria deles.
E então ela sentiu o cheiro.
A pomada de goma-yasmin em sua mão enfaixada.
Diná!
Sítis gritou.
Diná!
Ela escorregou da cama e correu pelo corredor, sem saber em qual quarto a moça dormia.
Diná, pegue seus remédios! Venha rápido! Meu marido está morrendo!
11
Jó 30: 13-15
Conseguem destruir-me sem a ajuda de ninguém.
Avançam como através de uma grande brecha; arrojam-se entre as ruínas.
Pavores apoderam-se de mim; a minha dignidade é levada como pelo vento, a minha segurança se desfaz como nuvem.
Eliú estava sentado no meio do altar sagrado de Jó, no brilho precoce da silêncio antes do amanhecer.
O frio noturno do deserto era cruel. Seus dentes batendo cantaram uma melodia para o cobertor em seu quarto.
Quando chegou à casa de Jó aos doze anos, Eliú temia a escalada antes do amanhecer de seu quarto no quarto andar todas as manhãs.
O quarto de Abba Jó ficava próximo ao de Eliú, e eles freqentemente subiam as escadas juntos.
Quatrocentos e trinta e dois degraus estreitos, esculpidos em pedra, de paredes íngremes, levavam a um imenso terraço no topo da montanha.
Quando adolescente, ele achava que subir na torre era um incômodo.
Quando adulto, ele encarava como uma maravilha, a porta de entrada para o lugar mais sagrado. O único lugar na terra onde ele sentia que Senhor realmente ouvia suas orações.
Naquela manhã eles não tinham nenhum animal para o sacrifício, mas Abba Jó sem dúvida chegaria cedo para as orações.
Os pastores provavelmente se juntariam a ele.
Diná também viria?
Ele olhou para o céu enquanto esfregava a cabeça raspada, tentando se concentrar no milagre das maravilhas de Deus e se esquecer um pouco dos mistério do plano de Deus.
Na noite passada ele não conseguiu dormir. Também não conseguiu comer depois de chegar dos campos da morte.
As palavras de Jó era mais perturbadoras que o cheiro das suas vestes.
Talvez o Altíssimo tenha trazido você e Diná para minha casa com um propósito maior do que imaginávamos.
Eliú bateu na testa com a palma da mão.
Com que propósito, Abba? ele perguntou.
A ingenuidade de Eliú o colocou em um círculo sem sentido.
Ele ficou intrigado quando Abba Jó ergueu as sobrancelhas, dando ao aluno um momento para entender as implicações.
El Shaddai, se é Tua vontade que eu me case com Diná, por que isso não me ocorreu antes?
Por que ainda amo Uzahmah?
Eliú lutou contra as lágrimas.
Suas emoções haviam tomado conta dele desde a noite das tragédias.
Ele não poderia deixar aquilo acontecer novamente.
Ele precisava ser forte para Abba Jó e Ima Sítis.
Mas seria fraqueza chorar por Uzahmah?
Seria fraqueza duvidar de que poderia amar uma mulher como Diná?
Ela era bonita e sua devoção a El Shaddai parecia genuína.
Mas seu passado mancharia para sempre o homem que se casasse com ela.
Eliú poderia viver com aquelas perguntas pelo resto da vida?
Ele estava tão certo de sua inocência quanto Abba Jó?
Poderia ele defender Diná publicamente quando tantos por tanto tempo a acusaram?
De repente, ele se distraiu com o movimento no vale abaixo.
Eliú se agachou, e correu para a beira do penhasco.
Durante a madrugada ele observou vários homens trazendo animais de carga para o pátio de Jó.
Assustado, ele percebeu enquanto outros homens abriam uma brecha e entraram na casa!
Seu coração bateu forte.
Quem derrubaria a parede se os portões estavam destrancados?
Que mal eles estavam tramando e como ele poderia impedi-los?
Se ele descesse rapidamente os penhascos, poderia acordar Shobal e Lotan nos estábulos.
Eles poderiam encontrar as espadas embaladas na caravana de Hebron.
Mas como três homens poderiam lutar com cinquenta?
Ele precisaria levar Jó e as mulheres para um local seguro primeiro!
Uma figura sombria estava em pé no portão principal, posicionando guardas em todas as saídas da casa.
Quem é você?
Eliú pensou.
O homem se virou ligeiramente, e os primeiros raios do amanhecer revelaram o rosto do capitão de Sayyid.
A mente de Eliú disparou.
Uzahmah já havia mencionado a tensão entre Sayyid e seu abba, mas Eliú não conseguia imaginar o amigo de Ima Sítis planejando um ataque ao seu vizinho.
Mas os fatos estavam diante dele.
Sayyid não espirrava sem que seu capitão se oferecesse para limpar seu nariz.
Eliú devia agir rapidamente para impedir os planos de Sayyid.
Eliú desceu os degraus da escada da torre dois a três drgraus de cada vez.
Seu coração batia forte. Sua respiração era forte e rápida.
Preciso chegar às mulheres a tempo.
Eles atacarão as mulheres primeiro.
Finalmente, chegando ao último degrau, ele abriu a pesada porta de madeira e percebeu uma mulher gritando.
Tarde demais?
Ele correu ainda mais rápido e escorregou no corredor do quarto andar, quase caindo de cabeça nos degraus restantes.
Então ele viu Ima Sítis gritando enquanto corria pelo corredor em trajes de sono.
Diná, onde você está?
Ela estava correndo de porta em porta.
Ima Sítis, silêncio!
Eliú meio sussurrou, meio gritou.
Ela se virou, obviamente o ouvindo, e a seguir disparou na direção oposta.
Ima, o que vocês estão fazendo? Vocês precisam ir.
Nada saiu de uma quarto no terceiro andar, derrubando Eliú no chão.
O que há de errado, minha Sítis? ela perguntou.
Eliú se recuperou e fez sinal para que ela ficasse quieta, mas ela o ignorou.
Ao som da voz de Nada, Sítis se virou.
Preciso encontrar Diná! Jó está coberto de feridas. Ele não consegue falar, de tanta dor. Ajude-me a encontrar Diná.
Por aqui.
Nada disse.
Eles prosseguiram pelo corredor, Eliú implorando atrás deles.
Ima Sítis, Nada, volte!
Exausto, ele se perguntou se tinha se tornado invisível.
Senhora.
Diná surgiu de uma porta no corredor. A pequena serva cuxita espiava ao lado dela.
Não temos tempo para isso!
Eliú explodiu, seu sussurro esquecido.
A essa altura, os bandidos tinham ouvido os gritos das mulheres.
Ima Sítis, todas vocês, não façam perguntas. Apenas me sigam. Agora!
Sua voz profunda e ressonante ecoou nas paredes.
Não fale assim comigo, jovem. Meu marido está doente!
Sítis disse, batendo o pé.
Nada colocou o punho no quadril, se preparando para repreender alguém, mas confusa sobre onde começar.
Ahh...
Eliú levantou Sítis nos braços, surpreendendo a todos, inclusive a si próprio.
Eu disse agora!
Resgataremos Abba Jó no caminho.
Eliú, me ponha no chão!
Sítis chutou as pernas dele.
Sou muito pesada para você carregar. Me ponha no chão! Jó precisa dos remédios de Diná!
Eliú cerrou os dentes, frustrado e confuso.
Ima, podemos cuidar das feridas de Abba Jó depois, ele sussurrou.
Alguns homens estão entrando em sua casa e selando as saídas.
Precisamos chegar ao altar do topo da montanha.
Sítis parou de chutar e seu rosto registrou a preocupação de Eliú.
Temos que subir as escadas da torre e escapar pelo caminho da montanha, disse ele, mais gentilmente agora que o medo marcava suas feições.
Mas Jó está com muita dor, disse ela.
Ele não vai conseguir.
Sítis olhou por cima do ombro de Eliú e começou a se debater novamente.
Pare! Diná está voltando para seu quarto. Ponha-me no chão, Eliú.
Ele quase a deixou cair, mas conseguiu coloca-la suavemente no chão.
Nada e eu iremos ao meu quarto e ajudaremos Jó a ficar de pé, disse ela, mas você precisa buscar Diná ou Jó morrerá.
Nogahla, rápido,
Diná disse, enquanto pegava os dois cestos de ervas e infusões.
Pegue esta cesta e eu irei pegar a colcha de linho para fazer as bandagens. Ouvi a senhora Sítis dizer que Jó tem feridas e precisa de remédios, então vamos pegar tudo o que temos e esperar que seja suficiente.
Nogahla já estava caminhando em direção à porta quando Eliú chegou em pânico.
Rápido! ele disse, e de repente parou.
Diná ouviu risadas e sons de cerâmica quebrada vindo dos andares abaixo.
Eliú sussurrou: Não dá tempo para trazer os suprimentos!
Ele os conduziu pelo corredor em direção ao quarto de Sítis.
Estou trazendo alguns remédios,
Eliú escolheu ignorar ou não ouviu.
Ele apagou as lâmpadas do corredor, deixando Nogahla e Diná seguirem em uma trilha quase escura.
Nogahla começou a choramingar e Diná a cutucou.
Sem choro!
As palavras eram familiares entre as mulheres, provocando sorrisos trêmulos.
Diná deu o mesmo aviso quando elas montaram o camelo através do Siq.
Nogahla tinha sido corajosa na época, mas dessa vez acrescentou um pouco de humor.
Não ficamos muito tempo na casa do Mestre Jó, senhora. Ainda bem que não desfizemos as malas.
Diná sorriu e a cutucou uma segunda vez.
Nogahla a recompensou com um sorriso brilhante que iluminou o corredor escuro.
Shh!
Eliú repreendeu e olhou para trás.
Diná ergueu uma sobrancelha, convencida de que o sibilo de Eliú fazia mais barulho do que seus sussurros silenciosos.
As tensões eram altas, mas ele era bem sério para sua idade.
Sua cabeça recém-raspada lhe dava a aparência de um homem que se aproximava dos quarenta anos, mas Sítis disse que ele completaria trinta anos antes de se casar com Uzahmah.
Nogahla estendeu a mão, procurando conforto, e Diná pegou a mão dela.
Está tudo bem.Estamos quase no quarto da Senhora Sítis.
Eliú suspirou e encarou Diná.
Pedi que ficassem quietas porque estou tentando nos tirar daqui vivos. Se quiser ser minha esposa, você deve aprender a ouvir minhas palavras.
Sem um aceno de cabeça, ele deslizou através dos véus de linho do quarto de Sítis.
Diná congelou.
Nogahla virou-se para encará-la. Diná viu apenas os olhos arregalados de Nogahla, brilhando como lua cheia.
Senhora, ele disse que você ia ser sua esposa? Quando ele achou tempo para gostar de você?
Diná mal conseguia respirar e, como sempre, as palavras inocentes de Nogahla resumiram a verdade.
Ela tinha visto Eliú pela primeira vez ontem, no altar.
Suas únicas palavras foram irritadas, seus olhares embaraçosos.
O que aconteceu que o fez pensar ...
Nogahla, entre. Precisamos ajudar o Mestre Jó.
Diná espiou mais uma vez no corredor escuro atrás dela.
Ela não sabia se seu coração estava acelerado com a ameaça do perigo ou com o pensamento de se casar com um garoto que obviamente não gostava dela.
Ela se virou para entrar na quarto, mas foi recebida com uma visão medonha.
O corpo de Jó se contorcia de dor, seu rosto e mãos cobertos de feridas.
A queimadura de sua carne era implacável.
Embriagado pela dor, Jó orava pela morte.
Sua consciência miserável flutuava.
Primeiro veio o grito de Sítis, e então ele estava sozinho.
Suas lembranças seguintes tinham percepções distorcidas da escuridão, agonia e terror.
Abba, consegue me ouvir? Abba Jó?
Ele olhou para o rosto assustado de Eliú.
Tentou mexer a cabeça, mas a dor o cortou como uma adaga.
Cada movimento, cada ponto de contato queimava como o fogo do Sheol.
Com os olhos arregalados, mãos segurando o roupão, ele sentiu o banco frio do altar de pedra embaixo dele.
Eles estavam no topo da montanha.
Como?
Por quê?
Sítis?
Sua voz era um sussurro, e o esforço rasgou sua garganta como uma lâmina.
Nada está cuidando de Ima Sítis.
Eliú se inclinou, olhando para a vigia da escada da torre.
O pânico de Jó aumentou.
As memórias voltavam lentamente.
Eliú e Diná carregando pela escada interminável.
O riso irreverente dos homens ecoavam pelo corredor abaixo deles.
Cerâmica quebrada.
Mulheres chorando.
Diná?
Estou aqui, Jó.
Uma voz suave.
O cheiro de incenso e mirra.
Enrolei algumas de suas feridas com ervas, disse ela.
O calor de suas palavras fez feridas em seu rosto arderem.
Elas devem dar algum alívio da dor.
Uma lágrima escorregou do olho de Jó.
Ele ameaçou perder a consciência novamente, mas o som dos gritos de Sítis se intensificarem e o suspiro frustrado de Eliú o despertaram.
Diná, fique aqui com Abba Jó, disse o garoto.
Preciso manter Ima quieta. Ainda não sabemos o que os homens de Sayyid estão fazendo em casa.
As sobrancelhas de Jó se ergueram com a menção de seu inimigo.
O quê? Sayyid?
As palavras não vinham.
El Shaddai, o que está acontecendo comigo?
Por que Tu permitiste isso?
Que pecado cometi?
Que sacrifício negligenciei?
O rosto de Diná surgiu diante dele.
Tente não falar, Jó. Sei que você está com medo. Todos estamos.
Ela sorriu e estendeu a mão para tocar seu rosto, mas parou bruscamente.
Foi por causa das feridas ou porque era casado?
Dois bons motivos.
Parece que você tem feridas na garganta. Pisque se for verdade.
Jó piscou e ficou maravilhado com a comunicação simples que ela propôs.
Tudo bem, ela disse, eu prepararei um chá de menta o mais rápido possível. Deve ajudar.
Ela se afastou para se sentar e Jó resmungou.
O único som que ele conseguia fazer.
Ele queria saber o que havia acontecido, mas não podia perguntar.
Ele não podia alcançá-la. A dor de tocar outro ser humano o cegaria.
Ele resmungou.
Como um bebê.
Como um animal.
O que foi, Jó?
Ele havia prometido a aquela jovem uma nova vida, mas o que ela tinha pra dar agora?
O que ele tinha?
Sayyid? ele resmungou novamente.
Diná lançou um olhar na direção de Sítis.
Jó tentou olhar para o local onde Eliú tentava acalmar Sítis e Nada.
Eliú viu o capitão de Sayyid liderando uma invasão a sua casa hoje de manhã,
Diná começou.
Eles destruíram o muro do pátio perto da pilha de cinzas, onde adoramos na noite das tragédias. Escapamos pelas escadas da torre antes que chegassem no quarto andar. Estamos orando para que não subam ao altar.
Diná cobriu os lábios e, pela primeira vez, Jó percebeu que eles ainda estavam em perigo.
Envie Sítis.
Diná chamou a atenção.
O quê? O que? Você quer dizer que a mande falar com Sayyid?
Jó piscou com força, deliberadamente.
Eliú!
Diná chamou em um sussurro gritado.
Traga Sítis aqui.
Jó ouviu o barulho de pés e um gritinho.
Do canto do olho, ele viu a relutância de Sítis. Diná se aproximou com uma espécie de bolsa e máscara.
Sítis se acalmou quando Eliú a conduziu até o lado de Jó, usando uma máscara de linho.
Jó sorriu, embora a ação tenha causado uma dor lancinante em seu rosto.
Sua princesa ismaelita não suportava cheiros fortes. Suas feridas testariam profundamente seus sentidos.
Pelos deuses, Jó, aí você está sorrindo de novo.
Sei que pareço ridículo, mas...
Eu amo ...
Jó engoliu com dificuldade.
Você.
As lágrimas de Sítis molharam a máscara.
Eu também te amo, meu marido.
Sayyid?
Jó viu as feições de sua esposa endurecer à menção de seu nome.
Ela se virou acusadoramente para Diná, Que mentiras você contou ao meu marido?
Senhora Sítis.
Diná disse calmamente, eu disse o que Eliú nos contou.
Vá.
A voz de Jó não passava de um sussurro. Mas a única palavra ressoou como um grito.
Nada e Eliú se aproximaram, enquanto Sítis olhava incrédula.
Jó, você quer que eu vá até Sayyid?
Seus olhos eram cautelosos, como um rato roubando queijo de uma armadilha.
Buscar ajuda?
Jó piscou e Diná explicou seu silencioso sinal.
Um rubor repentino tomou conta de Sítis. Seus olhos questionando aqueles ao seu redor.
Ela parecia assustada, insegura.
Naquele momento, Jó teve certeza.
Se Sítis considerasse Sayyid inocente, teria tentado defende-lo, mas sua reação falou mais alto do que mil palavras.
A própria Sítis acreditava que Sayyid havia iniciado o ataque.
Não vá, ele resmungou, uma lágrima escorrendo pelo rosto novamente.
Fique.
No mesmo instante, Sítis desviou o olhar e Jó viu o horror em suas feições.
Nããão! ela chorou e correu em direção à entrada da montanha.
Eliú deu um pulo, agarrando o braço de Sítis, e Nada agarrou suas roupas.
A respiração de Jó era ofegante.
O que? ele perguntou a Diná.
Ela e Nogahla permaneceram ao seu lado.
Cobrindo a boca, Diná se recusou a contar o que estava acontecendo.
Jó se sentiu impotente, à mercê da jovem que agora observava sua família sofrer uma agonia desconhecida.
O que? ele rugiu, rasgando a carne crua da garganta até que a dor quase levou sua consciência.
Fumaça, Jó. Fumaça preta está saindo da escada da torre e subindo das varandas e janelas de sua casa.
12
Jó 18: 12-15
A calamidade tem fome de alcançá-lo.
a desgraça está à espera de sua queda e consome partes da sua pele.
Ele é arrancado da segurança de sua tenda, e o levam à força ao rei dos terrores.
O fogo mora na tenda dele; espalham enxofre ardente sobre a sua habitação.
Sayyid observava de sua varanda enquanto os inomináveis fugiam da casa em chamas de Jó. Os animais escapavam do vale com os tesouros roubados.
Enquanto chamas lambiam o grande palácio de Jó, Sayyid imaginou todos as peças de linho fino e as bugigangas que os bandidos deixaram para trás, engolidos pelo fogo.
Sombras tênues de Jó e seus novos mendigos amontoavam-se no topo da casa.
Sem riqueza, comida ou abrigo, Sítis não teria outra escolha.
Naquela noite o objeto da obsessão de Sayyid finalmente descansaria em seus braços.
Um sorriso lento e irônico apareceu em seus lábios.
Talvez eu lhe dê uma lição, garota Sítis. Ou talvez a adorável Diná compartilhe minha cama na primeira noite da minha vitória, enquanto Jó dorme nas cinzas de sua casa queimada.
Mestre Sayyid.
A voz de Abã interrompeu seu devaneio, assustando-o.
O que é, Abã?
Ele se virou, encarando o capitão.
Alguum problema com a recompensa? Os inominados estão exigindo mais do que o combinado?
Na experiência de Sayyid, aqueles mendigos eram um grupo sem escrúpulos, nem mesmo a honra comum entre os ladrões.
Não, meu senhor.
Abã parou no limiar da varanda. Estava pálido como um fantasma.
A senhora Sítis está no seu pátio e exige uma audiência com você.
Ele apertou os lábios com força, contendo as palavras.
Hmm.
Alguma coisa estava terrivelmente errada.
Seu capitão não hesitava assim desde a infância.
Diga-me o que você fez e talvez eu possa relevar.
Sayyid colocou a mão no cinto de couro e observou Abã.
Seu capitão não sentia a dor de uma chicotada há anos, mas o movimento evocou a obediência.
O grande homem endireitou os ombros e ergueu o rosto.
A senhora Sítis me acusou de liderar o ataque.
Disse que o aluno de Jó, Eliú, relatou que me viu no desfiladeiro ao amanhecer, colocando os bandidos na porta de sua casa.
A boca de Abã se contraiu nervosamente.
Sayyid permitiu que o silêncio torturasse o jovem capitão.
Tirando a mão do cinto, Sayyid cruzou as mãos nas costas e deu um passeio lento ao redor do ansioso capitão.
Os músculos de Abã pareciam tão tensos quanto cordas de uma lira.
Sayyid ficou na ponta dos pés. Mesmo assim era bem mais baixo do que aquele homem gigante.
Vá agora e diga a Sítis que exijo a presença dela em meu quarto.
Ele observou uma gota de suor rolar pela testa do capitão e entrar em seus olhos.
Mesmo assim, o soldado não vacilou.
Não diga nada para se defender, Abã. Nada.
O rosto do capitão estava cheio de perguntas, mas sua inteligência o silenciou.
Sim, mestre, disse ele, oferecendo uma reverência curta.
Abã saiu da sala apressadamente.
Sayyid riu.
Que castigo poderia ser pior para para Abã do que enfrentar a ira de Sítis.
Uma gargalhada escapou ao pensar em Abã acompanhando Sítis por quatro lances de escada até o quarto de Sayyid enquanto enfrentava ameaças e acusações.
Se Eliú viu Abã no desfiladeiro, Sítis certamente sabia que Sayyid havia planejado a morte de seu marido.
Se Eliú acusasse Abã publicamente perante os anciãos, Sayyid mandaria Abã cuidar do jovem estudante de Jó imediatamente.
Mas ele cuidaria pessoalmente da garota Sítis.
Senhora, por favor, sente-se.
Os braços de Nada levaram Sítis a um banco decorado sob uma oliveira no pátio de Sayyid.
Sítis deu um sorriso fraco. Ficar de pé, sentar ou deitar não mudaria sua verdadeira posição.
Ela estava desamparada, e Sayyid era o culpado.
Como eu pude ser tão cega? ela perguntou a Nada, sem realmente procurar uma resposta.
Jó tentou alertar da falsidade de Sayyid.
Mesmo agora, quando ela e Nada deixaram o altar, os olhos de Jó imploraram que ela fosse cautelosa.
Shobal, Lotan.
Ele resmungou os nomes dos pastores que alcançaram o altar assustados, mas ilesos.
Eliú pediu que eles a escoltassem, mas ela sabia que sua melhor chance seria encontrar Sayyid sozinho.
A serva abraçou Sítis contra o ombro e acariciou seus cabelos.
Não sabemos por que o capitão de Sayyid estava no vale esta manhã. Guarde o julgamento até falar com ele, minha Sítis.
Na medida que o tempo passava mais servos caminhavam pelo pátio.
Eles estavam maravilhados porque a primeira vez que a grande dama de Uz visitou a casa de Sayyid.
Uma serva mais velha timidamente se aproximou e se ajoelhou diante de Sítis.
Senhora, posso lhe trazer um pouco de vinho doce?
Sítis olhou para o rosto da mulher. E era como ver o próprio rosto num espelho de bronze.
Seu estômago embrulhou.
A verdade da obsessão de Sayyid estava diante dela.
Sítis se levantou em pânico, correndo para cada criada, estudando seu cabelo, seus olhos e lábios.
Nada, elas se parecem comigo!
Nada baixou a cabeça, incapaz de responder.
Você sabia?
Disse Sítis.
Em quarenta anos, nunca visitei a casa de Sayyid, mas você veio muitas vezes. Você viu todas essas mulheres, Nada.
Ela deixou bem claro o sentimento de traição.
Finalmente, Nada olhou para cima, tremendo.
Sayyid te ama desde que você era criança, minha garota. Pensei que seu amor era puro, incapaz de fazer mal. Apenas ouça o que ele tem a dizer.
Senhora Sítis.
O capitão de Sayyid estava na escada.
Há quanto tempo ele está aí?
Quanto ele tinha ouvido? Meu mestre requisita sua presença em seu quarto.
O jovem que ela conhecia como Abã curvou-se ligeiramente, mantendo o olhar longe.
Nada, venha!
Pelos deuses, ela não iria sozinha ao quarto de Sayyid.
Sinto muito, senhora, mas Mestre Sayyid pede que vá sozinha.
A forma imponente de Abã bloqueou a escada enquanto as mulheres se aproximavam.
Sítis agarrou a mão de Nada e ergueu o rosto.
Sei que você é poderoso o suficiente para me obrigar, Abã, disse ela, usando o nome do jovem para relembrar os momentos em que ele acompanhou Sayyid até sua casa.
Você pode me acompanhar pelas escadas, viva e acompanhada de minha serva, ou carregar meu corpo morto para o quarto de seu mestre. Você decide.
O jovem capitão se mexeu, olhando a postura larga de Nada e a mandíbula cerrada.
Ela pode ir. Desde que permaneça em silêncio, disse ele, lançando um olhar ameaçador para Nada.
Sítis respirou aliviada e começou a longa subida.
Abã pegou uma lâmpada de um nicho e entregou a ela.
Você vai precisar disto.
Seus olhos se cruzaram, e ela captou apenas uma feição ... era compaixão?
Remorso?
Culpa?
Ele se virou rapidamente e continuou sua marcha escada acima.
A raiva de Sítis reacendeu.
Como você se atreve a invadir e saquear minha casa.
Silêncio.
Ele continuou a subida.
E ainda queimar tudo o que temos!
Sua voz murchou. As pernas queimando da subida, a garganta queimando de emoção.
A figura gigante vestida de preto subiu as escadas sem fazer comentários.
Pare!
Ele continuou a ignorá-la.
Desesperada por uma resposta, ela se lançou aos seus pés e puxou com força, forçando o homem a ficar de joelhos.
Uma onda de pavor sufocou Sítis.
Ela se recostou na parede, preparando-se para uma retaliação.
O rosto de Abã se virou lentamente, mas a raiva que Sítis esperava estava ausente.
A mão dele veio em sua direção, e ela se encolheu, pensando que ele ser espancada.
O golpe não veio.
Ela olhou para cima e viu a mão estendida para ajudá-la a se levantar.
Por favor, venha, Senhora Sítis.
Sua voz era gentil.
Meu mestre responderá suas perguntas.
O altar no topo da montanha era mesmo uma boa rota de fuga e um porto seguro do incêndio.
A alegria pelo resgate de Shobal e Lotan virou luto após sua partida.
Nos sujamos de lama para escapar dos inomináveis, relatou Shobal quando chegaram mais cedo.
Quando os bandidos começaram a discutir pela divisão do roubo, nos afastamos. Sabíamos que você viria para o altar, Mestre Jó.
Shobal hesitou. Suas próximas palavras ressoaram como uma trombeta.
Nenhum de nós tem mais nada a sacrificar.
Lotan assentiu e deu um passo à frente.
Se Sayyid estiver envolvido em tudo isso, Mestre, precisamos pensar na segurança de nossas famílias.
Sua voz estava embargada.
Shobal e eu - bem, lamentamos deixá-lo assim ...
Ele parou sem fôlego.
Diná observou as silhuetas dos pastores desaparecerem através da fumaça.
Ela tirou um lençol de linho da pilha ao lado dela e entregou a Nogahla.
Precisamos rasgar este pano para fazer bandagens da largura de uma mão.
Eliú estava por perto, e Diná inclinou a cabeça, protegendo os olhos do sol.
Você já tem trabalho ou gostaria que eu lhe desse um?
Ela deu um sorriso, mas a testa de Eliú franziu.
Sua estrutura fina lançou uma sombra delgada.
Já que você quer saber, meu trabalho é desafiar o homem mais conivente e enganador de Uz. Preciso provar a culpa de Sayyid aos anciãos da cidade, mas não tenho testemunhas, recursos nem apoio dos amigos ou familiares de Abba Jó.
Seu rosto ficava mais vermelho enquanto ele falava, mas Diná se recusou a se intimidar.
Bem, enquanto você não resolve isso, poderia nos ajudar a encontrar abrigo. Rápido.
Ela enfatizou a última palavra com um aceno de cabeça e voltou ao seu lugar ao lado de Jó.
Ele não vai suportar esse sol por muito mais tempo, e eu preciso da sua ajuda para tratar suas feridas.
Ela começou a tirar o manto de Jó, pensando que ele estava inconsciente.
Algumas feridas já haviam começado a aderir ao tecido sob o calor escaldante do sol.
Sinto muito, Jó.
A oração era sua única esperança.
El Shaddai, por favor, deixe Jó inconsciente, onde ele não sentirá dor, enquanto tratamos essas feridas.
Por quê?
A voz cansada de Jó interrompeu sua petição silenciosa.
Eliú se ajoelhou às pressas ao lado de Jó.
O que você quer dizer, Abba? Por que o quê?
Feridas porque eu pequei ... pequei?
As palavras de Jó eram mais doloridas do que suas feridas.
Diná conhecia aquele tipo de sofrimento.
Ela se fez a mesma pergunta mil vezes depois de Siquém.
Não, Abba. Suas feridas não são por causa de seus pecados.
Os olhos de Eliú se encheram de lágrimas.
Nós oferecemos o sacrifício ontem de manhã. Lembra? Você está perdoado.
Jó abriu os olhos e Eliú se aproximou.
O professor estava procurando, testando, implorando ao aluno.
Certeza? Sem oferta ... hoje.
Lágrimas começaram a cair dos olhos de Jó.
Abba, lembre-se dos ensinamentos de Sem. Enquanto estavam na arca, Noé não podia oferecer sacrifícios, mas ele se manteve obediente e separava animais limpos para oferecer quando a jornada terminasse.
A voz de Eliú falhou e ele enxugou o rosto.
Abba, você oferecerá sacrifícios novamente algum dia. El Shaddai conhece o seu coração.
Ele enterrou o rosto nas mãos, soluçando.
Lágrimas queimam.
A expressão dolorida de Jó revelou mais que dor física.
Ele ficou arrasado por não ter nada a oferecer ao Deus que amava e servia de todo o coração.
Suas lágrimas são a sua oferta, Jó.
Ela não aprendeu aquele ensinamento na Casa de Sem, mas El Shaddai testificou a sua veracidade naquele momento.
O alívio no rosto de Jó a emocionou.
Eliú ergueu os olhos, assustado.
O que você disse? Seu rosto era uma incógnita. Nenhum sinal de opinião.
As lágrimas de Jó queimam como fogo,
Ele deve oferece-las a El Shaddai com tristeza e arrependimento.
Suas lágrimas ardentes não são mais caras que a morte um animal que não lhe traz nenhuma dor pessoal?
Ela olhou para baixo e viu os olhos de Jó se fecharem.
Limpando os olhos, ela disse: Não tenho dúvidas de que Jó sacrificará cem cordeiros quando tudo isso terminar. Mas, por enquanto, suas lágrimas são suficientes.
Diná permaneceu focada em Jó, sem se importar com a reação de Eliú.
Ela sabia que Senhor estava satisfeito.
Prefiro enfrentar cem bandidos do que lutar com você.
A voz baixa de Eliú interrompeu sua paz.
Diná olhou em seus olhos cerrados, agora compassivos e carinhosos.
Seu sorriso gentil a enervou.
Eu amo Uzahmah, mas você ganhou minha admiração.
Ele olhou para Jó como se estimulasse sua coragem.
Talvez El Shaddai tenha nos trazido à casa de Abba Jó com um propósito.
A testa de Jó franziu, fazendo-o engasgar.
Jó, o que aconteceu?
Diná agradeceu pela distração.
Se o último comentário de Eliú foi um prelúdio de noivado seria preciso muitos conselhos sobre os os modos dos homens com as mulheres.
Eliú ... acuse Sayyid ... agora.
Jó engoliu com grande dificuldade.
Nogahla apareceu com uma folha de menta.
Aqui, Mestre Jó. Coloque isso na sua língua.
Depois de mascar a folha por alguns momentos, os olhos de Jó se abriram com mais clareza, e Nogahla sorriu.
Eliú, você deve acusar Sayyid no portão da cidade agora.
Quando Sítis disser a Sayyid que sabe que ele é o responsável, ele tentará matá-lo.
A mente de Diná girou ao pensar que os problemas pudessem estar só começando.
Mas e quanto a Ima Sítis?
A voz de Eliú era estridente, entrando em pânico.
Se você for aos anciãos agora, eles convocarão Sayyid imediatamente. Isto dará tempo para Sítis.
Jó engoliu seco e se concentrou em seu futuro filho.
Eliú, você deve deixar Uz imediatamente após o julgamento.
Você não pode voltar aqui depois de acusar Sayyid.
Pegue um dos camelos que os pastores resgataram e vá encontrar o irmão de Sítis, Bildade, e tio Elifaz.
Eles são os únicos que podem nos ajudar.
Sayyid apertou o cinto e alisou o manto.
Ridículo.
Ele estava nervoso como uma noiva virgem.
O barulho das sandálias deixou sua boca seca e, quando pegou seu copo de vinho, Abã apareceu na porta acompanhado de Sítis e Nada.
Mestre Sayyid, a Senhora Sítis e sua serva chegaram.
O capitão fez uma reverência e Sayyid engasgou com um pouco de vinho.
Não era o que ele tinha imaginado para a primeira visita de Sítis ao seu quarto.
Abã correu para o seu lado enquanto Sítis e Nada assistiam com os olhos arregalados.
Estou bem. Estou bem.
Sayyid raspou a garganta e afastou as estranhas tentativas de preocupação do capitão.
Ele colocou a taça na bandeja e caminhou em direção a sua amada.
Pelos deuses, Sítis, você parece a morte!
O olhar pétreo da mulher teria esmagado um homem mais fraco, mas era exatamente aquela altivez que o atraía.
Você tentou me matar ao enviar seu capitão para queimar minha casa hoje de manhã, Sayyid.
Você sabe que eu nunca machucaria você, meu amor.
Ela tentou se afastar e, na disputa, os dedos de Sayyid ficaram presos em seus cabelos.
Ela sacudiu a cabeça e gemeu quando seus anéis se enredaram em torno de suas tranças.
Sítis, espere!
Ele agarrou a cabeça dela, frustrado, e a sacudiu como um melão.
Pare de lutar comigo!
Sua princesa ismaelita estava atônita, com os olhos arregalados.
Uma pomba assustada na armadilha do caçador.
A serva levantou os dedos trêmulos para desembaraçar os cabelos de sua senhora dos anéis dele.
Mestre Sayyid, minha senhora veio procurar sua ajuda.
Sítis preferia promessas com mel a ameaças espinhosas.
Ele soltou o rosto de Sítis lentamente, e ela voltou aos braços de Nada.
Sayyid olhou sua amada da cabeça aos pés.
Seus pés estavam cobertos de poeira e sangrando.
Sem dúvida, os últimos dois dias foram mais perigosos do que qualquer coisa que ela pudesse ter imaginado.
Como você pode pensar que eu tive intenção de machucar você, garota Sítis?
Ele tomou suas mãos e estudou seu rosto adorável.
Meu coração está partido com o que vejo em você.
Seus olhos percorreram cada curva, cada contorno de sua forma.
Ele esperou quarenta anos por aquele dia.
Seus longos esforços não deveriam ser atrapalhados pela afobação.
Lentamente, ela retirou as mãos do seu alcance.
Se você não teve nada a ver com o incêndio em minha casa esta manhã, explique por que seu capitão estava posicionando bandidos em todas as saídas.
Ele viu uma única lágrima deslizar do rosto dela.
Sayyid, você me ouviu?
É claro que estou ouvindo, garota Sítis. Só estou chocado por você não saber.
Sayyid fingiu estar confuso.
Como você ia saber? Você estava dormido profundamente ao amanhecer.
Gesticulando para que Abã se juntasse à conversa, ele começou sua narrativa falsa.
Abã foi o primeiro a testemunhar o raio divino que matou suas ovelhas. Os deuses voltaram a visitar os céus de Uz esta manhã, logo ao amanhecer.
Ele olhou para o rapaz, e Abã concordou com indiferença.
Meu capitão não estava posicionando bandidos nas saídas de sua casa, meu amor. Ele instigou os homens a entrarem em sua casa para salvá-la de outra tragédia divina.
Sítis franziu as sombracelhas.
Tragédia divina?
Sayyid percebeu que a história era absurda, mas a tragédia de Jó também tinha sido.
Aquela história seria contada para todos em Uz.
Sim, o fogo dos deuses atingiu suas sacadas e janelas, incendiando sua casa. Esses bandidos, como você os chamou, eram homens que Abã tentou forçar nas entradas de sua casa para salvá-la.
Sayyid apertou o ombro de Abã com uma mão autoritária.
Meu capitão e outras vinte testemunhas viram um raio dividir o céu e iniciar o incêndio em sua casa, Sítis. Deve ser mais uma retribuição divina pelos pecados de seu marido contra os deuses.
Mentiroso!
Ela voou sobre ele com os punhos fechados, mas Abã correu para conte-la.
O poderoso capitão segurou Sítis em um braço, batendo e chutando até que suas forças se esgotaram.
Nada ficou como uma estátua, fervendo enquanto sua senhora perdia toda a dignidade.
Minha Sítis já suportou o suficiente sem suas mentiras, Sayyid.
Ela deu um passo à frente, afirmando sua influência sobre o filho de um fazendeiro que agora era um poderoso comerciante.
Peça ao seu capitão que a liberte. Minha senhora veio pedir sua ajuda.
Abã atendeu o pedido de Nada, gentilmente apoiando os pés de Sítis no chão.
Você está bem, senhora Sítis? ele sussurrou.
Uma inquietação estranha surgiu no jovem.
Os olhos de Sayyid se estreitaram.
Abã, como se atreve a obedecer o comando de Nada sem a minha aprovação?
Ele deve lealdade somente ao seu mestre.
Sítis ficará bem quando se curvar à minha vontade.
Sayyid manteve a voz baixa e lançou um olhar mortal para seu capitão.
Nada disse que você veio buscar ajuda, mas o que ouvi foram acusações.
Ele podia sentir o cheiro do medo em seu hálito.
Se você quer minha ajuda, peça. Mas lembre-se dos meus termos, garota Sítis.
Ele sentiu o queixo dela tremer em suas mãos.
Nada está certa. Eu vim pedir sua ajuda.
Ela enxugou as lágrimas, espalhando fuligem no rosto.
Jó acordou coberto de feridas esta manhã. Ele vai morrer se não tivermos bandagens, abrigo e comida, Sayyid.
Como uma criança brincando com uma bola de argila, ela forçou os lábios em um sorriso dolorido.
Você pode nos ajudar até que eu consiga falar com nossas famílias?
O coração de Sayyid se deleitou com as palavras ele vai morrer, mas ficou sombrio quando Sítis mencionou suas famílias.
Quando Sayyid e Bela contrataram os caldeus para roubar os camelos de Jó, o único desejo de Sayyid era conquistar o amor de Sítis.
Bela queria diminuir a riqueza de Jó e garantir o favor de Esaú como sucessor do reino edomita.
Mas se Sítis mandasse mensageiros até seu irmão ismaelita, príncipe Bildade, ou para o grande abba de Jó, Esaú, Sayyid e Bela poderiam ser destruídos por um exército ismaelita-edomita.
Jó não desonraria a si mesmo e clamaria ajuda de suas famílias.
O sorriso de desprezo de Sayyid era genuíno.
Você não disse que seu marido estava morrendo, Sítis? Por que envergonha-lo diante da própria família? Deixe ele morrer com alguma dignidade.
Ele não vai morrer se você nos ajudar, disse ela.
Sayyid a estudou, considerando sua própria ascendência.
Se Esaú ouvisse rumores de que Sayyid - um ismaelita - tinha maltratado seu bisneto favorito, o edomita convocaria uma guerra contra os ismaelitas e quebraria o tratado estabelecido pelo casamento de Jó e Sítis.
Ele precisaria colocar guardas para garantir que Sítis não enviasse mensageiros.
Mas deveria continuar fingindo alguma boa vontade.
Ah, garota Sítis,
Sayyid murmurou: Certamente vou ajudá-la.
As feições dela suavizaram.
Ele estendeu uma das mãos.
Se ela quiser meu favor deve se voltar pra mim.
Sítis colocou a mão na dele.
Contratarei homens para começar a reforma de sua casa hoje, mas vai demorar muitas luas cheias, meu amor.
O olhar dele era faminto.
Providenciarei um lugar para Jó se recuperar de sua doença se ...
Os frágeis cantos de seu sorriso se abriram.
Eu nunca vou me casar com você.
Seus lábios tremeram e as lágrimas voltaram.
Eu amo meu marido. Sempre amarei Jó.
Por que você resiste tanto?
Sem se preocupar com os edomitas e ismaelitas, ele arrancou um beijo.
Você prefere que seu marido morra de fome a se casar comigo, garota Sítis?
Ela se afastou como se tivesse sido mordida por uma serpente.
Eu não entendo. O que você está dizendo?
Sítis se refugiou atrás de Nada - como se a velha pudesse de alguma forma protegê-la.
Se você continuar recusando meus pedidos, não negarei apenas comida e abrigo a Jó. Farei todos vocês desejarem a morte.
Ele se inclinou para destruir os vestígios de dignidade que Sítis ainda tinha.
Eliú será banido de Uz, desgraçado e humilhado. Diná e sua pequena serva passarão fome. Ninguém para casar e ninguém para servir. E você, princesa, passará o restante de seus dias limpando baldes de lixo e esfregando o chão como uma serva comum.
Ele riu, esperando que ela desmoronasse sob o peso de sua nova ameaça.
Em vez disso, seus olhos sondaram sua alma.
Ela sussurrou: Sayyid, por que você está fazendo isso? Você foi meu melhor amigo a minha vida toda. Você abriu meu coração para Al-Uzza depois que El Shaddai fechou meu ventre. Se não fosse por sua gentileza, eu poderia ter enlouquecido.
Este vilão diante de mim não é o amigo que me apoiou em todos os tipos de dificuldades.
Ela deu um passo em direção a Sayyid, corajosamente recuando um passo.
Por favor, meu amigo, não me peça para desonrar minha família na cidade que me foi dada como dote.
O coração de Sayyid derreteu com seu toque.
Por quarenta anos ele esperou por seu amor.
Seu coração guerreou com sua mente. Ele poderia esperar mais um pouco? Encontrar outra forma de cortejá-la, de conquistá-la? Não. Ele cansou de esperar.
Ele se apossaria de Sítis com ou sem seu amor.
Ele não se atreveria a matar Jó e arriscar a vingança edomita.
A morte do bisneto favorito de Esaú aconteceria naturalmente, como disse Sítis.
E se seus planos continuassem dando certo, Sayyid poderia rivalizar com Bela em riqueza quando tudo estivesse acabado.
Cobrindo a mão de Sítis em seu rosto, ele a virou e beijou sua mão.
Mas ela não se afastou.
Sítis, por favor, me perdoe se eu pareço indiferente. Gostaria de falar com você a sós.
Ela agarrou o abraço de Nada.
Nada, meu capitão irá acompanha-la até a cozinha. Você trabalha para mim agora.
Ele sentiu a hesitação da velha e viu o rosto ferido de Sítis.
Sítis, diga a Nada que você é grata por minha gentileza.
Sítis olhou para Nada e Sayyid, tentando decidir o que fazer.
A égua selvagem finalmente foi domada pelo arreio de Sayyid.
Vá, Nada.
Ela inclinou a cabeça.
Devemos ser gratos pela ajuda de Sayyid.
Um sorriso lento e satisfeito surgiu no rosto de Sayyid.
A primeira de muitas vitórias, ele se regozijou.
No momento em que Abã e Nada chegaram à porta da quarto, um mensageiro apareceu.
Mestre Sayyid?
Sim, quem é você?
Ele encontraria castigaria o servi que deixara aquele servo estranho entrar.
Naquele momento dois guardas com espadas em punho apareceram ao lado do mensageiro.
Quem são eles?
Você e seu capitão foram convocados ao portão da cidade para responder às acusações, Mestre Sayyid.
O mensageiro recuou, medindo a altura e a largura de Abã.
Sayyid riu e agarrou o braço de Sítis.
Deve ser algum mal entendido. Procurarei os anciãos para esclarecer a confusão, mas meu capitão tem outros afazeres. Jó está doente e ficará em seu pátio até que seus ferimentos se curem. Abã está se preparando para escoltar a senhora Sítis para sua nova casa.
O mensageiro parecia tão confuso quanto os guardas que o acompanhavam.
A senhora Sítis é a nova serva da esposa de mestre Bela.
As mulheres que estão com Jó são mendigas e devem ser tratadas como tal.
Inclinando-se para perto do capitão, ele sussurrou: Eu cuidarei dessas acusações. Cuide de Eliú depois da audiência, quando ele sair do portão da cidade.
13
De Jó 19
Se grito: É injustiça! Não obtenho resposta; clamo por socorro, todavia não há justiça.
Despiu-me da minha honra ... Ele me arrasa por todos os lados ...
Suas tropas avançam poderosamente ... cercam-me e acampam ao redor da minha tenda.
Ele afastou de mim os meus irmãos ...
Os meus parentes me abandonaram; e os meus amigos esqueceram-se de mim ...
Minha mulher acha repugnante o meu hálito ...
Todos os meus amigos chegados me detestam; aqueles a quem amo voltaram-se contra mim
Diná estava acordada, ouvindo a respiração lenta e constante de Nogahla, esperando o brilho do amanhecer passar pela cortina da caverna da viúva Orma.
O longo inverno havia passado sem chuvas, mas o sol do verão lançava seus primeiros raios da manhã.
A pequena caverna da viúva nos penhascos do primeiro setor de Uz era um ninho lotado para três mulheres. No entanto nas luas que se seguiram seus corações se fundiram em uma família amorosa.
Nogahla dormiu perto da parede dos fundos porque era a mais baixa.
Diná colocou seu travesseiro na cabeça de Nogahla e esticou suas pernas compridas.
A viúva dormia de frente para Diná.
Um fogo crepitava entre as três, aquecendo nas noites frias do deserto e oferecendo durante o dia.
Nogahla.
Diná cutucou seu ombro, e a garota se mexeu com relutância.
Temos que trocar os curativos de Jó antes que Sítis chegue.
Ainda não amanheceu.
A cuxita deu as costas para Diná e segurou o travesseiro de lã sobre as orelhas.
O pátio de Jó estava coberto de montanhas de cinza e entulho.
Durante a reforma da casa, os inomináveis lançaram montanhas de cinzas e lixo nas feridas de Jó.
Sayyid contribuiu lançando as cinzas de seus próprios braseiros e esterco de seus estábulos às pilhas do pátio de Jó.
Os anciãos da cidade, por sugestão de Sayyid, deixaram Jó em prisão domiciliar, ameaçando de morte caso ele tentasse sair.
Diná se perguntou qual medo assombrava mais os moradores de Uz: a doença de Jó ou a ameaça do fogo divino por ajudar o grande homem.
Venha, Nogahla. Sítis vem hoje. Precisamos terminar nossos cuidados antes que ela chegue.
Nogahla não se mexeu.
Se ela voltar ao trabalho depois que a esposa de Bela acordar, com certeza será castigada.
Diná puxou o travesseiro das mãos de sua serva.
Nogahla, acorde!
A garota se levantou frustrada.
Por que temos que ir tão cedo? A esposa de Bela dorme até o meio-dia.
Diná encarou a fúria da amiga em silêncio.
O pequena cuxita sabia que Sítis não suportava ver a dor de Jó desde que o levaram para um novo monte de cinzas.
Todas as manhãs, eles o colocavam no monte mais seco ao sol, na esperança de evitar infecções e encontrar as cinzas melhores para suas feridas.
Senhora, é constrangedor fazer curativos nas feridas de Mestre Jó sem a presença da Senhora Sítis.
A frustração de Nogahla era passageira, mas Diná percebeu que havia preocupações não ditas.
Você sabe que Sítis não tem estômago para cuidar das feridas de Jó,
principalmente depois que suas feridas ficaram cheias de vermes.
O incenso e mirra que Abã conseguiu com o médico de Sayyid durou apenas as seis primeiras luas.
Como as bandagens estavam acabando, muitos ferimentos ficaram descobertos.
Os guardas fazem comentários rudes porque o Mestre Jó está vestido apenas uma tanga.
Nogahla olhou para o fogo, evitando o olhar de Diná.
Não quero que Abã pense mal de mim.
Você o que? Abã?
Diná sentiu o sangue fugir de seu rosto.
Ela já tinha observado o capitão observando Nogahla.
Desde quando você chama o capitão de 'Abã'? E por que você se importa com o que esse homem pensa?
Bom dia, minhas adoráveis filhas, veio uma voz arejada da escuridão.
Diná se virou e viu a silhueta da ima que seus corações adoravam.
Sinto muito por ter acordado você, Orma.
Velhas nunca dormem, minha menina preciosa. Nós estudamos o interior de nossas pálpebras até que não possamos mais suportar.
Diná esperou enquanto ela se levantava e dava os seis passos ao redor da fogueira.
Segurando o rosto de Nogahla e disse: Escute, minha linda cuxita, adoraria cuidar do Mestre Jó em seu lugar. Ele é como um filho para mim. Aqueles guardas se envergonhariam de falar grosseiramente com uma velha.
Não, não!
A voz de Nogahla tinha uma nota de pânico.
Eu quero ir.
A luz do amanhecer entrou pelos buracos da cortina, revelando os olhos escuros da garota.
Então decidam quem vai enquanto eu separo as ervas e ataduras que nos restam.
Diná ficou triste com a severidade que tratou Orma, mas não tinha tempo a perder enquanto Nogahla se decidia.
Ela abriu a cortina e viu Nogahla beijar o rosto da viúva Orma.
Obrigado, mas não tenho vergonha de ajudar o Mestre Jó,
Só queria que a senhora Sítis nos ajudasse.
Ela acenou para a velha e o coração de Diná apertou.
Ela também queria a ajuda de Sítis, mas ela não conseguia suportar.
Sítis costumava visitar Jó apenas à noite, depois que terminava as tarefas do seu trabalho.
Naquela hora Jó e Sítis estavam exaustos de suas batalhas diárias.
Jó contra os inomináveis, protegendo-se das provocações, cinzas e esterco.
Sítis contra a esposa de Bela, tentando adivinhar como não ser chicoteada.
Sinto muito pela minha preocupação com o capitão de Sayyid, senhora.
A voz suave de Nogahla intrometeu os pensamentos de Diná.
Posso tentar odiá-lo se você mandar.
As palavras partiram o coração de Diná.
As emoções de Nogahla eram tão simples quanto sua sabedoria? O fato de ele ter destruído a casa de Jó não é motivo bastante para odiá-lo? ela perguntou, enquanto descia o caminho íngreme da montanha.
As duas sempre iam pela trilha escondida que leva da caverna de Orma ao siq, em vez da estrada principal do mercado.
Abã é um soldado que segue as ordens de seu mestre, assim como qualquer outro servo. Ele me disse que lamenta o sofrimento que Jó e Sítis estão sofrendo e que está tentando encontrar uma maneira de ajudar.
Diná revirou os olhos ironicamente.
Abã mora na casa de Sayyid e provavelmente é tão enganoso quanto seu mestre. Você mal falou com Abã. Ele está sempre com os quatro guardas do pátio de Jó. Como você pode se preocupar com ele, Nogahla? Isso é ridículo.
Pisando em terreno plano, Diná apressou o passo e Nogahla correu atrás.
Não ligo para a casa dele, senhora. Estou preocupada com o homem.
Diná ouviu os passos de Nogahla se atrasarem.
Vejo como ele ajuda a senhora Sítis subir no topo da pilha de cinzas para visitar o Mestre Jó. E o que ele faz quando os bandidos tentam jogar cinzas e esterco nele?
Diná parou no meio do caminho e sentiu o nariz de Nogahla bater em seu ombro.
Ela deve ter sonhado acordada novamente.
A risada da menina ecoou nas paredes vermelhas de siq.
Diná ficou em silêncio e observou a inocência de sua amiga no brilho fraco do amanhecer.
Como você pode ver os outros tão claramente quando eu mal olho pra mim mesma? ela pensou.
Sinto muito, Nogahla.
Diná disse.
O perdão parece ser uma lição que devo aprender sempre.
Ainda não confio neste Abã, mas devo admitir que ele tem tratado Jó e Sítis com bondade.
As duas retomaram sua caminhada para a pilha de cinzas.
O perdão é como uma oliveira, senhora. Depois de criar raízes, ele crescerá e será difícil de matar. Você aprendeu a perdoar uma vez e perdoará Abã algum dia.
As palavras da cuxita pareciam florescer no momento certo.
Aquele dia revelaram as raízes de amargura que cresciam no coração de Diná.
Tentarei ver o capitão de Sayyid através de seus olhos, minha amiga.
Na verdade, tentarei ver o mundo inteiro através dos seus olhos.
Elas caminharam lado a lado, emergindo do estreito siq para a luz do amanhecer.
Nogahla olhou para a fonte de água e a cascata no luxuoso segundo setor de Uz.
Senhora, o perdão parece mais como um banho. Devemos ser lavados por ele continuamente.
Ela inclinou a cabeça em direção à fonte.
Quem sabe na volta a gente dê um mergulho.
Ela desejava se sentir limpa de novo - por dentro e por fora.
Elas usavam as únicas túnicas que possuíam. Todos os tecidos disponíveis que tinham sido usado como bandagens.
E já fazia mais de um ano desde a purificação realizada no altar da montanha de Jó.
Suas lágrimas são seu sacrifício, ela disse a Jó.
Deus conhece seu coração.
Mas o mesmo se aplicava a ela?
El Shaddai sabia que seu coração ansiava por ser perdoado? Ela ofereceria mil cordeiros se os tivesse.
Os servos caminhavam pelos belos jardins e pátios das casas dos comerciantes para suas tarefas matinais.
Diná desviou o olhar dos escombros da casa de Ennon.
O mal cheiro finalmente desapareceu, mas os destroços eram uma lembrança da crueldade de Sayyid.
Ele havia convencido os anciãos a deixar as ruínas intocadas por medo da ira dos deuses, mas Diná sabia que ele queria aumentar a dor de Jó.
Seu relacionamento com Sítis ainda a intrigava.
Quando Sítis os apresentou naquele dia no pátio, Diná notou a profunda afeição de Sayyid pela esposa de Jó.
Mas um homem amoroso não deixaria sua amada se tornar escrava na casa de outro homem.
Diná e Nogahla chegaram na escarpa de pedra onde as casas de Jó e Sayyid estavam esculpidas.
Senhora.
Nogahla sussurrou: Quando Eliú voltará com os parentes do Mestre Jó? Ele está piorando a cada dia, e não tenho certeza por quanto tempo a senhora Sítis pode trabalhar como serva. Ela não nasceu para isso como nós - quer dizer, como eu.
Diná sorriu para a garota.
Para uma mulher que nasceu em berço privilegiado a senhora Sítis até que tem se saído bem. Mas você está certa, Nogahla.
Diná colocou um braço nos ombros da amiga.
Espero que Eliú chegue logo.
Diná lembrou-se do alívio que sentiu após a fuga de Eliú, quando ouviu o relato de uma falha de um guarda em capturar o jovem.
El Elyon é fiel! ela disse a Jó animada.
Precisamos dizer a Sítis que Eliú escapou com segurança e que ele voltará em breve com seus parentes.
Jó tentou balançar a cabeça e sorrir.
Ela não conseguia se lembrar da última vez que ele sorriu.
Diná!
Uma voz estridente ecoou nas paredes do vale. Sítis corria atrás delas.
Espere, quero falar com você antes de ver Jó.
Ela chegou bufando e tremendo, seus olhos fundos e sombreados.
Diná estendeu a mão para apoiá-la.
Senhora Sítis, você não está bem. Sente-se.
Diná desejou ter um pouco de água fresca para oferecer à mulher.
Seu rosto está pálido. Quando foi a última vez que você comeu?
A mulher tinha emagrecido tanto que seu manto dobrou-se quase duas vezes ao redor dela.
Sítis olhou para Nogahla, aparentemente desconfortável com a presença da serva.
Diná piscou para a menina e o pequena cuxita as deixou.
Preciso voltar para lavar o rosto na fonte.
Sítis se sentiu aliviada quando Nogahla se afastou, mas parecia constrangida de alguma forma.
Não tenho uma refeição completa desde que comecei a trabalhar para a Bela.
O quê?
Diná colocou a mão no seu ombro e tentou espiar seu olhar abaixado.
Senhora Sítis, ele não alimenta seus servos?
Lágrimas surgiram imediatamente.
Por favor, não me chame de senhora. Sim, ele alimenta seus criados. Ele só não me alimenta.
Ela enxugou os olhos antes que transbordassem.
Ele me dá apenas um pedaço de pão e uma tigela de mingau todos os dias. Perguntei por que os outros servos faziam duas refeições por dia e ele disse que estava seguindo as ordens de Sayyid.
Sítis se afastou e olhou para longe, tão reta quanto uma flecha na aljava de um guerreiro.
Diná se perguntou se aquela mulher abriria seu coração para alguém novamente.
Sítis, quero ser sua amiga.
Diná entendeu a necessidade de manter as pessoas à distância.
Sítis havia perdido seus filhos, casa e posição social. E então Sayyid tomou Nada dela.
Diga-me como posso ajudá-la.
Os lábios de Sítis tremiam enquanto ela tentava manter a pouca dignidade que lhe restava.
Eu tenho comido minha porção de mingau, mas eu guardo meu pedaço de pão para Jó.
Diná começou a se perguntar por que ela deveria roubar seu próprio pão.
Antes de perguntar, Sítis caiu em seus braços, soluçando, banhando o ombro de Diná com suas lágrimas.
As barreiras simplesmente estavam caindo.
Diná ficou tão chocada que não disse nada por um longo tempo. Deixou a mulher liberar sua tristeza aparentemente interminável.
Quando o choro diminuiu, ela sentou-se. Desta vez, estendeu a mão para de Diná.
Sayyid ordenou que os guardas servissem apenas caldo para Jó desde que recusei suas repetidas propostas de casamento.
Sítis olhou por cima do ombro de Diná, sussurrando.
Ela estava desesperada.
Bela descobriu que eu trazia meu pão para Jó e agora ele limitou minha refeição para apenas mingau. Não que faça alguma diferença. Jó não tem comido o pão.
Ela bateu com o punho na perna.
Ele não consegue mastigar, Diná. Suas gengivas estão inchadas e ele sente muita dor. Não sei mais o que fazer!
Diná a abraçou e sussurrou em seu ouvido, Jó precisa comer, mas você também. A viúva Orma tem sido muito generosa com Nogahla e eu. O Senhor deu à viúva uma ocupação como serva e ela divide suas refeições conosco. Nogahla e eu podemos trazer parte de nossas porções para Jó.
Não!
Sítis se afastou, sua voz ecoando nas paredes do desfiladeiro.
Shh. Diná advertiu.
Por que não? Se você for pega, Sayyid pode machucar a viúva, você ou Nogahla, ou ...
O choro de Sítis tornava seu raciocínio ininteligível, mas Diná entendia.
O poder de Sayyid parecia absoluto em Uz.
Ele havia bloqueado qualquer chance de Diná usar suas habilidades de parteira.
Ele também trouxe os inomináveis para reformar a casa de Jó, pagando aos bandidos com o que roubou da caravana de Jó Hebron e o pouco que ele podia tirar do palácio.
Os inominados estavam lá ha mais de um ano. Seu único progresso era na pilha de cinzas que aumentava o tormento de Jó e absorvia as secreções de suas feridas.
Onde está você, El Shaddai?
Diná orou.
O único sinal da intervenção de Deus era a extrema capacidade de sobrevivência de Jó diante do sofrimento indizível.
Mas o Senhor deve ter algum grande plano para Jó para sustentá-lo por tanto tempo.
Diná segurou Sítis até o sol surgir sobre os penhascos ao leste.
As lágrimas daquela mulher podiam encher a fonte central três vezes, mas Diná sentiu-se honrada por ser a piscina que as pegava.
Sítis, vou orar pra que tenha sabedoria, disse ela finalmente.
El Shaddai te guiará nos próximos dias. Eliú retornará em breve com seu irmão e o tio de Jó.
As feições de Sítis endureceram.
Bildade e Elifaz são homens poderosos, mas eles tem suas próprias vidas. Bildade nunca teve tempo para mim quando criança. Não espero o conforto dele. E quanto ao seu El Shaddai... Ele nunca me abençoaria depois de eu ter blasfemado contra Ele.
Ela deu de ombros e acrescentou: Além disso, desisti de todos os deuses. Que bem eles me fizeram?
Ela se levantou e enxugou o rosto, apagando todas as evidências de emoção.
Diná reconheceu a máscara de indiferença que ela usava antes, agora fixada no rosto de Sítis.
El Shaddai, por favor, me dê sabedoria para mostrar a ela seu amor e perdão, como Jó me mostrou.
Diná não corrigiu ou reprovou.
Sítis simplesmente precisava ser amada.
Quando a mulher se virou para sair do vale, o coração de Diná murchou.
Você não vai ver como Jó está?
Diga ao meu marido que espero visitá-lo mais tarde hoje.
Sítis olhou na direção da casa de Sayyid e então partiu em direção ao siq.
Talvez haja uma maneira de fazer os anciãos ouvirem minhas demandas.
Jó assistiu enquanto Sítis saía do vale.
Ele viu Nogahla passar por sua esposa.
Caminhando em direção a pilha de esterco, Diná parecia preocupada.
El Shaddai, se seu plano era me humilhar, você conseguiu.
Ele trouxe aquela bela jovem a Uz para restaurar seu futuro, mas ela não recebera nada além de morte e tragédia.
Em vez disso, ela estava salvando Sítis e ele, oferecendo amizade e um profundo conhecimento medicinal.
Bom dia.
Diná cumprimentou os guardas de Sayyid.
Ela assentiu e passou por eles como se usasse uma armadura.
Eu gostaria de gritar minha resposta, pensou Jó, com a garganta cheia de feridas.
Ele estudou as feições dela, o sorriso pintado, os olhos tristes, rosto trêmulo.
Ela andou chorando.
O que ela e Sítis discutiram?
Como você está se sentindo essa manhã? Alguma mudança?
Diná tirou as sandálias do monte de cinzas e subiu até onde Jó estava sentado.
Ele percebeu que Abã se aproximava rapidamente e Nogahla ofereceu um sorriso hesitante.
Diná também notou.
Jó aplaudiu a proteção maternal de Diná.
Abã parecia bom demais para ser verdade. Uma montanha compassiva de um homem, mas submisso à maldade de Sayyid.
O capitão diminuiu a velocidade quando viu Diná. No entanto manteve seu olhar em Nogahla.
Sem mudanças,
Jó grunhiu para Diná. Sua voz era mais áspera que o normal com o primeiro uso do dia.
Nogahla e Diná estavam sentadas ao lado dele. Seu olhar não tinha nenhuma repulsa, embora os vermes nas feridas de Jó ainda o deixassem nauseado.
Os vermes não são tão ruins,
Eles vão comer a infecção.
Jó apreciou o benefício inesperado.
Antes da infestação, os filhos de Sayyid e suas concubinas cruzavam o vale para jogar poeira ou cuspir nele.
Embora não fossem herdeiros legais de Sayyid, eles certamente herdaram seu caráter perverso.
Os vermes podem não ter devorado toda a infecção, mas certamente assustaram as crianças e fizeram com que os insultos dos inomináveis parassem.
Bom dia, Mestre Jó.
O sorriso de Nogahla levantou seu coração.
Ele piscou para ela, sua saudação secreta.
Tudo bem.
Diná disse, trocando o curativo na mão esquerda.
É hora de me contar sobre Bildade e Elifaz, enquanto Nogahla e eu trocamos seus curativos.
Dói falar, ele resmungou, esperando que a desculpa o salvasse da dor emocional.
Eu sei, e sinto muito por não termos trazido menta para acalmar sua garganta.
A voz de Diná estava cansada de tristeza.
Mas Sítis também está sofrendo, Jó. Preciso conhecer a história dela para ajudar.
Jó assentiu.
A conversa poderia aliviar a dor dos curativos, mas por onde começar uma história de vida?
Enquanto Diná desatava o nó da bandagem, percebeu que deveria começar com a conexão entre Jó e seu abba.
Tanto Bildade quanto Elifaz foram discípulos de Jacó na Casa de Sem. Os três foram meus professores.
Ele tremeu quando Diná puxou o curativo.
Oh, Jó,
Diná disse ofegando.
Lágrimas brotaram nos seus olhos.
Nogahla cambaleou.
Jó olhou para a mão e viu as pontas dos dedos.
Suas unhas tinham caído ha uma semana e ele não sentia dor nas pontas dos dedos desde então.
Agora ele sabia o porquê.
É melhor deixar as mãos e pés sem curativos, disse ele, impressionado com a visão terrível.
Dessa forma, eu posso pelo menos me despedir quando eles forem cairem.
Diná não se abalava facilmente, mas ela estava incapaz de falar.
Ela continuou a desatar as bandagens e, de repente, Jó foi atingido por uma onda de ação de graças.
Ele lutou contra a amargura e o desespero com o mesmo sucesso que tomar uma sopa com dois dedos.
Agora ele orou em voz alta, esperando encorajar seus cuidadores.
El Shaddai, obrigado por minha dor. Pelo menos eu sei que minha carne está viva quando sinto a dor.
Como estava dizendo, o tio Elifaz, Bildade e Jacó ensinaram a mim e a Zofar na Casa de Sem. Tio Elifaz é o filho primogênito de Esaú, e Zofar é o terceiro filho do tio Elifaz.
Nogahla sorriu, enxugando uma lágrima e enrolando a grande bandagem do torso de Jó.
Você fez minha cabeça girar, Mestre Jó - terceiro filho, primogênito, abba, tio.
Jó tentou sorrir, mas simplesmente conseguiu cerrar os dentes e respirar contra a dor.
Apenas lembre-se disso, disse ele, quando pôde falar novamente.
Tio Elifaz era como um pai para mim quando o Grande Abba Esaú matou meu pai.
O quê?
Diná se endireitou. Uma única lágrima ainda persistindo em um lado do rosto.
Jó olhou para a mulher cujos olhos podiam chover compaixão em um momento e lançar punhais no outro.
Tio Elifaz lideraria meu aba e vários outros para matar seu abba Jacó depois que ele roubou a bênção de Esaú. Quando Elifaz poupou a vida de Jacó, meu abba contou a notícia a Esaú. Os edomitas dizem que Esaú simplesmente empurrou abba, que então bateu com a cabeça em uma pedra. Mas todos nós sabemos que não é verdade.
Suas mãos caíram, descansando ao lado do corpo, os olhos macios e compassivos.
Vi você com Esaú, Jó. Como você é capaz de demonstrar amor e respeito depois de tal erro?
Se El Shaddai me perdoa pelos erros que eu cometo, eu posso perdoar os outros.
Jó observou suas palavras no coração dela.
Mestre Jó toma muitos banhos.
Nogahla trocou um sorriso maroto com Diná.
Banhos?
Jó olhou para as mulheres, esperando por outro tesouro de sabedoria de Nogahla.
Ugh!
Diná expressou sua frustração de bom humor.
Tenho dificuldade para perdoar.
Ela lançou um olhar para o grande capitão de Sayyid ainda na base da pilha.
Hoje pela manhã Nogahla me disse que o perdão é como tomar um banho. Precisamos fazer isso várias vezes para ficar limpos.
Mais uma vez, Jó piscou para a jovem e fez um aceno de aprovação a Diná.
A filha de Jacó era uma alma faminta pelo Senhor.
Tudo bem, disse ela em fingindo reprovação, prossiga.
Depois que meu abba morreu, tio Elifaz me criou como seu filho, ensinando-me os caminhos de El Shaddai.
É por isso que Zofar e eu somos como irmãos.
Ele percebeu o desconforto de Diná com o nome de Zofar.
Me conte sobre o Bildade, disse ela, procurando em sua cesta, sem mudar de assunto.
O coração de Jó apertou.
Quanto ela precisava saber sobre o irmão mais velho de Sítis?
Ele respeitava o homem, mas Bildade havia ferido Sítis repetidamente, e ela ainda carregava as cicatrizes.
Bildade é filho de Sua, e não é ismaelita de sangue.
Diná deixou a cesta e os vasos, olhando para Jó, incrédula.
O que você quer dizer? Não sabia disso. Sua é um grande príncipe de Ismael, e Bildade, um príncipe depois dele.
Sim, mas Ismael adotou Sua. Os dois são realmente irmãos de sangue. Ismael é filho de Abraão e Hagar, assim como Sua é filho de Abraão e Quetura. Quando Abraão morreu, Isaque recebeu toda a riqueza de seu pai. Quetura ficou sem provisões. Ismael casou-se com a jovem escrava viúva e adotou os filhos dela como seus.
Diná piscou com espanto.
Jó desejou rir com o choque no rosto dela, mas esticar sua boca custaria muito a ele.
Bildade procura razões para provar a si mesmo. Ele está empenhado em ensinar as verdades de El Shaddai aos ismaelitas, embora reconheça que a descendência de Isaque detém a bênção da aliança.
O coração de Jó doeu ao pensar.
Assim como eu estava comprometido em ensinar as verdades de El Shaddai para minha família - os edomitas -, embora reconheça que a bênção pertença a linhagem do seu abba.
Jó não percebeu que Diná havia se aproximado o suficiente para sussurrar em seu ouvido.
Por que Sítis sente que Bildade a traiu? ela perguntou.
Jó fechou os olhos e deixou que as lágrimas e o estiramento de suas feridas dominassem seu coração.
Não quero falar sobre isso. Diná fez uma pausa.
Ela queria respeitar a dor dele, mas sua voz exigiu uma resposta.
Eu preciso saber, Jó. Se Bildade não voltar com Eliú, quero ajudar a restaurar o coração partido de Sítis.
Jó abriu os olhos e viu Diná e Nogahla esperando.
Bildade estudou na Casa de Sem desde os onze anos, instruído pelo bisneto de Noé, Eber, da linhagem de Sem. Bildade, Elifaz, Zofar, seu abba e eu somos os únicos discípulos vivos dos descendentes de Noé. Bildade tinha quarenta anos quando a mãe dele e de Sítis morreu. O pai deles morreu logo depois. Bildade escolheu continuar seu treinamento na Casa de Sem em vez de voltar para casa e cuidar de Síis. Ela culpa Bildade e El Shaddai por ter sido criada por servos. Ela amava Atif e Nada, mas sempre se sentiu negligenciada por seu irmão.
Jó baixou a cabeça.
A segunda traição foi pior. Bildade a forçou a se casar com um discípulo da Casa de Sem em vez do homem que ela amava.
Ele não conseguia pronunciar os nomes em voz alta.
El Shaddai, por favor, faça com que Diná e Nogahla entendam.
Ela ama aquele homem da Casa de Sem agora, Mestre Jó, Nogahla disse
E ela verá a sabedoria de El Shaddai em breve.
Diná falou quase em um sussurro.
Como você pôde permitir que Sayyid vivesse neste vale todos esses anos? Esta cidade era sua. Você poderia tê-lo banido.
Sua voz se elevou, cada palavra parecendo uma acusação.
Ele estava feliz que as mulheres adivinharam quem eram os homens sem ter de dar alguma explicação.
No começo, eu não sabia por quem minha noiva lamentava. Quando descobri que era Sayyid, ele ja era um comerciante estabelecido em Uz, e pensei que havia conquistado o coração da minha esposa.
Seus lábios tremeram.
Diná, o verdadeiro amor deve ser escolhido, não forçado. Se eu tivesse prendido minha esposa ou tirado seu direito de escolha, eu teria certeza de seu amor? Hoje pela manhã, quando vi Sítis ir embora sem me visitar, não questionei seu amor. Eu só temo por sua alma.
Ele viu uma fagulha de angústia nos olhos de Diná.
Devemos orar por Sítis, Jó.
Um pavor ardeu na barriga de Jó com as palavras.
Não sei quais são os planos para ela, mas temo mais do que pela alma dela agora.
14
Jó 2: 8-10
Então Jó apanhou um caco de louça e com ele se raspava, sentado entre as cinzas.
Então sua mulher lhe disse:.Você ainda mantém a sua integridade? Amaldiçoe a Deus, e morra! Ele respondeu:.Você fala como uma insensata. Aceitaremos o bem dado por Deus, e não o mal?
Em tudo isso Jó não pecou com seus lábios.
Sítis caminhou pelo mercado movimentado, dividindo os cidadãos de Uz como a proa de um navio no Grande Mar.
A maioria olhava em silêncio. Alguns apontaram e zombaram da rainha desarrumada e destronada de Uz.
Onde está o seu mestre?
Sítis perguntou a um dos vendedores de pão. Seu estômago roncava com o cheiro de pães quentes.
Mestre Sayyid está no portão da cidade com os outros anciãos, respondeu o homem de dentes podres.
A senhora Sítis parece pior nos últimos dias. Trabalho duro, não é?
Ele fez um sinal com a cabeça, rindo.
A piada aguçou a multidão que não abriu mais espaço para Sítis passar.
Ela foi empurrada de um lado para o outro enquanto os outros se juntavam à zombaria.
Aquelas eram as mesmas pessoas que ela e Jó haviam servido em sua casa?
Ela não tinha sido gentil com eles?
Jó não tirou comida da boca de seus próprios filhos para alimentar aqueles ingratos?
Ela lutou para se livrar da multidão, correndo na direção dos pilares esculpidos no portão da cidade, onde Sayyid gritava para um comerciante.
Minha cevada e meu trigo são os grãos de melhor qualidade do Egito até Damasco. Comprar grãos no Egito e transportar para o norte é tolice.
Sinto muito, Mestre Sayyid, disse o homem, com o rosto vermelho,.mas o vizir do Egito estocou grãos durante sete anos. Ele oferece seus grãos por um preço mais baixo, e podemos vender pelo dobro quando chegarmos a Uz.
Quem é esse imbecil? Ele não entende a importância do comércio para todas as cidades ao longo das rotas? Os grãos do Egito não podem durar para sempre, você sabe, e quando a bacia do Nilo se reduzir a um buraco murcho, aquele vizir arrogante terá que montar um camelo e obter o favor de mercadores como eu.
A compostura de Sayyid parecia muito fragmentada e quase perdida.
Sítis sorriu pela primeira vez em várias luas cheias.
O mercador curvou-se, mas permaneceu em silêncio.
Sayyid sentou-se emburrado e deixou Bela apresentar sua mercadoria.
Minhas jóias não dependem do clima do Egito, bom homem,
Sítis revirou os olhos, nauseada com a hipocrisia de Bela.
Ele era como uma vaca gorda que deixava seus servos famintos.
Um homem que vendeu sua esposa para obter mais concubinas.
Por ser edomita e, portanto, parente de Jó, Sítis fora obrigada a convidar Bela e sua esposa para as celebrações anuais.
Bela havia comido nas festas, bebido vinho, brincado com seus filhos.
Agora ele a tratava como se ela fosse menor que uma escrava, menos que uma mulher.
Estava claro que ele ajudou Sayyid a prejudicar Jó e Sítis o recompensaria hoje.
Tenho uma queixa a apresentar aos anciãos!
Sítis ergueu o rosto e reuniu o que restava de sua dignidade.
O comerciante que tentava negociar jóias com Bela zombou como se as joias fossem frutas apodrecendo.
Sayyid se levantou de seu trono de mármore, ao lado de seu corpulento amigo edomita.
Sinto muito, senhor, disse ele ao comerciante,.essa mulher já ocupou uma posição de importância nesta cidade, e devemos ser pacientes com ela.
Oferecendo um sorriso tolerante, ele acenou com a cabeça para Sítis e retomou seu lugar.
O mercado movimentado se comoveu a ponto de ficar quieto.
Os aldeões correram para o portão da cidade. Todos os olhos focados na outrora grande senhora de Uz.
Sítis endireitou a postura e manteve a cabeça erguida, lembrando-se que era uma princesa ismaelita, filha de Sua, irmã de Bildade.
Anciões de Uz, fui injustiçada por meu atual empregador.
Rugas de preocupação se aprofundaram na testa de Bela e ela se deliciou com o desconforto dele.
Bela escolheu obedecer às instruções de Sayyid e me dá apenas uma tigela de mingau por dia, para me impedir de compartilhar pão com meu marido.
Sítis escolheu as palavras com cuidado, repletas de insinuações, mas veladas o suficiente para manter a reputação de Sayyid se ele quisesse se retratar.
Ela odiava Bela de todo o coração, mas uma parte dela ainda queria acreditar que Sayyid era bom.
A boca de Bela abriu e fechou várias vezes, sem emitir nenhum som.
Ele era tão desajeitado quanto um camelo recém-nascido, e Sítis sentiu o cheiro da vitória no silêncio dele.
Sayyid deu um passo à frente novamente, empurrando o ancião perturbado para o lado.
Cidadãos e visitantes de Uz, aproximen-se, por favor.
Sayyid abriu os braços como um pai dando as boas-vindas aos filhos num banquete.
Uma sensação de mau agouro envolveu Sítis como uma mortalha.
Deixe-me repetir a queixa da Senhora Sítis para que todos possam ouvir. Ela está ofendida por eu ter limitado sua ração diária a uma tigela de mingau. Quantos de vocês comem apenas uma tigela de mingau por dia? Vamos, levantem suas mãos.
Vários na multidão ergueram as mãos e Sítis pôde sentir seu rosto quente.
Sayyid, você sabe que esse não é o meu argumento.
Ele ergueu a mão para silenciá-la.
A senhora Sítis esqueceu que um queixante deve permanecer calado quando um ancião inicia seu julgamento.
Oferecendo a ela um sorriso constrangedor, ele prosseguiu.
Mas a senhora deixou de informar aos anciãos os motivos que a fizeram receber uma ração tão pequena. Por respeito à posição passada de Sítis nesta cidade, Bela permaneceu calado sobre sua preguiça.
O quê? Eu não sou preguiçosa!
Olhares de desaprovação disparam sobre Sítis.
A mulher desaparece várias vezes por dia para visitar o marido e descansar ao sol.
Sayyid permitiu que suas palavras perturbassem ainda mais a multidão.
Ele encarou Sítis com olhos negros como corvos, e ela finalmente se convenceu de que o coração deles era completamente mau.
Ela inclinou a cabeça, ouvindo o estrondo da multidão.
Quando olhou para cima novamente, Sayyid havia descido da plataforma e estava diante dela.
Senhora Sítis, eu ficaria feliz em lhe vender um pouco de pão. Por um preço. Enquanto conversamos, meus estandes estão cheios de pães quentes.
A multidão estava silenciosa, saboreando sua humilhação.
Sayyid fingiu choque quando ela hesitou.
Você não espera que eu simplesmente lhe dê pão.
Sítis inclinou a cabeça.
Não posso pagar pelo seu pão, Sayyid. Você sabe disso.
Sinto muito, Senhora Sítis. Eu não posso te ouvir. O que?
Ela olhou para cima, esperando um pouco de misericórdia.
Sayyid, por favor.
Lágrimas começaram a escorrer de seu rosto.
Ela não podia perder o controle na frente daquelas pessoas.
Sítis, o pão está esperando por você, se você quiser comprá-lo.
Ela tentou falar, mas não conseguiu.
Não tenho kesitahs de ouro ou prata, Sayyid, e você sabe disso! ela gritou com ele e começou a bater no seu peito.
Ele agarrou seus pulsos e os segurou como um brinquedo de criança.
Venha agora, Sítis. Você pode comprar pão com algo diferente de ouro ou prata.
Você não pediria isso de mim, não na frente de todas essas pessoas.
Sayyid se abaixou para sussurrar em seu ouvido.
Não se preocupe, garota Sítis.
Eu não me casaria com você agora, nem se você implorasse.
Ohh! Ela começou a chutar e lutar, mas ele era muito forte.
Sua risada ecoou e a multidão se juntou à zombaria.
Quando toda energia acabou, ela desabou, soluçando.
Sayyid deslizou um braço em volta da sua cintura e a carregou até o vendedor de pão que ela havia visitado no caminho até o portão.
Deixe-me mostrar meu preço.
Sítis olhou para o que parecia ser a cidade inteira atrás deles.
Muito humilhada para se importar, ela se inclinou contra aquele em que havia se apoiado a vida inteira.
O que você quer de mim, Sayyid? Precisamos de pão.
O braço dele apertou a cintura dela e ele segurou o rosto dela.
Ela podia sentir a respiração pesada, mas ele não disse nada.
Ele olhou para o vendedor e disse:.Dê seu banquinho a ela.
Enquanto o homem colocava o banquinho na frente de sua tenda, Sayyid a colocou no chão com força.
O vendedor de pão afastou momentaneamente a multidão que se aproximava e Sayyid ficou atrás dela.
Ele sorrateiramente colocou a mão dentro de seu manto.
Ela estava fraca demais para lutar, mas sussurrou:.Por favor, Sayyid, pare.
Seus soluços eram um gemido abafado, sufocado pela vergonha.
Você quer pão? ele sussurrou.
A cabeça dela caiu.
Quando ela levantou a cabeça, o rosto dele não parecia mais o seu belo amigo, mas a máscara diabólica de um inimigo.
Sim. Precisamos de pão.
Então eu nunca vou parar.
Ele removeu a mão, se levantou e segurou a cabeça dela entre as duas mãos.
Para a multidão, ele anunciou:.A senhora Sítis concordou em trocar seu cabelo por três pães.
Sayyid, o que você está fazendo?
Era a voz de Bela.
As mulheres estão protegendo os olhos dos filhos e se afastando.
A mulher e eu fizemos uma troca.
Seu cabelo dela por um pedaço de pão.
Suas mãos ásperas continuaram a mexer meticulosamente na longa trança de Sítis.
Mais ousadia a cada golpe.
Estou conferindo meu pagamento.
A voz de Sayyid era casual.
Sítis fechou os olhos. Seu coração batia mais rápido cada corte que ele fazia em seu cabelo.
Lágrimas correram entre soluços gemidos.
Se ela tivesse sido deixada nua, não teria se sentido tão exposta.
Sayyid, você deve parar com isso.
A voz de Bela novamente.
Agora.
As pessoas estão indo embora. Estão ofendidos com este espetáculo.
Sítis estendeu a mão para cobrir a cabeça e esconder sua vergonha, mas Sayyid puxou o cabelo de volta.
Ela gritou alto e ele riu.
Deixe as mulheres levarem seus filhos para casa, disse ele.
Os homens vão aproveitar mais se suas esposas se forem.
Sítis começou a tremer.
Ela ouviu o barulho da adaga de Sayyid sendo desembainhada.
A lâmina fria descansou contra seu rosto.
Você é minha agora, garota Sítis, disse ele, inclinando-se para que só ela pudesse ouvir.
Leve esse pão para Jó e diga adeus. Você virá para minha casa. Não como a esposa que poderia ter sido, mas como a concubina que se tornará.
Ela acenou em consentimento e ouviu um barulho repugnante!
Sítis sentiu a lâmina de Sayyid cortar 56 anos de cabelos exuberantes.
Os poucos presentes soltaram um suspiro coletivo.
Seu coração bateu forte, e ela desejou gritar por ajuda - mas que deus a ouviria?
Ela caiu para frente escondendo pelo menos os olhos em praça pública.
Não farei mais parte nisso, Bela sussurrou para Sayyid.
Não preciso mais dos seus serviços, disse Sayyid.
Sayyid disse.
Finalmente consegui o que queria. Sítis é minha agora.
Jó havia passado a maior parte da manhã olhando para as mãos descobertas, tentando determinar quais dedos recuperariam as unhas.
El Elyon, se eu viver com isso, Tu restaurarás a minha carne?
Diná sugeriu manter as feridas descobertas, na esperança de que o ar fresco acelerasse o processo de cura.
Ele foi levado para a pilha de cinzas mais distante na esperança de que os inominados não lançassem mais cinzas ou esterco. Nogahla havia falado com o capitão de Sayyid, pedindo proteção enquanto os ferimentos estivessem completamente expostos.
Depois que seus cuidadores saíram, Jó se perguntou se a orientação de Diná foi algum conselho médico ou pela falta de curativos.
Ela disse que voltaria a noite para conferir o progresso dele.
Ele coçava terrivelmente!
Sem unhas para se coçar, ele recorreu a um pedaço de cerâmica para raspar as feridas.
Ele estava num acesso frenético de arranhões quando a voz de Sítis dividiu os sons da tarde.
Pelos deuses, Jó, olhe para você.
Ele saltou como se um shofar tivesse ecoado em seu ouvido esquerdo.
Oh! Sítis, você me assustou.
Sua voz estava rouca e dolorida, mas ele estava satisfeito por ela ter se aproximado tanto dele.
Normalmente ela ficava a vários passos de distância por causa do cheiro.
O que é isso? Pela primeira vez, ele notou três pães nos braços dela.
Seu turbante parecia estranho e ela estava chorando.
O que aconteceu meu amor?
O que aconteceu? Você me pergunta o que aconteceu? Vou lhe contar o que aconteceu, Jó.
Seu rosto ficou vermelho e ela jogou os pães - um de cada vez - no monte de esterco.
Seu Deus te abandonou. Foi isso que aconteceu. Você ainda se apega à sua integridade? Você ainda diz que Ele virá em sua defesa para restaurá-lo?
Sítis, me diga o que aconteceu para que eu possa ajudá-la.
Você não pode me ajudar, Jó!
Ela arrancou o véu, revelando cabelos irregulares e cortados.
A única maneira de você me ajudar é amaldiçoando seu Deus e morrendo. Morra! Liberte-me deste casamento e deixe Sayyid fazer comigo o que quiser.
Ela pegou um punhado de cinzas e as atirou com tanta força que caiu no chão.
Deixe-me ficar com o homem que mereço!
Jó ofegou. A dor em seu coração agora maior do que as feridas em seu corpo.
El Shaddai, me ajude!
O que aconteceu com seu cabelo, sua dignidade, sua força?
Sítis, olhe para mim! ele gritou o melhor que pôde.
A mulher na beira do monte de estrume se contorcia de tristeza.
Sítis, não estou entendendo nada. Conte-me o que aconteceu.
Ele sufocou as palavras, horrorizado com o pensamento.
Nunca deixarei Sayyid fazer com você o que ele deseja.
Ela ficou quieta e olhou para ele com olhos turvos.
Quero dormir em um colchão de lã de novo, Jó. Quero beber vinho com mel na sombra. Estou cansada de limpar latas de lixo e ser chicoteada por uma bruxa preguiçosa.
Ela começou a bater na pilha de esterco.
Por favor, Jó. Por favor. Amaldiçoe seu Deus e morra. Eu imploro. Me liberte desse tormento.
Ela escondeu o rosto novamente.
Jó procurou a mulher esfarrapada que um dia chamou de esposa.
Preciosa Sítis, como podemos aceitar o bem de Deus e não o mal? Isso vai passar, meu amor, mas meu compromisso com você e com meu Deus durará para sempre.
Nããão! ela chorou.
Por favor, Jó. Pare, por favor.
Ela ergueu o rosto.
Sítis, venha até mim.
Ele falou suavemente agora, apenas um sussurro.
Venha para mim, minha esposa.
Ela ficou imóvel, olhando para ele em silêncio.
Será que ela tinha ouvido?
Finalmente, ela começou a caminhar em direção ao pináculo das cinzas de Jó.
Ela não tinha se aproximado antes sem cobrir o rosto contra o cheiro.
A julgar por seu corpo frágil e vômitos, ela já não comia ha vários dias.
Ela se sentou ao lado dele e se recusou a olhar diretamente, encarando o vale do grande palácio de Sayyid.
Por favor, amaldiçoe seu Deus, Jó. Faça algo desonroso para que eu possa parar de te amar.
Não amaldiçoarei a Deus, Sítis.
Sayyid cortou meu cabelo no mercado público hoje como pagamento por aqueles pães.
Ela acenou para os três pães frios que jaziam nas cinzas e começou a chorar novamente.
Não sou forte como você, Jó. Não mereço seu amor. Parte de mim gostou do toque de Sayyid. Ha tanto tempo que não sinto o toque de um homem ...
Ela cobriu o rosto e ficou em silêncio.
Amaldiçoe seu Deus, Jó, ela sussurrou,.e liberte-nos desta miséria. Eu mereço um homem como Sayyid, e você merece uma boa mulher como ... como Diná.
As palavras eram uma lâmina perfurando a alma de Jó.
Não vou amaldiçoar El Shaddai, Sítis.
Lágrimas queimaram as feridas em sua face.
Eu amo você, minha esposa. Sempre te amarei
Ele estendeu a mão para ela, mas ela se afastou, gritando ao ver a deformidade em suas mãos.
Como você pode manter a fé em um Deus que faz isso com você - conosco?
E então seu rosto registrou um horror maior que na noite das tragédias.
El Shaddai fez isso por causa da minha blasfêmia, por causa da minha idolatria!
Ela ficou de pé, agachando-se sobre Jó, depois recuando lentamente.
A culpa é minha, Jó. Meus filhos estão mortos por minha causa. Nossa casa destruída por minha causa. Você perdeu seus dedos por causa de...
Histérica, ela desceu correndo o monte de cinzas.
Sítis, espere!
A voz fraca de Jó desapareceu no imenso desfiladeiro, mas, para sua surpresa, sua esposa correu para Diná.
Sayyid esperou por Sítis em seu quarto, bebendo um vinho doce enquanto uma serva o abanava com uma pluma de avestruz.
Quanto tempo leva para entregar três pães a um marido leproso?
As servas precisariam de tempo para dar um banho nela - especialmente depois de visitar Jó naquele monte de esterco.
Mas depois de quarenta e um anos de espera, Sayyid finalmente provaria o fruto proibido de sua garota Sítis.
Ele bebeu um gole de vinho entre os dentes e olhou para a serva.
Ela manteve o olhar longe, usando as penas pretas e brancas para agitar o ar quente da tarde.
Venha aqui, garota.
Sayyid estudoua versão mais jovem de Sítis; seus cabelos negros brilhantes e lábios carnudos.
Em breve ele teria a versão original de sua obsessão, mas adorava suas réplicas jovens, principalmente depois que Sítis ficou desgrenhada e esquelética no ano anterior.
Deixando de lado a pluma, as mãos da serva tremeram e ela alisou o roupão de linho azul celeste.
Assim que ele a puxou para seus braços, uma batida violenta ressoou na porta do quarto.
Mestre Sayyid! Tenho notícias urgentes de extrema importância.
Abã, é melhor alguém estar morrendo ou você é um homem morto!
Sayyid saltou da cadeira e a garota saltou para trás como uma égua assustada.
Ele agarrou a gola do manto dela, puxando-a para perto o suficiente para sentir o cheiro de incenso.
Era o cheiro da realeza, o cheiro que Sítis usava desde que eram crianças.
Pegue seu leque. Ainda não terminamos.
Quando ele a soltou, Abã entrou na quarto.
Mestre, nossos batedores acabaram de voltar com a notícia de um grande exército se aproximando de Uz.
O quê? Uz nunca esteve em guerra.
Sayyid sentiu o sangue sumir de seu rosto.
Que grande exército ousaria atacar nossa cidade? Jó tem um acordo com os edomitas e Sítis com os ismaelitas.
O irmão de Sítis, Bildade, e o tio de Jó, Elifaz, lideram o exército. Nossos batedores dizem que Bildade comanda pelo menos mil homens e Elifaz mais de setecentos. O comerciante Zofar viaja com eles. Sua caravana está carregada de suprimentos, provavelmente para reabastecer a casa de Jó.
Quanto tempo antes de eles chegarem?
Sayyid engasgou as palavras, considerando possíveis estratégias.
Pouco antes de escurecer.
Abã fez uma pausa.
Parece que o jovem Eliú teve sucesso em sua missão.
O capitão fez uma reverência.
Uma terrível premonição tomou conta de Sayyid.
Ele caminhou com dificuldade até a varanda.
Desesperado, procurou no vale abaixo.
Na pilha de esterco, havia três pães abandonados e Sítis permanecia deitada ao lado do marido leproso.
Algo dentro dele estalou.
Abã, ele sussurrou.
O capitão não respondeu. Sayyid virou-se calmamente e chamou o homem para o parapeito da varanda.
Abã obedeceu com relutância.
Sayyid colocou uma mão no ombro do homem como se estivesse consultando um amigo próximo.
Abã, os inominados ainda estão reformando a casa de Jó?
Sim, meu senhor, disse o guarda cautelosamente.
Fale com o líder deles. Quero que ele mate Sítis. Agora. Ele pode dizer seu preço.
Embora Abã fosse jovem, ele já era um guerreiro experiente, quase inabalável.
Aquela ordem afrouxou sua mandíbula como um cadáver.
Sayyid deu um tapinha no rosto para o sangue voltar.
Você tem uma ideia melhor, meu amigo? Que tal deixar Sítis mostrar seu cabelo e sua casa ao irmão Bildade. Ou reclamar que deixei a carne de seus filhos apodrecer sem um enterro? Podemos acusar os inomináveis de te-la assassinado e dizer que Jó ficou louco.
Abã afastou a mão de Sayyid
Darei a sua ordem, mas será a última vez que vou obedecê-lo. Por muito tempo eu tenho prejudicado outros, por muito pouco em troca.
A partir deste momento, darei meu preço para guardar seus segredos. Não vou mais chamá-lo de mestre. Você vai me mostrar respeito, pai.
O grande homem saiu da quarto.
Sayyid ficou horrorizado.
Silêncio.
Atordoado com a fúria repentina e insolência de Abã.
Seu coração disparou e ele lutou para manter o controle.
Nenhum filho de suas concubinas jamais ousou afirmar sua posição como seu filho.
Talvez ele seja mais parecido com o pai do que imaginado.
Uma risada retumbou do fundo de sua barriga.
Abã algum dia pode ser digno da herança de Sayyid.
Mas hoje você vai ter que me obedecer, disse ele em voz alta.
Venha, garota, você pode me abanar aqui na varanda, disse ele à serva.
Voltando-se para o desfiladeiro, Sayyid observou a pilha de cinzas de Jó, pronto para testemunhar o fim de sua obsessão.
15
Jó 2:11
Quando três amigos de Jó, Elifaz, de Temã, Bildade, de Suá, e Zofar, de Naamate, souberam de todos os males que o haviam atingido, saíram, cada um da sua região. Combinaram encontrar-se para, juntos, irem mostrar solidariedade a Jó e consolá-lo.
Diná pegou Sítis nos braços, confortando a outrora princesa ismaelita, despida de cabelo e dignidade.
Sítis, tenho certeza que foi Sayyid quem fez isso com você.
Um amargo subiu pela garganta de Diná ao pensar num homem capaz provocar tal humilhação.
Nogahla envolveu a cabeça de Sitis com um véu e Dinah disse um silencioso obrigado.
Você não voltará a servir na casa de Bela, disse ela enquanto Sítis chorava baixinho.
Sayyid vai encontrá-la e maltratá-la novamente.
Ela se abaixou para encontrar o olhar da mulher.
Você virá para a caverna da viúva Orma e ficará comigo e com Nogahla.
Não! Não consigo. Não posso!
Os olhos de Sítis estavam duros, em pânico, refletindo a confusão.
O vale ecoava com canções, pandeiros e flautas.
Diná queria acalmar Sítis ou pelo menos perguntar por que ela reagiu com tanto vigor. No entanto a tribo do deserto fazia muito barulho, batendo forte nas paredes da casa de Jó.
A esposa de Jó começou sua caminhada para longe da pilha de esterco.
Sítis, espere!
Diná lançou um olhar interrogativo para Nogahla.
Talvez ela pudesse saber o motivo da hesitação de Sítis.
A garota apenas deu de ombros, então Diná tentou novamente.
Eu sei que é apenas uma caverna. Não é o que você está acostumada, mas-
Não!
Sítis gritou quando se virou.
Não posso trazer desastre para a viúva, para você e Nogahla!
Ela se virou e deu outro passo.
Fique longe de mim. Ou eu vou acabar trazendo maldição sobre você também!
Diná agarrou Sítis com força, sentindo cada osso de seu esqueleto.
Sítis agitou-se, mas sua força estava diminuída pela fome e fadiga.
Shh.
Diná acalmou, diga-me o que aconteceu. Diga-me por que você está tão assustada.
Diná fez sinal para que Nogahla subisse no monte de cinzas, onde Jó gesticulava desesperadamente e chorava.
Sítis finalmente caiu no chão nos braços de Diná.
Tenho medo de El Shaddai, Diná, disse a mulher entre soluços histéricos.
Toda a nossa tragédia é castigo de El Shaddai por minha blasfêmia, minha idolatria. El Shaddai está com raiva de mim.
Ela estava mole, deitada sobre Diná como uma criança no colo da mãe.
Diná permitiu um período de silêncio para preparar o coração da mulher e depois a colocou na vertical para olhar bem nos olhos.
E quem te disse de que este é o castigo do Senhor? El Shaddai revelou a você?
Não sei.
Sítis desviou o olhar, incapaz de esconder o desconforto.
Não exatamente.
Jó é o sacerdote de sua casa. Ele disse que as tragédias eram um julgamento por causa de seus pecados?
Diná esperou, notando uma centelha de esperança no olhar monótono da mulher.
Jó pode tentou me dizer que meus temores eram infundados, quando saí correndo chorando.
Diná observou as lágrimas rolarem pelo rosto de Sítis.
Que outro motivo poderia haver para tamanho castigo? Jó certamente não merece isso. Tem que ser eu. O pecado é meu. Eu sou indigna. Não percebe?
Diná segurou o rosto de Sítis nas mãos.
Eu te entendo perfeitamente, minha amiga.
Sítis ofereceu franziu a sobrancelha e inclinou a cabeça, confusa.
Diná riu da ironia.
Você acha que - Diná de Siquém - não entendo sobre me sentir indigna?
Sítis tentou desviar o olhar.
Não, não se afaste. Olhe para mim, Sítis. Não carrego nenhuma vergonha. Não mais.
Os olhos de Sítis revelaram uma nova emoção.
Compaixão mesclada com tristeza.
Aquelas histórias não podem ser verdadeiras, Diná. Eu sei quem você realmente é. Você não poderia ter atraído o príncipe Siquém para um casamento fajuto nem tomado parte na trama assassina de seus irmãos.
O coração de Diná parou.
O povo contou a história por vinte e um anos.
Não, Sítis. Eu não atraí o príncipe Siquém e não participei da trama. No entanto, pequei ao me entregar ao príncipe. As mãos manchadas de sangue de meus irmãos me trouxeram a Canaã como a traidora siquemita. Fiquei envergonhada por estes pecados durante vinte anos, mas El Shaddai me perdoou. Ele removeu minha vergonha e me fez melhor do que antes.
As lágrimas de Sítis pararam, substituídas por chamas em brasa.
El Shaddai nunca vai me perdoar, e minha vida nunca mais será como antes, Diná. Meus filhos se foram. Minha casa está destruída. Meu...
Estou falando de você, Sítis, Diná interrompeu.
Você será melhor. Não tem nada a ver com seus filhos e bens. Você. O Senhor pode limpar sua vergonha e você se tornará mais limpa e completa do que nunca.
El Shaddai pode perdoar os outros, mas Ele não perdoará alguém como eu, que blasfema e amaldiçoa.
El Shaddai perdoa a todos que pedem.
Diná prendeu o olhar de Sítis. Ela conhecia bem aquele tumulto entre dúvida e desejo.
Nenhuma das mulheres estava disposta a desviar o olhar - até que algo chamou sua atenção delas.
Up-up-up.
O pássaro poupa revirou a terra com seu bico longo, jogando poeira no ar para um banho de areia.
A bela criaturinha não tinha idéia do seu significado, mas o Senhor sabia.
E Diná sabia que deveria compartilhar aquele tesouro especial.
O pássaro poupa se tornou um sinal da presença de Deus em minha vida, senhora Sítis? ela confidenciou.
Não como um ídolo para ser adorado ou uma personificação de El Shaddai, mas um lembrete de Seu cuidado até mesmo com as criaturas mais insignificantes.
Diná pegou as mãos de Sítis.
Se o Senhor chama um pássaro poupa para animar um coração partido, esse mesmo Deus atencioso não poderia perdoar alguém que pedisse a Ele?
Um brilho hesitante surgiu no rosto de Sítis. Sua voz soou com nova clareza.
Como posso pedir a Ele que me perdoe?
Seu tremor retornou, acompanhado pelo barulho da poupa e seu suspiro suave.
Se o Senhor tem o poder de comandar o vôo de uma poupa, Ele pode facilmente me matar. Tem certeza de que ele vai me perdoar se eu pedir?
Diná observou o passarinho correr pelo chão empoeirado e também tremeu. Desta vez era pura alegria com a perspectiva da restauração da esposa e do casamento de Jó.
O Senhor não vai matá-la, minha amiga. Ele vai perdoá-la.
Suas palavras soaram com mais convicção do que ela pretendia.
Jó a ajudou a crer que a misericórdia de El Shaddai se estendia a qualquer um com o coração verdadeiramente arrependido.
Vamos contar ao seu marido, e ele pode ajudá-la com o próximo passo.
No momento em que as mulheres se voltaram para a pilha de cinzas, ouviram o estrondo da aproximação de um camelo.
É Eliú!
Sítis chorou, agitando as mãos descontroladamente.
Diná viu a face da mulher iluminada pela alegria.
Ela colocou as mãos na boca e sussurrou, Ele está sozinho, Diná. O tio de Jó, Elifaz, e meu irmão se recusaram a nos ajudar.
Cabisbaixa, ela voltou a caminhar em direção ao monte de esterco.
Talvez El Shaddai seja o único que pode nos salvar agora.
Abã estava na cozinha de Jó, espiando o camelo e seu cavaleiro se aproximar.
O líder desleixado dos inominados ficou boquiaberto e cutucou.
Quem está naquele camelo?
Abã se lembrou de respirar pela boca para evitar o mal hálito do velho.
Podia derreter a pele de uma cobra.
Como alguém tão vil se tornou líder de centenas de homens?
Abã examinou o bandido do deserto.
O homenzinho certamente não poderia dominar nenhum membro de seu grupo. Talvez ele fosse tão esperto quanto repulsivo.
Dando de ombros para o velho ladrão, Abã voltou sua atenção para o pátio e o desfiladeiro adiante.
O homem no camelo não é ninguém que você conhece, mas alguém que nós dois devemos temer.
O inominável se endireitou e deu um sorriso sem dentes.
Não tenho medo de ninguém, capitão, nem você.
Num piscar de olhos Abã apertou a garganta do homem e o levantou do chão.
Então você é um tolo, velho.
O bandido rastejou, agarrando o antebraço de Abã com as duas mãos, engolindo pedidos de misericórdia.
Abã o soltou e ele tropeçou, firmando uma das mãos contra a parede.
Mudança de planos.
Abã voltou sua atenção para Eliú, que agora estava desmontando o camelo no pátio.
Ótimo. Não tenho paciência para sequestros.
O canalha sugou o ar entre os dentes de trás.
Abã virou-se e notou o homem que o estudava.
Esperava que o mestre Sayyid me mandasse matar a senhora Sítis, não que a sequestrasse.
Não!
Abã rugiu, e o inominável cambaleou de volta.
O plano continua sendo sequestro. Você não deve fazer mal a senhora Sítis, entendeu?
Certo. Tudo bem.
O homem levantou as mãos sujas em falsa rendição.
Você acha que mestre Sayyid mudou os planos para a mulher com a chegada deste visitante?
Os olhos do bandido demonstravam suspeita.
Ele havia descoberto a traição de Abã para matar Sítis?
Apesar de tudo, Abã estava resolvido a não permitir que qualquer mal acontecesse a Sítis.
A mulher o fazia lembrar de sua mãe - antes de Sayyid vendê-la a comerciantes egípcios.
Sua mãe também tinha o mesmo espírito altivo, dando-lhe a força necessária para servir aquele homem.
Deixe os planos por minha conta, velho. Você deve apenas obedecer.
Abã se inclinou para encarar.
Agora volte ao trabalho até eu te chamar novamente.
A frieza no olhar do selvagem provocou calafrios em Abã.
Aquele lunático do deserto era capaz de ignorar ele e Sayyid.
Os inomináveis se mantinham obedientes por causa da comida e da moradia oferecidas por Sayyid.
Eles não tinham pressa de voltar ao deserto desolado para comer ervas amargas e raízes.
O coração de Jó disparou ao ver a forma de Eliú no camelo.
Se não estivesse sofrendo tanto com a humilhação da esposa, teria sentido alguma esperança no retorno do jovem.
Nogahla, você precisa convencer Sítis a vir aqui para que eu possa falar com ela.
A voz de Jó era quase um sussurro agora.
Suas tentativas de gritar devem ter aberto novas feridas na garganta.
Ele cuspia sangue no único curativo limpo que Nogahla trazido durante o dia.
Mestre Jó, tenho certeza que a senhora Diná está neste momento convencendo-a a fazer isso. Você deve confiar e deixar El Shaddai fazer Seu trabalho.
A garota sentou-se ao lado dele como uma filha.
Jó assistiu enquanto Diná conversava com Sítis, pedindo a Deus sabedoria e um coração receptivo em Sítis.
El Shaddai, eu poderia suportar dez vezes mais dor se Tu apenas curasse minha preciosa esposa.
Por favor, Senhor, encontre seu desespero e cure suas feridas interiores!
Quando Sítis se voltou para a pilha de cinzas e olhou para Jó, seu semblante exibia algo novo.
Jó lançou um olhar para Diná que estava na base da pilha com olhos brilhantes e um sorriso.
Suas mãos estavam pressionadas nos lábios, em uma oração agradecida.
Jó sabia.
Sítis estava curada - de dentro para fora.
Ele começou a chorar.
Um choro silencioso sacudiu todo seu corpo.
Nogahla entrou em pânico e se levantou, gesticulando.
Senhora, senhora! Alguma coisa está errada com Mestre Jó! Venha rápido!
Ele sorriu e acalmou Nogahla.
Então estendeu os braços para a esposa, que começou a chorar e sorrir.
Ha quanto tempo ele não via o sorriso da esposa?
Ela atolou os pés na lama, tentando subir a pilha de esterco.
Diná alcançou Sítis, dando uma mão para ajudá-la a subir, mas a mulher se jogou nos braços de Jó.
Quero me apegar a você, meu marido, ela disse entre lágrimas.
Eu quero te abraçar e sussurrar em seu ouvido.
Ela olhou para Diná e estendeu a mão para pegar a mão de Nogahla, tocando a cuxita pela primeira vez.
Ou melhor, acho que estou com vontade de gritar do altar no topo da montanha.
Ela examinou o rosto do marido, com a voz trêmula.
Diná disse que se eu pedir a El Shaddai, Ele me perdoará.
Jó queria acariciar seu rosto, mas não queria se mexer para não acordar do sonho.
Jó, disse ela, o Senhor me perdoará?
Sim! Nogahla se antecipou.
Jó se deleitava com aquela fé verdadeira e simples.
Nossa amigo está correta, como sempre,
Jó concordou com brilho nos olhos.
Ele tentou segurar a mão dela e ficou maravilhado com os dois milagres.
O primeiro, a dor havia amenizado e o segundo, Sítis não recuou.
Eu sacrificaria um cordeiro por seus pecados no altar, mas El Shaddai conhece os nossos corações, meu amor.
Naquele momento, um grito de lamento roubou a atenção e todos se viraram para ver Eliú cair de joelhos na pilha de esterco.
Nããão! Não pode ser, Abba.
Ele começou a puxar seu cabelo e barba.
Ima, você está morrendo de fome!
Ele enterrou o rosto nas mãos e chorou enquanto Sítis se apressou para confortá-lo.
Quando ela o abraçou, seu véu caiu e ele ficou inconsolável.
Deus de meus pais, Deus de Abraão! Que El Shaddai retribua cem vezes o mal que lhe foi feito!
Ele jogou cinzas para o ar, banhando o cabelo e a barba na névoa do luto.
Vá até ele, Diná,
Jó sussurrou.
Talvez seu rosto o anime.
Nada que eu possa dizer irá confortá-lo,
Diná disse.
Jó conversava frequentemente com Diná sobre a possibilidade. Ela mantinha sua convicção de que Eliú merecia uma jovem devota e gentil.
Você está firme em sua decisão? Você decidiu recusar a proposta de casamento de Eliú?
Diná assentiu e sussurrou, Este momento é para você e Sítis compartilharem com Eliú. Mas quando chegar a hora certa, se ele me pedir em casamento, vou insistir que ele se case com uma noiva pura e merecedora.
Ela baixou os olhos e Jó aceitou sua decisão. Ele estava convencido que Eliú seria abençoado com uma mulher como Diná.
Abba, sinto muito por ter demorado tanto.
Eliú finalmente começou a subir o monte de cinzas.
Sítis o seguia de perto, de cabeça baixa.
Seus instintos maternais pareciam respeitar a necessidade de Eliú de chorar.
Não precisa se desculpar pela demora, Eliú,
Jó disse.
A visão deve ter sido um choque para você.
Jó trocou um olhar com Diná, enquanto Eliú fazia sua subida silenciosa.
Ele só podia esperar que Eliú aceitasse a decisão de Diná.
Abba Jó, eles queriam se encontrar antes de vir para Uz, o jovem começou a falar, ainda sem fôlego.
Não consegui encontrar Bildade. Ele levou seus rebanhos para o deserto oriental por causa da seca. Tivemos que esperar a caravana de Zofar retornar de Gaza. Os sabeus roubaram os cavalos dele em Elate. Graças a El Shaddai, sua caravana conseguiu fugir para Gaza ilesa.
Jó percebeu que o pedido de desculpas de Eliú não tinha nada a ver a pilha de cinzas.
Ele se desculpou por ter demorado um ano em sua jornada, e parecia que ...
Sítis interrompeu a escalada e gritou: Bildade? Você disse Bildade? Meu irmão está vindo? Eliphaz e Zophar também?
A mente de Jó só conseguiu reter os nomes - Elifaz, Bildade, Zofar.
Eliú se virou, olhando para Jó e Sítis.
Ele percebeu sua surpresa.
Sinto muito por não ter te contado imediatamente!
Ele caiu de joelhos aos pés de Jó.
Elifaz e Bildade trazem um grande exército para defendê-lo, e a caravana de Zofar traz ervas para suas feridas. Eles chegarão antes do pôr do sol.
Sítis gritou de alegria e Eliú pegou as mãos de Jó.
Então que ele notou as lacunas apodrecidas pela doença.
Abba, onde estão seus dedos?
O horror em seu rosto se transformou em raiva dirigida a Diná.
Você! Você fez isso com ele.
Antes que Jó pudesse sair em sua defesa, Nogahla gritou: Mestre Eliú, não fale assim com minha senhora!
Fique longe de Abba Jó.
Eliú se voltou contra Diná, que estava ao lado de Jó como uma flor murcha.
Você não é sequer uma parteira treinada e quase o matou com suas ervas.
Eliú, chega.
O coração de Jó estava em sua garganta, sua voz bastante fraca.
Sayyid impediu que qualquer médico em Uz me tocasse. Se não fosse por Diná, eu já estaria morto agora.
Eliú virou-se e Jó se assustou com o ódio em seus olhos.
Se não fosse Diná, nenhuma dessas tragédias teria atingido sua casa.
Depois de recuperar o controle, ela deu um passo à frente.
Venha, Nogahla...
Não, eu disse para ficar longe dele!
Eliú se colocou entre Diná e Jó, fazendo-a tropeçar e cair de cabeça no monte de cinzas.
Abã ficou ao lado de Jó, estendendo a mão em compaixão.
Mestre Job, você está bem? Ele te machucou?
Não, claro. Jó estava confuso.
O capitão de Sayyid tinha sido gentil nos últimos meses.
Por que ele protegeria Diná - e por que estava preocupado comigo?
Nogahla estava perto de Diná, chorando e abraçando sua senhora.
Sítis deslizou pelas cinzas para cuidar de Eliú.
O que deu em você, Abã?
A voz de Jó era apenas um sussurro, mas não importava.
O grande homem já estava recuando para o fundo do monte de cinzas.
Eliú recuou e Sítis o protegeu como uma criança.
Abã estava sobre eles, emitindo sua promessa com um aviso.
Não vou bater nele de novo, Senhora Sítis, desde que ele trate a senhora Diná com respeito.
Abã, ajude Diná,
Nogahla falou entre soluços.
Preciso levá-la para a caverna da viúva Orma.
Jó observou o grandalhão colocar a mão no rosto de Nogahla.
Ela vai ficar bem, pequena cuxita. Veja, ela já está melhorando.
Abã se ajoelhou e pegou Diná nos braços como se ela não pesasse mais que um saco de cevada.
O coração de Jó apertou com a ternura do capitão.
Onde fica a caverna que você chama de lar?
Abã deu os primeiros passos.
Eliú lançou palavras venenosas nas costas.
Você também caiu no feitiço de Diná e sua serva cuxita. Vocês também dividem a mesma cama?
O capitão olhou para trás prometendo vingança. Jó temeu pelas palavras imprudentes de seu aluno.
Eliú!
A repreensão de Jó não passou de um sussurro.
Sítis deu um tapa em seu rosto, calando o jovem.
Ela o empurrou e ficou em cima dele.
Você perdeu o juízo em nossa ausência, meu filho. Você precisa perceber que Diná merece seu respeito e gratidão.
Sítis correu para alcançar Abã, que carregava Diná nos braços e tranquilizou Nogahla com ternura.
O coração de Jó estava despedaçado. Ao ver o comportamento imprudente de Eliú seu espírito se abateu.
Eliú era um sujeito ávido por conhecimento e Zofar era o único capaz de cultivar frutos tão podres para lançar em Diná.
Jó chorou novamente porque a filha de Jacó teve de suportar tantas acusações maldosas.
El Shaddai, quando essas acusações vão acabar?
Dois inomináveis seguiram Abã e mulheres até a caverna escondida da viúva.
Ele tentou gritar para avisar, mas ninguém ouviu.
Diná sentiu enquanto era levada por braços fortes.
Ela não tinha força para se mover nem falar.
Ela abriu os olhos, viu algumas nuvens no céu da tarde e ouviu pássaros poupa ao longe.
E ouviu a voz de Nogahla.
Abã, ela está bem?
Veja, seus olhos estão abertos.
Senhora? Você está bem?
A voz calma de Sítis acalmou a menina ansiosa.
Nogahla, ela ficará bem. Devemos levá-la para a caverna de Orma para cuidar de seu ferimento na cabeça. Ela caiu em sobre um caco de cerâmica.
Abã?
Ela tentou escapar dos braços dele, mas ele apertou ainda mais, Fique à vontade, adorável Diná. Eu não vou te machucar.
Ela podia sentir sua garganta apertar de emoção.
Quem a abraçou ou falou tão gentilmente desde Siquém?
Apenas Jó.
Alguém removeu seu véu e acariciou sua testa.
Descanse, Diná. Nogahla e eu estamos com você.
O rosto sereno de Sítis estava sobre ela.
Diná podia ouvir os soluços de Nogahla e sentir a mão da garota massageando seus pés.
Por aqui, a cuxita dirigiu.
Cuidado com os pés. Não a deixe cair, Abã!
Diná ouviu a risada de Abã e notou a familiaridade com a qual Nogahla falava seu nome.
A cuxita havia reconhecido a bondade do homem há muito tempo, e as atenções de Abã se voltaram para Nogahla ha semanas.
Oh, sua cabeça doía muito para pensar em como o relacionamento deles seria complicado.
Chegamos.
A cuxita correu para dentro da caverna enquanto Abã e Sítis esperavam do lado de fora com Diná.
Senhora Sítis.
Abã começou, hesitante, Meu abb... quer dizer, Mestre Sayyid manteve...
O quê?
Sítis e Diná gritaram e engasgaram simultaneamente, interrompendo o que o capitão tinha planejado dizer.
Após fechar os olhos brevemente e soltar um longo suspiro, Abã procurou aprovação no rosto de Sítis.
Senhora Sítis, minha mãe foi concubina de Sayyid por muitos anos. Ela era a favorita dele porque se parecia com... você.
Diná se lembrou de Sítis contando sobre as servas da casa de Sayyid.
Onde está sua mãe agora, capitão?
Sítis perguntou categoricamente.
Diná sentiu a ansiedade de Abã em direção a Sítis enquanto ele falava.
Sayyid a vendeu para comerciantes egípcios quando eu tinha doze anos, porque estava na hora de começar meu treinamento militar. Ele temia que o cuidado dela interferisse na minha jornada para a idade adulta.
Um suspiro ergueu Diná para cima e para baixo em seus braços.
Sayyid tem sido meu único guia. Eu o obedeci sem questionar. Até hoje. O que vi em seu rosto esta tarde me fez lamentar meu papel na tragédia que você vive hoje.
Diná observou uma raiva nos olhos de Sítis.
Ela poderia perdoar o principal agente de seu inimigo?
Após um momento de hesitação, Sítis estendeu a mão para tocar seu rosto, sua voz cheia de emoção.
Oh, Abã, me desculpe, você cresceu sem o amor de uma mãe.
Diná sentiu os braços de Abã ficarem tensos.
Não importa. Deixei bem claro pra Sayyid hoje que reivindicarei meu direito como herdeiro.
Ele ficou mais alto, um leve sorriso curvando seus lábios.
Digamos que ele não discordou, e estamos atualmente em negociações.
Diná tentou levantar a cabeça, mas a dor limitou seu movimento.
Ainda assim, ela teve que adverti-lo.
Abã, você não deve negociar com uma cobra. Ela ataca sem razão ou provocação.
O esforço para falar fez as nuvens girarem.
Sítis prosseguiu.
Se Sayyid ficar sabendo que você ajudou a mim ou a Jó, ele o matará, Abã. Mesmo que você seja filho dele. Ele não é leal a ninguém além de si mesmo.
Sítis removeu o próprio véu, revelando seu cabelo cortado, e Diná sentiu o peito de Abã inchar com seu suspiro.
Senhora Sítis, eu não fazia ideia.
Pela primeira vez em toda aquela miséria, Diná viu os olhos de Abã brilharem.
Dou-lhe a minha palavra, ele disse enquanto Nogahla emergia da caverna com a viúva Orma, você receberá comida e suprimentos nessa caverna ao pôr do sol.
Meu jovem, disse a viúva exibindo um sorriso, não recusaremos um pedaço de pão.
Todos riram em agradecimento.
Você verá mais pão do que comeu no último ano, viúva.
A expressão de Abã se suavizou quando ele se virou para Sítis.
E você, senhora, verá sua serva que não vê há mais de um ano.
Oh, Abã!
Sítis lançou os braços em volta do pescoço do grande homem, esmagando Diná entre eles.
Diná estava prestes a protestar quando outra voz veio em seu socorro.
Chega! Chega! Você está esmagando minha senhora!
Nogahla se espremeu entre Abã e Sítis, trocando um olhar furtivo com o homem que aparentemente havia roubado seu coração.
Uma risada profunda irrompeu do peito de Abã e vibrou no ombro de Diná.
Tudo bem, pequena cuxita. Onde posso deixar sua senhora?
Nogahla falou sobre a hospitalidade da viúva Orma e seus planos para acomodar todas.
Diná olhou por cima do ombro de Abã, e viu dois vagabundos agachados atrás de pedras.
Quando Abã se abaixou para entrar na caverna, Diná olhou outra vez, mas os vagabundos haviam sumido.
Talvez meus olhos estejam pregando peças em mim, ela pensou.
Um ferimento na cabeça pode fazer isso às vezes.
Ela agradeceu a El Shaddai pela segurança de ter Sítis entre elas.
16
Jó 2:12
Quando o viram a distância, mal puderam reconhecê-lo e começaram a chorar em alta voz. Cada um deles rasgou seu manto e colocou terra sobre a cabeça.
A caverna da viúva Orma era fria e escura. Cada pedaço de terra tinha um tapete de dormir, uma mulher ou uma cesta cheia de comida de Nada.
Crianças com cara suja espiavam pela cortina esfarrapada.
Alguns se aventurava, a roubar um bolo ou tâmaras das pilhas.
Risos e suspiros surgiram dos pequenos habitantes do primeiro setor de Uz, contemplando a mais nova hóspede da viúva.
Sítis fingiu não notar, mas era difícil ignorar um espaço tão pequeno quanto um quarto do palácio de Bela.
Xô! Saiam daqui!
Nada deu um tapinha na cortina, afastando olhinhos curiosos.
Senhora, não posso deixá-la aqui nesta ... nesta ... caverna.
Lágrimas brotaram quando ela abraçou Sítis pela centésima vez.
Sítis absorveu o amor dos braços de Nada.
Abã diz que este é o lugar mais seguro para mim agora. Sayyid ainda pode tentar me matar se eu aparecer publicamente, e então ele passará a culpa para os inominados.
Você está com medo?
Diná sussurrou.
A pergunta capturou a atenção de todos.
A viúva, Nogahla e Nada se aproximaram para ouvir.
Acho que estou com um pouco de medo, Sítis disse, mas estou tão aliviada que consigo até sentir pouco mais.
Aliviada? Nada encostou a mão na testa de Sítis e a guiou até uma esteira para se sentar.
Você deve estar doente, minha Sítis. Ninguém pode sentir alívio na sua situação.
Sítis retirou a mão de Nada e as outras riram enquanto se aninhavam ao lado dela.
Estou aliviada que a raiva de Sayyid finalmente se afastou de Jó, embora agora o alvo seja eu. Estou aliviada em ver minha preciosa Nada novamente.
Ela segurou o rosto da mulher e encarou seu olhar.
Estou ainda mais aliviada por estar em paz com Deus, e ficaria ainda mais aliviada ...
Ela fez uma pausa, seus dedos agora acariciando o rosto moreno de Nada.
Se minha amiga e serva descobrisse o Deus verdadeiro também.
O olhar de Nada caiu e as outras mulheres ficaram desconfortavelmente silenciosas.
A grande mão de Abã afastou a cortina.
Lamento interromper, mas preciso levar Nada de volta antes que Sayyid perceba que partimos. O exército de Bildade e Elifaz chegará em breve, e devo acompanhar Sayyid com as tropas.
Sítis deixou cair a mão no rosto de Nada, mas a mulher a segurou com força e a beijou.
Na minha próxima visita, trarei seu mingau de frutas favorito, garota Sítis.
Em sua próxima visita, Sítis dise, falaremos mais sobre El Shaddai.
Nada sorriu e se levantou.
Após um último abraço, Sítis puxou a cortina e conduziu sua melhor amiga pelas sombras escuras do crepúsculo.
Sítis tentou seguir alguns passos, mas Abã a impediu.
Por favor, senhora. Fique dentro o maior tempo possível.
Ele apontou para as cavernas vizinhas esculpidas na face da montanha.
Não sei dizer se esses mendigos habitam as cavernas do primeiro setor ou se os inominados descobriram sua localização. Mandarei alguns dos meus guardas de confiança para vigiar.
Sítis confiava no julgamento de Abã e em sua cautela.
Seu sorriso caloroso a lembrou de um de seus próprios filhos.
Obrigada, Abã. Não sei por que você escolheu ser tão gentil, mas estou grata.
Montado em seu garanhão egípcio, Sayyid lançou uma longa sombra sobre as tendas comerciais vazias. A égua elegante e cinza de Abã mantinha uma cadência impecável ao lado.
Cem guardas vestidos com finas capas pretas, surgiram do siq em camelos envoltos em mantos trançados de vermelho e amarelo.
Sayyid estava determinado a impressionar o exército oponente, mesmo que suas esperanças de vitória fossem pequenas.
Se Bildade, o ismaelita, e Elifaz, o edomita, não pudessem ser subornados ou enganados, Uz seria banhado em sangue naquela noite.
Os habitantes cansados do primeiro setor de Uz observavam a comitiva de Sayyid desfilar no meio deles.
As mulheres ajuntavam as crianças em suas tendas e cavernas. Os homens ficavam de guarda com armas grosseiramente preparadas.
Sayyid zombou.
Essas lanças ajudarão se as tropas de Bildade vierem a procura de encrenca.
O primeiro setor estava exposto no lado oriental do siq, desprotegido por sua fortificação natural.
Sayyid fez com que seus homens parassem do lado de fora do portão da cidade e repassou o plano com Abã pela última vez.
Lembre-se, se Bildade e Elifaz vieram em paz. Nós lideramos um pequeno batalhão através do siq esta noite. Ao primeiro sinal de agressão, devemos iniciar o plano de defesa. Se alguém sacar uma espada ou uma flecha voar, darei a volta por trás enquanto você e os homens fazem um ataque inicial. Depois você recua através do siq para o segundo setor. Quando o exército deles nos perseguir pelo Siq, sinalizarei para as tropas no topo da montanha para chover pedras nos homens deles embaixo. Quando o último de nossos guardas tiver saído com segurança do Siq, fecharemos a abertura com uma avalanche de pedras e escaparemos pela cordilheira ocidental.
Abã manteve a voz baixa.
Como eu saberei que você não vai selar o siq antes que todos os nossos homens passem por ele com segurança, pai? Sayyid sorriu.
Teremos que confiar um no outro, filho.
A palidez de Abã era exatamente a resposta que Sayyid esperava.
Como se eu confiei em você para ordenar a morte de Sítis esta tarde.
Estalando a língua, ele cravou os calcanhares na lateral do garanhão e avançou na direção do exército que se aproximava.
Espere!
Abã seguiu em sua égua cinza.
O que você gostaria que eu fizesse? ele sussurrou.
Eliú chegou bem na hora. Nem os inomináveis são tão tolos para assassinar a grande dama de Uz na frente de uma testemunha respeitável.
Sayyid respondeu com uma sobrancelha levantada.
Ele deixaria seu capitão se virar.
Abã não precisava saber que, enquanto estivera bancando o herói aquela tarde, o líder dos bandidos tinha vindo a Sayyid e contado sobre a traição de Abã e sugerido um plano alternativo.
Venha Abã. Temos convidados para receber. Ou talvez uma batalha para lutar. Hi-yah!
O cavalo de Sayyid tentou fugir, mas ele acalmou o animal.
Ao se aproximar da multidão de animais e cavaleiros, Sayyid desejou controlar o próprio batimento cardíaco.
O exército de camelos do inimigo se estendia até onde os olhos viam. Caminhavam lado a lado em grupos de três pelas trilhas sinuosas das montanhas.
Uma caravana menor de burros, trazendo suprimentos e alguns cavaleiros, vinha atrás.
Você já viu algo assim?
Sayyid falava mais para si mesmo do que para Abã, que cavalgava ao lado dele.
Não, e gostaria de não estar vendo agora.
Eles cavalgaram em silêncio até se aproximar da liderança adversária.
Sayyid manteve a coragem, determinado a impressionar o irmão de Sítis.
Saudações, príncipe Bildade.
O crepúsculo e os quarenta anos haviam aumentado a nobreza do príncipe ismaelita.
Seu manto de linho azul e a faixa roxa o distinguiam como filho de Sua.
Sua barba era mais longa, mais grisalha, mas ele ainda era bonito.
A beleza também era uma herança da família de Sítis.
Quando menino, Sayyid era forçado a se curvar com o rosto no chão toda vez que Bildade visitava sua aldeia.
Não mais.
Ele se sentou um pouco mais alto em sua sela egípcia.
É uma honra recebê-lo depois de todos esses anos.
Estamos aqui para resgatar minha irmã de seus abusos, Sayyid.
Os olhos negros de Bildade fixaram-se em Sayyid.
E meu sobrinho!
O velho à direita de Bildade explodiu com uma voz estrondosa como a de Esaú.
Sem dúvida, era Elifaz, o primogênito de Esaú.
Ele não era vermelho como Zofar ou Bela.
Em vez disso, seu rosto era enrugado, escuro e com uma longa barba branca.
El Shaddai fará chover Sua vingança por sua violência contra Jó, Elifaz gritou, sacudindo o punho.
Ele tem o temperamento de Esaú, pensou Sayyid, desejando poder lançar um dardo na sua barriga.
Em vez disso, ele inclinou a cabeça e falou lentamente.
Entendo suas preocupações. No entanto, temo que vocês tenham avaliado mal minha participação nos acontecimentos de sua família.
Antes que qualquer um deles pudesse respirar, ele saiu em sua defesa.
Sua irmã não está bem, Bildade. Ela perdeu todos os filhos. Até as três filhas preciosas que receberam o nome das deusas ismaelitas.
Sayyid viu sua primeira flecha acertar o alvo.
Bildade empalideceu com a verdade da idolatria de sua irmã.
Enquanto os outros se mexiam desconfortavelmente em suas selas, Sayyid continuou.
Em um único dia toda a riqueza de Jó foi destruída por grupos de invasores que atacaram de lados opostos ou pelo fogo de Deus. No dia seguinte, seu sobrinho foi atacado por furúnculos.
Sayyid se aproximou, hesitante, como se fosse contar um segredo.
Posso garantir que sou um homem poderoso em Uz, mas não sou capaz de fazer chover fogo nem provocar furúnculos na carne de um homem.
O olhar de Sayyid caiu em Zofar, o primo-irmão favorito de Jó, o grande comerciante de especiarias.
Enquanto Jó dá seus últimos suspiros, ele abandona seu conselho, Zofar, e se apega à prostituta sobre a qual você o alertou.
As notícias quebraram as feições rígidas dos homens e então Sayyid deu seu golpe final.
Eliú, aluno de Jó, sua ima Sítis vendeu seu cabelo hoje no mercado para comprar três pães.
Ele ergueu as longas mechas que havia arrancado da cabeça de Sítis antes.
Ela me pediu para levar ao templo de Al-Uzza em Moabe como uma oferta.
Você é um mentiroso!
Eliú gritou.
Ima nunca venderia...
Chega, Eliú.
Bildade falou com a calma de um homem acostumado a ser obedecido, e Eliú se calou imediatamente.
As paixões de Eliú o levam embora, mas confio totalmente em sua integridade. Ele o acusou de falsidade, Sayyid.
Bildade atravessou Sayyid com seu olhar.
Quais de suas declarações ele julga falsas?
Sayyid sorriu, mas sentiu o lado esquerdo da boca tremer, e se amaldiçoou pela fraqueza.
Meu pai mentiu sobre a Senhora Sítis oferecer seu cabelo no templo.
Todos os olhos se voltaram para Abã, mas o olhar do capitão estava fixo em Bildade.
Sayyid olhou tão de perto que tinha certeza de que o rosto de Abã explodiria em chamas.
Mas não explodiu.
Bildade ergueu uma sobrancelha.
Sayyid é seu pai?
Pelos deuses, Abã ...
A voz de Sayyid era baixa, desafiando-o a continuar.
Sim, de uma serva egípcia. Bem parecido com Ismael, nosso antepassado, filho da mulher egípcia de Abrão, Agar.
Sayyid notou a expressão respeitosa de Abã e sentiu uma pontada de inveja.
Como Abã pôde encarar o olhar de Bildade sem vacilar?
Como você sabe que Sayyid mentiu? Bildade perguntou.
Sou capitão de Sayyid. Emitimos um destacamento de guardas para proteger Jó. Esses guardas relataram uma conversa entre a Senhora Sítis e mestre Jó e eles não falaram nada sobre tal oferta.
Abã desviou o olhar de Bildade e olhou na direção de Sayyid.
Meu pai não queria dizer a verdade porque ...
Sayyid olhou para Abã, proibindo-o de falar.
Implorando para ficar calado.
Sayyid, meu pai, bem, é um mentiroso. É o que ele faz.
Os quatro visitantes ficaram chocados, como se tivessem engolido a comida de seus camelos.
O rosto de Sayyid queimou de fúria e humilhação.
Bildade riu tanto que quase caiu do camelo.
Bem, capitão, pelo menos você não parece ter herdado o caráter de seu pai.
Sayyid pensou em atravessar o coração de Abã com a espada, mas sua humilhação pessoal pareceu aplacar os líderes do grande exército.
Meu filho pinta um quadro terrível de um comerciante de grãos, Sayyid disse, encolhendo os ombros com bom humor.
Abã pensa como um soldado, preto e branco, certo e errado.
Olhando para Zofar, Sayyid incluiu o comerciante em sua generalização.
Nós, comerciantes, entendemos que, para sobreviver, às vezes é preciso trabalhar a verdade para acomodar a situação.
E que situação é essa que você sentiu a necessidade de esculpir, Sayyid?
Sayyid estava cansado das marteladas de Bildade, mas notou a dureza do príncipe e decidiu que a humildade era a melhor abordagem para dar fim a negociação.
Pensei que se você acreditasse que Sítis tivesse adotado a idolatria, poderia aceitar a hospitalidade de um idólatra.
Sayyid baixou a cabeça e abriu os braços.
Minha casa está aberta para vocês e para quantos vocês considerarem dignos.
O garanhão de Sayyid empinou-se nervosamente, mas seu mestre manteve a pose, esperando.
Durante o longo silêncio, Sayyid observou as mãos de Abã nas rédeas, abrindo e fechando, duas, três vezes.
O capitão estava nervoso, mas ainda assim provou ser um bom negociador.
Ele não foi confiável em relação a Sítis, mas ainda se mostrou útil ao levar os bandidos até seu esconderijo.
A visita do inominável foi oportuna e suas previsões tão perspicazes quanto um feiticeiro.
Ele disse que meias verdades e hospitalidade generosa ganhariam o favor desses homens.
Até agora...
Leve-nos para a cidade, e vamos acampar nas planícies, Elifaz comandava como se ordenasse suas próprias tropas.
Você não é um homem de confiança, Sayyid, e pretendo falar com Jó antes de qualquer acordo.
Sayyid respirou com o tom venenoso do primogênito de Esaú.
Abã interrompeu, mostrando tato e diplomacia.
Meu pai ficaria feliz em conduzir você e um destacamento de seus homens até a cidade, Mestre Elifaz, e um número igual de soldados do Príncipe Bildade. Nossos cozinheiros já começaram a preparar uma refeição para cem pessoas.
Abã começou a se virar, mas estalou os dedos como se se lembrasse de algo no último momento.
Mestre Zofar?
O comerciante se surpreendeu ao ser abordado diretamente.
Sim? ele disse, olhando cautelosamente para o pai e o professor.
Eu não me atreveria a instruí-lo sobre como cuidar de Jó, mas traria todas as ervas medicinais que tiverem quando meu pai os acompanhar.
Abã acenou respeitosamente para os três anciãos e lançou um olhar hostil para Eliú antes de virar sua égua cinza na direção do portão da cidade.
Ele emitiu o sinal de retirada para as primeiras fileiras de guardas. Os camelos e cavaleiros adornados com ornamentos voltaram para a cidade com seu capitão.
Bem, Sayyid, Bildade disse, lembrando-lhe que quase dois mil homens aguardavam instruções.
Espero que seu filho seja uma prova de sua mudança de caráter. Lembro-me de você como um menino intrigante. Talvez você tenha se tornado, como diz, um comerciante de grãos conivente.
Bildade e seus três amigos riram.
Irritado, Sayyid voltou a atenção para a entrada do Siq.
Os guardas em camelos haviam desaparecido, mas a montaria de Abã estava retido na base de um caminho rochoso.
Aonde você foi, meu filho?
Por que você está com tanta pressa de chegar lá?
A noite engoliu a luz, e os corações palpitavam de tensão, esperando os gritos de batalha ou uma palavra de ajuda dos parentes de Jó e Sítis.
As quatro mulheres conversaram baixinho ao redor da fogueira até que uma figura musculosa entrou vestida de preto.
As senhoras se levantaram para dar as boas-vindas a Abã, sorrindo aliviadas.
Uma delas não estava aliviada.
O que o traz de volta aqui à noite?
Diná disse, com as mãos na cintura.
Você poderia ter sido seguido por um dos homens de Sayyid ou um dos inomináveis.
As palavras saíram mais duras do que ela pretendia, mas aquele homem ainda era inexperiente.
Ele provou ser um presente de Deus hoje cedo, mas o que ele provaria amanhã, no dia seguinte e no próximo?
Abã parecia ter levado um tapa e Sítis gentilmente colocou a mão no ombro de Diná.
Ela está perguntando se você trouxe notícias sobre a reunião de Sayyid com meu irmão e o tio de Jó.
Diná cruzou os braços e colocou os pés como um comandante esperando para ouvir o relatório de um batedor.
Ela viu o rosto reprovador de Sítis e teve certeza que Nogahla e a viúva Orma adoravam seu mais recente defensor.
Abã reprimiu um sorriso, que só atiçou o fogo de Diná.
Sayyid está liderando um grupo de cem soldados visitantes pelo Siq. Eles acamparão no vale e verão Jó pela primeira vez.
Ele ficou sério e se virou para Sítis com preocupação.
As palavras do meu pai eram doces como mel. Ele planeja sufocá-los com hospitalidade e atraí-los para sua versão da verdade.
Tenho que ir! A garganta de Jó está muito machucada para falar, Sítis disse enquanto pegava uma capa para jogar sobre os ombros.
Não podemos deixar Sayyid interpretar os eventos da nossa vida. Você sabe que a língua de prata dele torce a verdade.
Não!
A caverna ressoou com a resposta.
Diná puxou Sítis para um abraço.
Por favor, Abã, oriente sobre os perigos. Conte-nos o que Sayyid está planejando.
Ela viu uma nuvem de tristeza em suas feições.
Sinto muito, Senhora Sítis. Não sei mais o que Sayyid está planejando.
Diná o encarou, acusando-o de mentir.
Ele levantou as mãos, argumentando.
Meu pai descobriu que eu o enganei mais cedo e mudou seus planos com os inominados. Posicionei meus guardas mais confiáveis no entorno desta caverna, mas não posso protegê-la se você sair daqui.
Uma torrente de lágrimas escorreu no rosto de Sítis.
Mas quem falará por Jó?
Eliú está entre eles, Sítis.
Diná agarrou gentilmente os braços da mulher e a encarou.
Eliú conhece a maldade de Sayyid.
Ele o reconhecerá e se manifestará.
Abã falou suavemente, mas com firmeza.
Elifaz, Bildade e Zofar veem Eliú como um menino impetuoso e emotivo. Suas opiniões parecem ter pouco valor entre eles.
A raiva cresceu dentro de Diná.
Ela sabia que Sítis estava se segurando num fio de esperança.
Bem, Abã, você tem uma idéia melhor?
Falarei pelo mestre Jó e pela senhora Sítis, ele disse.
O silêncio reinou.
O coração de Diná quase parou quando ela viu a batalha nas feições de Sítis.
Você não colocará sua vida nas mãos desse estranho, ela pensou.
Tentando poupar Sítis de um erro terrível, ela se virou para o capitão e disse: Abã, não se ofenda, mas ...
Você não confia em mim porque sou filho de Sayyid.
Sua voz tinha um tom de raiva misturado com derrota.
Por que você permite que meu passado elimine a possibilidade de me tornar um homem íntegro?
Diná sentiu o sangue fugir de seu rosto.
Ela tinha se tornado como aqueles que a julgavam?
Incapaz de perdoar?
Incapaz de ver além do passado?
No entanto, algo sobre aquele homem a impediu.
Sua integridade não havia sido provada ao longo do tempo.
Sinto muito pela maneira como tratei você, Abã, mas, por favor, entenda. A vida dos meus amigos depende disso. Eu mesma iria, se isso ajudasse.
A ideia a fez rir por dentro.
Quanto rebuliço se Diná aparecesse ao lado de Jó no monte de cinzas?
Mas quem poderia ir no lugar de Abã?
Sítis sussurrou no ouvido de Diná enquanto as duas se abraçavam.
Posso ir, senhora?
A voz de Nogahla veio da escuridão da caverna.
Nogahla, eles não vão te ouvir.
Diná trocou um olhar de cumplicidade com Sítis.
Você é uma cuxita gentil e com grande sabedoria. No entanto esses homens não ouvirão suas palavras.
Não pretendo falar com os parentes do mestre Jó. Pretendo ir com Abã para testemunhar que ele está sendo verdadeiro ao falar em nome de mestre Jó.
Nogahla piscou várias vezes e Abã ergueu as sobrancelhas suplicantes.
Diná pensou que ele se parecia com um lobo pronto para devorar seu cordeirinho.
Eu não acho que seja apropriado uma jovem viajar sozinha com um soldado depois do anoitecer.
Diná parecia sua ima - repreendendo e resmungando.
Se ela tivesse dado ouvidos ima Lia, talvez não tivesse acabado na cama de Siquém.
Nogahla pode cuidar das feridas de Jó com as ervas trazidas por Zofar, Abã disse um pouco rápido demais.
A mera menção das ervas fez a mente de Diná zumbir de esperança, e agora Sítis também a implorava silenciosamente.
Apenas a viúva Orma permaneceu neutra, se aquecendo no fogo.
O coração de Diná apertou com a ideia de enviar sua preciosa amiga na companhia de um homem em quem ela não tinha total confiança. Tudo bem, Nogahla, você terá que levar esta cesta de suprimentos para a primeira visita.
Diná começou a encher a cesta com a comida de Nada e os poucos potes de ervas que tinham sobrado.
A viúva Orma entregou a Nogahla um jarro.
Estou mandando o último chá de menta. Peça ao mestre Jó que beba enquanto ainda está quente, disse a viúva.
Isso ajudará a acalmar sua garganta e estômago, para que ele possa contar sua própria verdade em breve.
Nogahla assentiu, mas Diná se perguntou se ela tinha entendido mesmo as instruções.
A garota estava apaixonada.
Diná encarou o olhar de Abã e, para crédito do homem, ele não vacilou.
Ela está pronta, Abã. Nogahla é minha melhor amiga. Você deve mantê-la segura.
Era uma ordem, não uma pergunta, e o homenzarrão assentiu.
Vou me juntar a Nogahla e Jó no monte de cinzas quando a lua estiver no auge. A essa altura, os visitantes já estarão dormindo, e poderei encontrar as melhores ervas para as feridas de Jó. Cuidarei de suas feridas vou transferi-lo para uma pilha seca à noite, para não ofender ... ninguém.
A voz de Diná interrompeu e ela desviou o olhar.
Ela tinha que se esgueirar como um ladrão para cuidar das feridas de seu querido amigo. Por que Zofar ainda a assustava e a envergonhava?
Estaremos esperando por você lá, senhora Diná. A voz de Abã era gentil.
Ela assentiu com a voz embargada de emoção.
Nogahla beijou seu rosto e desceu o caminho rochoso.
Diná observou Abã acomodar Nogahla em sua montaria e depois desaparecer no siq.
Nogahla se sentia como uma rainha.
Ela nunca sonhou que montaria em um animal tão bonito quanto a égua de Abã.
Minhas primeiras memórias de infância são dos estábulos de meu pai, disse ela, esperando que Abã falasse sobre seu próprio pai.
Nogahla não tinha ouvido a declaração de Abã para a Diná e Sítis. As mulheres contaram a ela mais tarde, enquanto cuidavam do ferimento na cabeça de Diná.
Você se lembra dos cavalos quando seu pai trabalhava nos estábulos de seu mestre?
O tom de Abã era coloquial, como se estivessem passeando por uma campina tranquila, em vez de caminhar pelo grande siq na direção de um exército.
Meu pai era o dono de uma grande propriedade egípcia, um dos funcionários do faraó, e minha mãe era uma escrava cuxita em sua casa. A esposa de meu pai odiava minha mãe e me vendeu para mercadores ismaelitas quando eu tinha cinco invernos.
Abã andou ao lado do animal, segurando frouxamente as rédeas.
Sinto muito, Nogahla.
Tudo bem.
Nogahla olhou para a lua e as estrelas.
As últimas palavras que minha mãe me disse foram: 'Minha princesinha, o céu noturno sempre nos unirá.'
Sem alterar seu passo, Abã se virou e ofereceu um sorriso.
Então eu estava errado antes, quando chamei você de 'pequena cuxita'. Deveria ter te chamado de 'princesa egípcia'.
Seus olhos brilhavam mesmo nas sombras da noite. Nogahla pensou que seu coração fosse explodir.
Abã abraçou o pescoço da égua.
Ele baixou a cabeça e falou em tons suaves com o animal. Nogahla se perguntou quais segredos eles compartilhavam.
Oh meu Deus!
Ela bateu palmas no rosto em chamas.
Nogahla, você está bem?
Abã se virou, assumindo a posição de guerreiro, seus olhos disparando em todas as direções.
Nogahla fechou os olhos com força e tentou se acalmar.
Agora ela realmente se sentia tola.
Sim, Abã. Estou um pouco assustada.
Era verdade - embora ele não precisasse saber por quê.
E se Diná estivesse certa e Abã não fosse confiável?
E se o sentimento dela estivesse desviando eles do caminho?
Nogahla encarou Abã. Viu apenas ternura e sinceridade.
Por favor, El Shaddai, deixe-me voltar com boas informações sobre este homem para Diná e à Senhora Sítis.
Que suas palavras sejam verdadeiras e seu coração puro.
Quando as palavras finais de sua oração subiram ao céu, Nogahla ouviu terríveis gemidos ecoando no vale.
Segure-se na sela!
Abã gritou enquanto o animal começou a trotar para acompanhar o passo do soldado.
Eles caminharam pelo exército visitante, entre os shmaghs e keffiyehs.
Alguns soldados tossiam e vomitavam ao ver o estado de Jó.
Nogahla logo viu a fonte do lamento.
Três anciãos, vestidos como príncipes, rasgaram suas vestes e jogaram poeira na cabeça, enquanto Eliú encarava a pilha de cinzas de Jó com a cabeça baixa.
São os parentes dele?
Nogahla perguntou, inclinando-se sobre o pescoço da égua.
Abã diminuiu o passo conforme se aproximavam, caminhando entre as linhas de frente de soldados.
Por que eles estão tão longe do mestre Jó? ela sussurrou.
Eles não chegam nem perto dos quatro guardas.
Abã hesitou, e Nogahla se perguntou se ele estava cansado da corrida ou procurando palavras educadas.
Ele se inclinou para que ela pudesse ouvi-lo.
Eles não estão acostumados com o cheiro.
Nogahla acenou em compreensão.
Os guardas com tochas pontilhavam o perímetro, mas os visitantes permaneciam a pelo menos cem passos de distância.
Formando uma barreira invisível, a visão e o fedor do sofrimento de Jó afastaram qualquer conforto que seus amigos pudessem ter tentado.
Nogahla desceu do animal com facilidade, lembrando-se dos dias no estábulo de seu pai, e Abã estava lá para pegá-la.
Quando passaram por Elifaz, Bildade e Zofar, os homens sequer pararam de chorar para notar uma serva humilde e um guarda.
Eliú deu uma saudação silenciosa para Nogahla, e ela a devolveu friamente.
Mais tarde ela diria exatamente o que pensava dele.
Nogahla sentiu o aperto de Abã em seu braço e percebeu o olhar feroz entre os dois homens.
Ela se perguntava como Eliú, que ela pensara ser gentil e benevolente, poderia ficar com tanta raiva, enquanto Abã, treinado para lutar e matar, poderia ser tão gentil.
Então ela viu Jó, e os outros pensamentos se perderam na profundidade de seu sofrimento.
Se alguém pudesse olhar para o abismo e se manter vivo era Jó.
Se alguém pudesse comer, dormir e falar enquanto uma fera devorava sua carne era Jó.
Se alguém pudesse amar depois que ter o coração arrancado do peito, certamente era Jó.
Ele sorriu quando Nogahla começou a escalar o monte de estero.
Ela derramou chá de menta na boca dele para acalmar sua garganta ferida e anunciou sua sabedoria simples para animar sua alma cansada.
Quando o fervoroso lamento nublou o rosto de Jó em tormento solitário, Nogahla cantou melodias simples, a abafando seus amigos distantes.
17
Jó 2:13
Depois os três se assentaram no chão com ele, durante sete dias e sete noites.
Ninguém lhe disse uma palavra, pois viam como era grande o seu sofrimento.
Sayyid assistiu de sua sacada enquanto os amigos de Jó se dissolviam em lágrias.
O espetáculo deles tinha sido mais patético do que ele poderia ter imaginado.
Sayyid adorava a justiça poética de tudo aquilo.
Jó teve que suportar o luto de seus parentes sem uma única palavra de incentivo ou um toque terno.
Um sorriso surgiu nos lábios de Sayyid.
Sua única preocupação era Abã.
Ele era amigo ou inimigo?
Sayyid permaneceu nas sombras, mas viu a forma alta e imponente de Abã parada no pátio de Jó.
De que lado você está, Abã, meu filho?
Ele observou enquanto o capitão escoltava a pequena cuxita e permanecia a seu lado.
Depois da demonstração de hospitalidade, Sayyid voltou para sua varanda e presumiu que seu capitão viria para contar o que viu e ouviu.
Abã permaneceu na cozinha e então voltou ao seu lugar perto das pilhas de esterco.
Por que você está tão perto do monte de estrume de Jó?
Sayyid notou Abã caminhando até o lugar onde Jó estava.
Isso é novidade, disse ele em voz alta.
Ele não tinha notado a atenção de Abã à figura decadente no alto do monte.
A lua cheia oferecia luz suficiente para ver outra figura, feminina, acompanhando Jó e a cuxita.
O coração de Sayyid bateu forte.
É Sitis?
Bem que você poderia provar sua lealdade agora, estrangulando esta mulher com as próprias mãos.
Mas ele sabia que Abã nunca faria mal a Sítis.
Ele tremeu quando Sayyid deu a ordem para matá-la.
Algo sobre Sítis havia partido o coração do grande homem.
Sayyid sorriu.
Claro que sim.
Ele deve ter herdado essa vulnerabilidade de mim.
Quem seria aquela mulher no monte de estero de Jó, sussurrou ele para ninguém, e o que ela faz ali?
Sayyid observou os gestos da mulher, a inclinação de sua cabeça, a maneira como ela movia as mãos.
Era Diná.
Ele reconheceu os cachos que caíram sobre seus ombros quando ela se curvou em direção a cuxita.
Sayyid riu e tocou as mechas do cabelo de Sítis, ainda preso nas dobras de seu manto.
Jó nunca mais passará os dedos no cabelo da esposa.
Ele não tem dedos e Sítis não tem cabelo!
Ele gostaria de rir sem acordar todo o vale.
Ele podia chamar o inominável para contar seu prazer perverso.
Certamente Abã não apreciaria seu humor.
Ele se tornara muito amigável ao inimigo.
Sayyid notou a figura alta e escura descendo o monte de cinzas.
Abã hesitou.
Pense bem, meu filho. Considere todas as opções.
O capitão parecia etar tomando uma decisão, andando de um lado para o outro.
Sayyid sorriu, divertido em como nossas escolhas definem nosso destino e sobrevivência.
Escolha com sabedoria. Sua vida depende de sua lealdade.
Embora a voz de Sayyid fosse apenas um sussurro, Abã deu um passo no momento em que a última palavra foi dita.
Um instante depois Abã estava batendo na porta do quarto de Sayyid.
Ele entrou sem esperar por um convite e falou sem uma saudação.
Pai, eu tenho um pedido.
Uma ligeira reverência foi sua única tentativa de lealdade.
Sayyid fingiu um bocejo.
Como você ousa entrar no meu quarto, me acordando a esta hora, exigindo ...
Abã se endireitou, negando os protestos de seu pai.
Nós dois sabemos que você esteve assistindo da sua varanda a noite toda.
A diversão de Sayyid foi anulada pela urgência de Abã.
A melhor maneira de ganhar o favor dos parentes de Jó é fazer uma grande demonstração de presentes - para seus parentes e para o próprio Jó.
Antes que Sayyid pudesse comentar, Abã se apressou.
Devemos começar oferecendo ervas medicinais para Jó - imediatamente.
Ervas medicinais.
Os motivos de Abã estavam se tornando claros.
Ele era um homem apaixonado, tentando impressionar a mulher do seu coração.
Diná.
E o que diremos aos parentes de Jó quando perguntarem por que não fornecemos assistência médica a Jó antes?
Eu não sei, pai. Mentir é a especialidade sua. Estou simplesmente tentando manter a paz com um exército três vezes maior que o nosso.
Sayyid levantou as mãos em falsa rendição.
Sei que nós combinamos que eu sou o mentiroso e você é quem fala a verdade.
Ele sorriu maliciosamente.
Então diga a verdade, meu filho. Você espera obter a paz com esta benevolência ou o amor da serva de Jó?
O choque no rosto de Abã era impagável.
Sou seu capitão, agindo em seu nome, Sayyid. Não tem nada a ver com Diná.
Ele se endireitou em uma pose rígida.
Meu trabalho é dar sua explicação sobre o tratamento prestado a Jó antes.
Então me diga, guardião da verdade, Sayyid disse, por que você não come uma fatia deste negócio de mentira. Evidentemente, sou muito bom nisso, mas você precisa de um pouco de prática.
Os olhos de Abã endureceram com a zombaria, mas Sayyid estava determinado expor a lealdade dividida de seu filho.
Podemos dizer que seu médico se recusou a tratar Jó por medo dos deuses.
Abã ergueu uma sobrancelha questionadora.
Sim, podemos dizer isso. E se eles perguntarem por que não fornecemos mais ervas para sua amada Diná tratar Jó?
Sayyid ficou excitado quando as narinas de Abã se abriram com a menção de Diná e observou com satisfação enquanto seu filho sufocava as emoções fracas.
Vamos mexer um pouco com seu desdém por Diná, Abã disse categoricamente, e dizer que nos recusamos a fornecer remédios para suas mãos manchadas de sangue. Vamos deixar que eles contratem outro médico ou deixem que ela continue cuidando dele.
O peito de Sayyid palpitava de orgulho. Ele deu um tapinha no ombro de Abã.
Meu garoto, você pode ser meu herdeiro algum dia.
Onde vou conseguir ervas a esta hora?
Abã disse, virando-se para a porta.
A lua já passou três quartos e a cidade inteira dorme.
Sayyid ficou parado e deixou suas palavras atingirem o capitão.
Você pode conseguir qualquer coisa a qualquer momento, Abã. Você é meu filho.
O capitão se viroue como esperado, encontrando o olhar de seu pai.
Sayyid viu algo diferente em seus olhos.
Não pedirei mais do que o que é justo, pai. Apenas o que é justo e certo.
Sayyid sentiu o tom hipócrita de Abã como se Sheol tivesse aberto a terra e o engolido.
Como esse garoto se atreve a me censurar!
Sayyid estreitou os olhos em advertência.
Você irá ao edomita Bela e fará com que um destacamento o acompanhe. Em seguida, marche para a casa do meu médico e pegue cada frasco de ervas e infusões que ele possui.
Sayyid se aproximou de seu capitão como um leão em caça.
É justo e correto, capitão, que Bela compartilhe meu medo quando vir a aproximação de um exército. Não é justo e correto que meu médico ofereça suprimentos comprados com meu dinheiro?
Abã ficou imponente, olhando para longe.
A raiva de Sayyid fervilhava diante da impecável calma de seu filho.
Vá, Sayyid disse após um longo silêncio.
Leve os suprimentos de Jó e traga Bela até mim para que eu possa nos manter longe do cemitério.
Eu não aguento mais, Diná. Por que eles não se aproximam?
Jó levantou o braço para que Diná pudesse enrolar a bandagem de linho em seu peito.
Já se passaram seis dias e meus chamados amigos e parentes não suportam me ver ou sentir meu cheiro. Ahh!
O céu noturno ecoou seu grito.
Jó, sinto muito!
Diná afastou o curativo da área sensível.
Jó não gostava de gritar, não gostava de fazer Diná chorar, não gostava que sua esposa tivesse que se esconder em uma caverna como um animal.
Mas nada disso era culpa de Diná.
Sinto muito por gritar, e sinto muito que você tenha que vir aqui como um ladrão a noite para enfaixar minhas feridas. E sinto muito por chorar como uma criança.
Essa humilhação nunca vai acabar?
Nogahla abaixou a cabeça para encarar Jó.
Mestre, você é bem mais quieto que uma criança.
Seus olhos abrandaram seu temperamento.
Ela pegou uma larva que havia caído de uma das feridas e devolveu à sua casa infeccionada.
Volte para aí, pequeno verme. Você não pode sair até que a mirra da senhora Diná o mate.
Jó e Diná trocaram olhares.
O cumprimento de Diná foi recebido com um sorriso cauteloso de Jó.
Obrigado, fiel assistente, Diná disse e então olhou para Jó.
As larvas estão controlando sua infecção, e a mirra reduziu algumas feridas na última semana. Podemos ter esperança, Jó.
Ele engoliu seco e assentiu.
Qualquer outra palavra teria enviado mais lágrimas em seu rosto.
Embora sua voz ainda seja um sussurro, disse ela, está ficando mais forte e você pode comer caldo e claras de ovos agora.
Diná parecia tão decidida em lutar contra seu desespero quanto a garota cuxita.
Ela afastou as faixas de tecido da carne debaixo do braço dele.
Seu corpo inteiro tremia de dor enquanto um gemido gutural escapava entre os dentes.
Lágrimas correram pelo rosto de Diná enquanto ela trabalhava.
Se você permitir que Abã aceite as folhas de qat que Zofar trouxe de Saba, disse ela, poderíamos controlar melhor a sua dor. Agora que as feridas na boca sararam, você pode mastigar as folhas ou usar o cachimbo de Zofar para fumá-las.
Pela segunda noite consecutiva ela abordava o assunto.
Eu te disse antes, Jó disse entre os dentes cerrados, Preciso de uma mente limpa quando Elifaz, Bildade e Zofar encontrarem coragem para subir aqui. Não posso ficar entorpecido, mastigando qat, enquanto eles discutem sobre minha casa e minha terra.
As mãos de Diná ficaram imóveis. Sua voz era gentil, mas incrédula.
Você realmente acha que é por isso que eles vieram, Jó? Você acha que eles trouxeram um exército para tomar sua casa e suas terras?
Jó sentiu seu queixo tremer.
Por favor, El Shaddai, segure minhas lágrimas.
A dor era tão grande.
Ele respirou fundo e soltou as palavras que estavam engasgadas ha seis dias.
A intenção original deles era proteger minha casa e minha terra, Diná. Mas todos os dias eles vem à beira do monte de estero trazidos pela mão por Bela e Sayyid, enquanto Zofar caminha ao lado deles. Eles ouvem as mentiras de Sayyid, comem a comida de Sayyid e se divertem com Sayyid. Quando tento gritar, eles ouvem apenas meu sussurro, e Sayyid murmura em seus ouvidos, dizendo: 'Veja como o pobre homem sofre.'
Bela permanece calado, mas ele adora o tio Elifaz, e eu sei que ele está trabalhando em sua própria agenda. Ele quer chegar ao poder como o primeiro rei edomitas, e pra isso quer a minha ruina. Meus três parentes parecem alheios a tudo, exceto ao luto, contentes por estar bem alimentados e enganados por meus inimigos.
As lágrimas de Jó finalmente transbordaram e ele respirou fundo.
Mestre Jó.
A voz calma de Nogahla rompeu sua mortalha.
Quero que saiba que Abã contou toda a verdade a seus parentes.
Seus olhos brilhavam sob o luar, e Jó sabia que ela tinha um grande peso de responsabilidade.
Ele acariciou o rosto da garota com a mão enfaixada, grato pelas ervas e por um amigo que não recuou.
Sei que seu coração tem esperança na capacidade do capitão em convencer meus parentes, pequena. Mas eu conheço Elifaz, Bildade e Zofar melhor do que suas imas e esposas. Eu vivi com eles, orei com eles, estudei com eles e até aprendi a pensar como eles na Casa de Sem.
Sua voz ficou grave e Nogahla levou uma xícara de chá de menta, permitindo-lhe continuar.
Pelo que você me contou, Bildade está convencido de algum mal oculto em minha vida que trouxe julgamento para minha casa. E ele vê a idolatria de Sítis como uma fraqueza na minha liderança.
Ele olhou para Diná, tentando transmitir seu nível de certeza.
Sei que Elifaz, Bildade e Zofar foram influenciados pela mentira de Sayyid, e eles me julgarão severamente. Mas o pior...
Sua garganta se apertou e ele mal conseguia pronunciar as palavras.
Creio que Bildade tirará Sítis de mim, a menos que Senhor intervenha.
Ele abaixou a cabeça para que as lágrimas caíssem nas cinzas.
Sítis ouviu o ruído de passos no caminho rochoso que levava à caverna da viúva e afastou a cortina nova que Abã lhes trouxera.
Os primeiros raios da manhã não apareciam mais pelos buracos e o tecido de linho criava uma barreira contra o calor do verão e o frio noturno.
Sítis viu Diná e Nogahla retornando dos cuidados com Jó escoltados por Abã.
Os três pareciam tão sombrios quanto pastores sem ovelhas.
Sítis deixou a cortina cair e olhou para a forma adormecida de Orma.
Na última semana a preciosa viúva havia provido um lar e uma família naquela pequena caverna. Aquilo significava mais para Sítis do que ela poderia ter imaginado.
Ela sentia falta de JóQueria perguntar mil coisas sobre El Shaddai. Seu coração estava mais calmo do que nunca.
Obrigada pela minha vida, ela orou, esperando a chegada das novas amigas.
Quando Diná e Nogahla puxaram a cortina e olharam para dentro da caverna, Sítis sussurrou: Estou acordada.
Diná daria o relatório sobre o progresso de Jó, enquanto Nogahla iria dormir por algumas horas antes de voltar para observar a interação de Sayyid e Bela com os parentes.
Diná sinalizou para que Sítis se encontrasse com elas na entrada da caverna.
Jó quer que o preparemos para o pior, mas que oremos pelo melhor de Deus.
Ela amiga falou sem cerimonias. Seu olhar era intenso.
Sítis assentiu, mas não respondeu, apreciando a franqueza de Diná.
O que sabemos é o seguinte: Nogahla disse que Abã falou com sinceridade sobre o caráter de Jó e os eventos do ano passado.
Sítis sorriu para Nogahla, roçando o rosto.
Ela certamente deve estar satisfeita que o homem que roubou seu coração.
Mas os olhos da pequena cuxita se encheram de lágrimas.
Sinto muito, senhora. Parece que não faz diferença. Seus parentes estão inclinados a acreditar nas mentiras do mestre Sayyid.
Sítis assentiu, e sua própria garganta apertou enquanto estudava a feição triste de Diná.
Essa é a pior notícia?
Receio que não. Diná hesitou.
O coração de Sítis desabou e ela levou a mão trêmula à garganta.
O que mais?
Jó acredita que Bildade tentará levá-la daqui, para longe de seu marido.
Um pequeno soluço escapou antes que Sítis conseguisse controlar suas emoções.
Ela estendeu a mão para tentar se firmar contra uma pedra.
El Shaddai, me dê força.
Dá-me sabedoria.
Por que Bildade me afastou de Jó?
Diná abriu a boca para falar, mas Abã deixou escapar a horrível verdade.
Seu irmão e os parentes de Jó acreditam que ele cometeu algum pecado oculto, e se recusa a se arrepender. Bildade não vai deixar você aos cuidados de um marido perverso.
O que é ridículo!
Os olhos de Diná brilharam.
Se Abã tivesse conhecido Jó em vez de passar a vida inteira recebendo ordens de seu pai leviatã, talvez ele pudesse ter montado uma defesa melhor.
Ela agarrou o braço de Nogahla.
Venha, Nogahla.
Você deve descansar um pouco antes de voltar ao acampamento hoje.
A garota lançou um olhar de desculpas antes de desaparecer na caverna com Diná.
Abã ficou de olhos arregalados.
Por que ela está com raiva de mim? Senhora Sítis, eu fiz o meu melhor. Nogahla ouviu meu testemunho. Ela sabe...
Sítis estendeu a mão e segurou o braço do jovem, silenciando-o.
Sua pele lisa e barba aparada lembrava de seus próprios filhos, que deveriam ter mais ou menos a idade de Abã.
Acredito em você, disse ela, sem ter certeza do porquê.
O alívio em seu rosto reforçou sua confiança.
Diná está frustrada por não poder fazer mais, e está tão sem esperança quanto o resto de nós.
Dando tapinhas em seu rosto, ela acrescentou: Ela também se sente responsável por proteger Nogahla do capitão bonito, charmoso e perfeito até que tenha certeza de suas intenções.
Abã pegou a mão dela e beijou - como os meninos costumavam fazer quando crianças.
A lembrança perfurou seu coração, e uma dor inesperada quase a estrangulou.
Naquele momento, no entanto, ela viu a resposta ao seu problema.
Abã!
Ela pegou a mão dele, e ele pulou como uma criança.
Você não vai gostar do que vou dizer, mas acredito que nosso futuro depende disso.
Ela se afastou da entrada da caverna para que as outras não ouvissem.
Estarei com Jó esta manhã.
Ele tentou protestar, mas ela levantou a mão para silenciá-lo.
Ouça-me. Antes de ver Jó, me encontrarei com Elifaz, Bildade e Zofar. Farei com que vejam meu cabelo, ouçam minha versão do que aconteceu no mercado. E o mais importante, quero que resgatem os ossos dos meus filhos dos escombros da casa de Ennon.
Ela observou o choque e a admiração no rosto de Abã, e desejou que Diná também pudesse ter visto.
A vitória nos olhos de Abã a convenceria da lealdade dele.
Prefiro que não saa da caverna, mas acho que seu plano é brilhante. A crueldade que Sayyid mostrou ao recusar sepultar seus filhos anulará as desculpas esfarrapadas - principalmente quando seus parentes testemunharem sua humilhação e tristeza.
Sítis estudou a expressão de Abã e vislumbrou os belos traços de seu pai.
Estou prestes a colocar minha vida em suas mãos, Abã. Preciso lhe fazer uma pergunta.
Seus olhos permaneceram claros e sem máscara.
E eu vou dizer a verdade, senhora.
Por que você está fazendo isso? Queria perguntar antes, mas não queria que Diná ou Nogahla ouvissem sua resposta. Quero a verdade, Abã, seja qual for.
No fundo, Sítis temia a resposta de Abã.
Mas ela tinha que saber. Algo além da razão a convenceu de que ele seria honesto.
O jovem encostou-se numa pedra próxima, suas feições abertas e relaxadas.
Quando meu pai deu a ordem para te matar, percebi que ele havia perdido sua estrela guia. A única pessoa que ele sempre amou, sua paixão singular, não o guiava mais. Quando um homem mau perde sua orientação, ele se torna um louco. E um louco destrói tudo em sua vida.
Suas palavras eram práticas e desapegadas.
Pela primeira vez, Sítis percebeu o treinamento daquele guerreiro.
Vida e morte eram tão comuns quanto pão e ar.
Lança e flecha faziam parte de sua rotina como colheres e figos.
De onde vem sua orientação, Abã? As palavras escaparam de seus lábios.
Você segue um deus, um código moral ou seu coração?
Abã chutou alguns pedriscos, e Sítis lembrou novamente de seus filhos quando tinham de responder uma pergunta difícil.
O silêncio forçou Sítis a chutar pedriscos enquanto esperava pela resposta de Abã.
Não conheço esse El Shaddai de quem você e mestre Jó falam. Minha mãe foi mandada embora antes que pudesse me ensinar sobre os deuses do Egito, e Sayyid nunca me ensinou a adorar os deuses ismaelitas.
Ele fez uma pausa, olhando para o nascer do sol.
Neste momento eu sigo meu coração. Talvez um dia eu tenha uma resposta melhor para você.
Ela estendeu a mão, segurou o rosto dele nas mãos e atraiu seu olhar para ela.
Algum dia meu marido vai te ensinar sobre o Altíssimo, Abã. Descobri que o Senhor é a única resposta que nós precisamos.
Sítis pontuou suas palavras.
Agora, vamos ver meu irmão.
Os gritos despertaram Jó de um cochilo matinal.
Ele viu Abã correndo em direção à pilha de esterco nos primeiros raios do amanhecer.
O quê? O que seria?
Jó tentou gritar, mas sua voz ainda estava muito fraca.
O guarda ergueu as mãos para pedir calma, mas o gesto teve pouco efeito no coração acelerado de Jó.
Depois de tudo o que aconteceu, qualquer grito - até mesmo brincadeira de criança - desencadeava pânico.
Jó notou uma comoção súbita perto da tenda de Bildade e viu Elifaz e Zofar correndo pra lá.
Mais lamentações começaram.
Abã!
Jó gritou com toda força e sentiu algo ceder na garganta.
O guarda chegou à beira do seu monte de esterco e cinzas.
Não se assuste, disse ele, marchando contra a pilha.
Sítis foi visitar o irmão e acabou de mostrar o cabelo.
Jó não conseguia decidir se ria ou chorava.
As palavras de Abã soaram como se uma serva tivesse trançado os cabelos de Sítis de maneira horrenda, deixando o príncipe ismaelita descontente.
Bem, tomara que ele não desmaie.
Abã riu do sarcasmo de Jó e se sentou ao lado dele como um velho amigo.
Eles permaneceram em silêncio até o sol nascer.
Eu não queria trazer sua esposa até aqui, mestre Jó, Abã finalmente falou.
É perigoso. Sayyid e os inominados a querem morta. Farei tudo o que puder para protegê-la.
Ele continuou olhando para frente.
Sayyid observa tudo da varanda. O vale, os visitantes, tudo, inclusive você.
Obrigado, Abã.
Jó queria dizer mais, mas sua garganta começou a sangrar.
Ele queria implorar a Abã para proteger Sítis com cuidado, mas ele já tinha dito que faria.
Teria que confiar na fidelidade do homem que já havia confidenciado uma verdade oculta.
Obrigado teria que ser suficiente.
Veja, Sítis está saindo da tenda de Bildade.
Jó percebeu que Abã a estava escoltando até o monte de esterco.
O coração de Jó pulou do peito ao ver sua esposa.
Já fazia uma semana desde sua última visita.
Sítis, meu amor.
Sua voz era um sussurro novamente.
Jó.
Ela andou chorando.
Abã ajudou a subir no monte de cinzas com os olhos vermelhos e inchados.
Sítis, o que aconteceu? O que eles te disseram?
Ela desabou diante dele. O rosto tão perto da sujeira que ele estendeu a mão para pegá-la.
A dor quase o cegou.
Pedi para sepultar os ossos de nossos filhos. Jó e Bildade concordaram, se eu voltasse com ele para viver o resto de meus dias em reclusão.
O corpo de Jó substituiu a dor pela raiva.
Ela olhou para cima, procurando uma resposta, mas depois olhou para baixo novamente, como se tivesse medo de sua resposta.
Ele disse que eu envergonhei minha família, mas se voltar de bom grado, você pode manter as terras que ele lhe deu como meu dote.
Não.
A voz era apenas um sussurro, mas Sítis ergueu a cabeça.
Ela deu um sorriso satisfeito.
Mas seu semblante logo mudou.
Hesitante, ela disse: Elifaz está de acordo. Se eu não for por bem com Bildade, Elifaz tomará todas as terras edomitas de você e as dará a Bela. Você não terá nada, e Bela se tornará o homem mais rico do Oriente. Bela provavelmente governará os edomitas quando Esaú morrer.
Jó desejava protegê-la em seus braços.
Em vez disso, ele deteve o olhar nela.
Jeová-Jireh, Sítis. Deus é meu provedor. Não prejudiquei ninguém. Se eles nos enganarem, Deus nos defenderá. Se puder escolher, você não irá com Bildade, meu amor. Se eu tiver o Senhor e você, estarei completo. Mas você deve escolher onde seu coração encontrará contentamento.
Jó nunca tinha visto a luz no rosto de sua esposa brilhar.
Eu escolho o Senhor e você, marido. Estou contente em saber que nada poderá me separar de Deus ou de você.
Ela era sua princesa ismaelita - a mulher mais bonita que ele já vira.
Ela chamou Abã, que esperava na beira do monte de estero.
Pode me levar para casa agora, meu amigo. Ficarei em Uz.
Ela beijou hesitantemente os lábios cheios de bolhas de Jó.
Voltarei hoje à noite com Diná para ajudar a tratar suas feridas.
Ela se virou e começou a descer pela lama.
Ele desejava abraçá-la, beijá-la e amá-la profundamente.
Algum dia você se deitará em meus braços novamente, esposa, e eu não vou deixá-la ir.
Ela riu como uma donzela tímida.
Jó observou Abã levá-la embora.
Ele se deleitou com o balanço de seus quadris, as curvas delgadas de sua forma.
Sítis voltou a acenar, e o coração de Jó se derreteu como na primeira vez que a viu.
18
Jó 3:1
Depois disso Jó abriu a boca e amaldiçoou o dia do seu nascimento.
Diná lentamente percebeu uma mulher gritando seu nome.
Estou sonhando? Oh!
Ela se levantou do colchão e percebeu que ela devia ter dormido uma boa parte da manhã.
Senhora Diná, você está aí? veio a voz do lado de fora da caverna.
Eu trouxe um presente.
O sussurro foi alto o suficiente para acordar os mortos.
Nogahla não acordou.
A viúva Orma estava presa sob o braço direito de Nogahla.
Seus olhos cintilantes encaravam Diná.
Olááááááá! a voz persistente chamou mais uma vez.
Tudo bem!
Diná rastejou em direção à porta, puxou a cortina e saiu.
Ela não reconheceu o rosto.
A mulher tinha apenas dois dentes. Sua pálpebra esquerda escondia a fenda onde antes havia um olho.
O coração de Diná amoleceu imediatamente.
Que presente você poderia ter para nós, querida mulher? Eu não conheço você.
Trouxe um presente para a Senhora Sítis de sua serva, Nada.
A pobrezinha estendeu uma pequena panela de mingau e riu.
Nada disse que era apenas para a senhora Sítis.
É uma mistura de frutas cozidas, temperadas com canela, açafrão e mel.
Aqui, minha filha.
Pegue.
Diná pegou o pote, e o aroma a deixou com água na boca.
O cheiro é ótimo.
Sim, mas Nada disse que esse presente era só para Sítis. Se ela quiser compartilhar com você, tudo bem.
O olhar severo da mulher forçou Diná a concordar.
Claro. Sítis deve chegar a Jó a qualquer momento. Vou entregar pessoalmente. Por favor, agradeça a Nada.
A mulher deu um tapinha no rosto de Diná como se fossem velhas amigas e tomou o caminho de volta.
Quem era, querida?
Orma se soltou das mãos de Nogahla e se enrolou num cobertor no canto da caverna.
O que é isso na sua mão?
A viúva tornou-se quase invisível nos últimos dias.
Diná percebeu que ela não estava bem, mas Orma nunca admitiria isso.
O que é isso? Ela se sentou e bateu nos lábios, limpando a boca.
Diná riu.
Nunca vi tanta agitação por causa de uma panela de mingau.
Diná entregou o pote para a viúva, se ajoelhou no espaço ao lado de Nogahla e contou as instruções da velha.
Nada disse que seu é apenas para sua senhora.
Orma levantou a tampa e o cheiro impregnou a pequena caverna.
Diná ergueu uma sobrancelha para Nogahla.
Um presente especial para Sítis.
A cuxita não estava mais com sono.
Nada... aquela mandona ...
Precisamos ser pacientes. Talvez ela compartilhe.
Sítis passou pela cortina, o rosto iluminado.
Ah!
Diná ofegou.
Não ouvimos você entrar.
Ela esperou que Sítis não tivesse ouvido nada.
Ela se juntou a Diná no colchão de Nogahla.
Abã está esperando do lado de fora para levar você e Nogahla a Jó.
Sua voz era intensa, seus modos urgentes.
Bildade, Elifaz, Zofar e Eliú concordaram em falar com Jó hoje. Preciso que vocês duas estejam lá.
O coração de Diná pulou na garganta.
Sítis, eu não posso. Eu... Por que eu tenho que ir? Minha presença deixaria Zofar e Eliú furiosos. Bildade e Elifaz provavelmente sentem o mesmo.
Antes que Sítis pudesse explicar, Diná sentiu as mãos de Nogahla nas dela.
Senhora, sei que está com medo. Sei que você luta contra a vergonha cada vez que aqueles homens dizem coisas ruins sobre você.
O rosto da garota brilhava e Diná se perguntou como ela havia crescido sem sua permissão.
Uma vez você me disse que El Shaddai removeu sua vergonha, e nenhum homem poderia te fazer carregá-la novamente. Você ainda acredita nisso, senhora?
A garganta de Diná apertou e um soluço surgiu antes que as palavras pudessem chegar.
Como ela poderia negar a fé simples de Nogahla?
A viúva Orma deixou o pequeno pote de mingau e se arrastou para se juntar a elas.
Talvez devêssemos pedir a bênção do Senhor para o que virá.
A família de quatro pessoas unidas pelo coração se uniu e inclinou a cabeça.
El Shaddai, Diná começou: Não sei as palavras certas. Não tenho cabra nem cordeiro para sacrificar, mas creio que ouvirás nossos gritos e verá nossas lágrimas.
A emoção estrangulou as palavras de Diná. Então Sítis prosseguiu.
Nós somos a oferta, Senhor. Nós nos colocamos no altar do sacrifício hoje.
Sítis ergueu a cabeça, fez uma pausa enquanto as outras concordaram.
Amém.
Diná segurou o queixo de Sítis.
Nogahla e eu iremos. O que você quer de fazer?
Jó precisará de cuidados extras ao apresentar nosso caso aos parentes.
Sítis começou a pegar os itens e colocar na cesta.
Leve bastante chá de menta para a garganta, ervas e ataduras suficientes para manter a dor em níveis toleráveis.
Ela estendeu a mão no rosto de Diná.
Sua presença vai significar mais.
Orma se moveu para o canto e se enrolou no cobertor novamente.
E o presente de Nada?
Sua voz era fraca, mas cheia de travessuras.
Oh, Sítis! Quase esqueci.
Diná se virou a tempo de ver Orma entregar o pequeno pote de mingau.
Diná entregou a mistura aromática nas mãos de Sítis, observando a mulher inspirar com prazer.
Nada não faz isso para mim desde que meus filhos eram crianças! ela gritou.
Orma e eu guardaremos um pouco para você experimentar quando retornar.
Diná e Nogahla se despediram enquanto Sítis e Orma mergulharam partes do presente de Nada.
Jó observou enquanto os homens se reuniam.
Sayyid surgiu das tendas ismaelitas com Bildade, e Eliú caminhou atrás deles.
Elifaz e Zofar aguardavam no caminho central, prontos para enfrentar seu parente rebelde.
Ele procurou por Bela, mas não o encontrou.
Pelo menos um de meus inimigos decidiu ficar em casa.
Examinando o desfiladeiro pontilhado de tendas, Jó não viu sinal de Abã ou de seus amigos.
Ele travaria aquela batalha sozinho.
O coração de Jó bateu com tanta força que ele pensou que seu peito estouraria.
Quando os homens se aproximaram, a amargura ameaçou afogá-lo.
Eliú avançou à frente dos anciãos até o monte fedorento de Jó.
Os guardas de Sayyid tinham vindo esta manhã espalhar cinzas onde as esteiras dos anciãos seriam colocadas.
Eliú liderou, tão solene quanto um cortejo fúnebre. Todos usavam um sachê fresco de ervas sobre o nariz e a boca.
O aluno de Jó deve ter se lembrado da recomendação de Diná para Sítis.
Antes que os outros sentassem em suas esteiras Eliú correu para o alto da pilha de Jó.
Curvando-se formalmente, ele fez uma apresentação para quem chegasse.
Abba, seus parentes hesitaram em vir mais cedo por causa de seu grande sofrimento. Elifaz, Príncipe Bildade e Zofar ... eles queriam esperar até ...
Mas Jó explodiu.
Amaldiçoo o dia do meu nascimento, disse ele, ignorando as desculpas de Eliú.
Por que não morri ao nascer e não pereci quando saí do ventre? Pelo menos agora eu estaria deitado em paz. Deus pode tudo, menos desaparecer!
A alguns passos de distância, os anciãos haviam tirado as sandálias na beira da pilha de cinzas e ficaram de olhos arregalados com a explosão de Jó.
Eles se viraram para Sayyid, como se esperassem uma orientação antes de se sentarem.
Sayyid estendeu a mão em direção ao monte de cinzas, como se Jó não existisse, falando baixinho.
Por favor, sentem-se, disse ele.
O sangue de Jó ferveu, mas ele segurou a língua até que todos os cinco homens se sentassem em sua montanha de estrume.
Tio Elifaz foi o primeiro a arriscar uma palavra.
Se alguém se aventurar a dizer a você uma palavra, isso tirará a sua paciência?
Ele não esperou a resposta de Jó, mas prosseguiu como um boi selvagem.
Mas quem pode refrear as palavras? Pense bem! Você ensinou a tantos.
Ele acenou com a cabeça na direção de Eliú.
Suas palavras davam firmeza aos que tropeçavam; você fortaleceu joelhos vacilantes. Sua vida piedosa não inspira confiança a você? E o seu procedimento irrepreensível não dá a você esperança? Pense bem, você é como meu próprio filho. Qual foi o inocente que chegou a perecer? Se você não tivesse pecado escondido em seu coração, você não estaria sofrendo.
Lágrimas se formaram no olhos do velho e o coração de Jó se partiu.
Elifaz sempre fora falastrão, mas Jó sabia que o homem o amava.
Ouça, Jó.
Elifaz estendeu os dedos e apoiou o queixo.
Em meio a sonhos perturbadores da noite, quando cai sono profundo sobre os homens. Temor e tremor se apoderaram de mim e fizeram estremecer todos os meus ossos. Um espírito roçou o meu rosto, e os pelos do meu corpo se arrepiaram. Ele parou, mas não pude identificá-lo. Um vulto se pôs diante dos meus olhos, e ouvi uma voz suave, que dizia: Poderá algum mortal ser mais justo que Deus? Poderá algum homem ser mais puro que o seu Criador?
O rosto de Elifaz exibia uma máscara de temor por El Shaddai.
O primogênito de Esaú era o líder espiritual apaixonado do clã edomita e era conhecido por ter essas visitas noturnas do mundo espiritual.
Se Deus não confia em seus servos, se vê erro em seus anjos e os acusa, quanto mais nos que moram em casas de barro.
Ele balançou a cabeça, sua barba branca roçando sua barriga como uma vassoura.
Clame, se quiser, mas quem o ouvirá? Seus filhos longe estão de desfrutar segurança, maltratados nos tribunais, não há quem os defenda. O homem nasce para as dificuldades tão certamente como as fagulhas voam para cima. Mas, se fosse comigo, eu apelaria para Deus; Como é feliz o homem a quem Deus corrige; portanto, não despreze a disciplina do Todo-poderoso. Pois ele fere, mas trata do ferido; ele machuca, mas suas mãos também curam.
Acenando para Bildade e Zofar, Elifaz garantiu sua proposta presunçosa.
Nós examinamos sua situação e descobrimos que essas coisas são verdadeiras. Portanto, ouça nossas palavras e aplique-as a você mesmo.
Jó respirou fundo, sentindo-se roubado.
Sem fôlego, vida, dignidade ou direito de ser ouvido.
Elifaz não tinha intenção que suas perguntas fossem respondidas ou que suas respostas fossem questionadas.
Se tão somente pudessem pesar a minha aflição e pôr na balança a minha desgraça!
A indignação fortaleceu a voz fraca de Jó.
Não é de admirar que minhas palavras pareçam impetuosas! O terror de Deus se apoderou de mim. Não posso comer, nem dormir. Minha única oração é que Deus pudesse me esmagar em meio à dor implacável, antes de negar as palavras do Santo!
Os anciãos pareciam impassíveis, mas o rosto de Eliú estava ferido.
Você não está falando sério.
Estou falando sério! Que esperança me resta? Um homem desesperado deve receber a compaixão de seus amigos! Mas os meus irmãos enganaram-me como riachos temporários - num momento fluindo água em abundância, em outro seco como o deserto. Vocês vieram para me confortar, mas viram algo horrível. Olhem para mim. Lembre-se de quem somos um para o outro. Alguma vez menti para vocês? Eles observaram os insetos rastejando em suas esteiras. Eu disse: olhem para mim!
Relutantemente, seus olhos percorreram suas feridas.
Por acaso eu lhes pedi pão? Pedi que restituíssem as riquezas Ele esperou, mas eles não deram resposta.
Não! No entanto, vocês aceitam presentes do meu inimigo enquanto meus dias correm mais depressa que a lançadeira do tecelão, e chegam ao fim sem nenhuma esperança.
Os belos traços de Bildade, tão parecidos com os de sua irmã, permaneciam impenetráveis.
Zofar mudou de posição e se distraiu uma mosca zumbindo em torno de sua cabeça.
Elifaz estava atento, embora continuasse oferecendo uma concordância tácita aos anciãos.
Lembra-te, ó Deus, de que a minha vida não passa de um sopro, Jó gritou, voz e mãos erguidas.
Se pequei, que mal te causei, ó tu que vigias os homens? Por que me tornaste teu alvo? Por que você não perdoa meus pecados, como prometeu?
O rosto de Bildade ficou vermelho.
É assim que você foi ensinado a se aproximar do Altíssimo? Gritando, acusando e questionando? Até quando você vai falar desse modo? Acaso Deus torce a justiça? Quando os seus filhos pecaram contra ele, ele os castigou pelo mal que fizeram. Até Eliú entende isso. Ele nos disse que você oferecia sacrifícios toda vez que uma das celebrações terminava.
Jó olhou para Eliú, espantado com a traição de seu jovem aluno.
Eliú balançou a cabeça em negativa e Bildade se irritou com a repreensão silenciosa de Jó.
Não é culpa de Eliú que seus filhos tenham sido criados por uma mãe idólatra.
Jó se sentiu como se tivesse levado um tapa.
Perdeu o fôlego.
E algo mudou na expressão de Bildade.
Talvez ele tivesse ido longe demais.
Ouça, Jó, Bildade disse, sua voz mostrando uma medida de remorso, se você procurar Deus e implorar junto ao Todo-poderoso, se você for íntegro e puro, ele se levantará agora mesmo em seu favor e o restabelecerá no lugar que por justiça cabe a você. Elifaz e eu somos mais vividos e temos muito a lhe ensinar. A tradição é um guia valioso. Podemos garantir que Deus não rejeita o íntegro e não fortalece as mãos dos que fazem o mal.
Jó olhou para seus amigos - Eliú, Zofar, Elifaz e Bildade - e notou o sorriso no rosto de Sayyid.
Ele deu um suspiro profundo.
Ele estava exausto.
Cansado e miserável. Ansiava pela morte.
Enquanto olhava além das tendas na entrada do vale, os raios do sol ressaltaram três silhuetas.
A visão era como água fria para uma alma sedenta.
Abã, Nogahla e ... até mesmo Diná, caminhavam na direção dele.
De repente, ele se lembrou da promessa de Sítis.
Voltarei hoje à noite, ela disse.
Ele queria dizer a ela que lutou bem.
Jó encarou o olhar de Bildade.
Testemunho a verdade na sua declaração: Deus não rejeita o íntegro e não fortalece as mãos dos que fazem o mal.. No entanto, o que dizer da revelação de Elifaz? Como pode um homem ser irrepreensível diante de Deus? De acordo com esse argumento, todos os homens não são maus?
Jó percebeu a consternação no rosto de Bildade ao ficar preso na teia de lógica de Elifaz.
Você diz, 'implore a El Shaddai', mas como poderia? Ele é muito poderoso, invisível e inabalável. Se o Altíssimo me concedesse uma audiência e revelasse que todos os meus atos eram certos, tenho certeza de que minhas palavras me condenariam, Bildade. Por isso, parece que Deus está brincando conosco, zombando enquanto a tragédia engole os pobres e humildes. Se Deus não faz mal aos humildes, quem o faz? Existe outra força em ação no universo?
Jó observou o sorriso de Sayyid se alargar e as veias do pescoço de Bildade saltarem.
Elifaz colocou a mão na perna de Bildade e o intimidou com um aceno sutil.
Eles permitiriam que Jó se condenasse, mas seu argumento beneficiou Sayyid.
Claro que existem outras forças no universo, Jó continuou, respondendo à sua própria pergunta.
Os ismaelitas de Uz acreditam no poder de suas três deusas, e muitos do clã edomita aceitam o deus da montanha, Kaus. E você, Sayyid? Não adora ídolos?
Sayyid olhou para as expressões no rosto de seus convidados e Jó teve um momento de triunfo.
Ainda assim o idólatra Sayyid parece ser bem próspero. Você não concorda, tio Elifaz?
Jó se inclinou e falou baixinho ao mais simpático de seus visitantes.
Virando o rosto para o céu, Jó gritou novamente para El Shaddai.
Tens prazer em oprimir-me, em rejeitar a obra de tuas mãos, enquanto sorris para o plano dos ímpios? Acaso tens olhos de carne? Enxergas como os mortais? Investigas a minha iniquidade e vasculhas o meu pecado, embora saibas que não sou culpado e que ninguém pode livrar-me das tuas mãos.
Jó.
Elifaz tentou silenciá-lo, mas Jó não se acalmou.
Foram as tuas mãos que me formaram e me fizeram. Deste-me vida e foste bondoso para comigo. Vais me destruir agora? Não consigo entender. Tentei sorrir e fingir que tudo acabará bem, mas não consigo mais disfarçar meu desespero. Por favor, Senhor, sou apenas um homem! Preciso de um árbitro. Do contrário, deixe-me descer à sepultura em paz.
Após essas palavras, Jó ficou em silêncio enquanto as lágrimas flluíam.
Uma mão suave tocou seu ombro enfaixado. Ao olhar para cima, Diná estendeu uma xícara de chá de menta.
Ela e Nogahla haviam escapado da caverna queimada e subiram discretamente o monte de cinzas.
Ele se sentiu fortalecido pela amizade de todos eles.
Abã era uma sentinela no pátio, a uma distância segura de ambos os lados da batalha.
Jó percebeu a troca de olhares entre Sayyid e seu capitão, mas também recebeu um sorriso de Abã.
Você é confiável, meu jovem amigo?
A distração de Jó foi interrompida por um rosnado baixo e feroz.
Zofar tinha visto Diná.
O ódio nos olhos dele a assustava.
Ela tentou firmar a mão trêmula para não derramar o chá de Jó.
Estou inocente diante de El Shaddai.
Nenhum homem pode me envergonhar.
Inocente diante de El Shaddai.
Sem vergonha.
Ela repetia as palavras na mente, tentando misturar a verdade em seu coração como fermento na massa do pão.
Até agora não estava funcionando muito.
Todas as perguntas de Jó ficaram sem resposta?
Zofar gritou, e Diná pulou como um burro assustado, derramando chá nas mãos de Jó.
Sinto muito, sussurrou ela.
Ele indicou que ela deveria se sentar, e ela se acomodou atrás de seu ombro.
Você diz que suas crenças são perfeitas e que está puro aos olhos de Deus. Gostaria que Deus falasse com você e revelasse os segredos da Sabedoria. A verdadeira sabedoria tem dois lados. Saiba disso, Jó: Deus até esqueceu alguns dos seus pecados.
Jó balançou a cabeça e jogou as mãos para o ar.
O que quer dizer com isso, Zofar? Quando você não sabe o que dizer, vomita esse papo intelectual cheio de palavras e pouco significado.
Os lábios de Zofar apertaram com força. Seu rosto vermelho e trêmulo como uma panela prestes a explodir.
Você consegue perscrutar os mistérios de Deus? ele disse.
Se ele ordena uma prisão e convoca o tribunal, quem poderá opor-se? Ninguém! Deus reconhece um homem enganador e age de maneira apropriada. Se você abandonar o pecado que segura em suas mãos ...
Zofar apontou o dedo diretamente para Diná, e ela desejou cavar um buraco no monte de estero e rastejar para dentro dele.
Se estender as mãos para ele; se afastar das suas mãos o pecado e não permitir que a maldade habite em sua tenda, então você levantará o rosto sem envergonhar-se. Ele moveu o dedo acusador para Jó.
Mas os olhos dos ímpios fenecerão e em vão procurarão refúgio; o suspiro da morte será a esperança que terão.
Diná olhou por cima do ombro de Jó e percebeu que começava a tremer.
Tenho certeza de que vocês são os guardiões da sabedoria de Deus e a interpretação correta morrerá com vocês!
O grito de Jó resultou em um ataque de tosse.
Os parentes pomposos de Jó olharam horrorizados.
Vocês vivem em elegância e comodidade, disse ele através da tosse, e desprezam meu infortúnio. É mais fácil se convencer que tudo aconteceu por culpa minha do que acreditar que tudo isso poderia acontecer com cada um de vocês.
Jó ergueu a mão na direção de Sayyid.
Mas como vocês explicam a prosperidade daqueles que provocam a Deus, aqueles que transportam o seu deus em suas mãos?
Sayyid se remexeu na esteira e Diná sentiu orgulho pelo caso que Jó estava defendendo.
O pobre homem mal conseguiu respirar.
Deus é que tem sabedoria e poder; a ele pertencem o conselho e o entendimento. Dá grandeza às nações e as destrói; faz crescer as nações e as dispersa. Todas as coisas que você aprendeu, eu também aprendi. Não sou inferior a vocês em conhecimento.
Jó limpou a boca e ergueu a mão quando Elifaz tentou interromper.
Tudo iria bem se ele os examinasse? Vocês conseguiriam enganá-lo como podem enganar os homens? O esplendor dele não os aterrorizaria? O pavor dele não cairia sobre vocês? As máximas que vocês citam são provérbios de cinza; suas defesas não passam de barro. Falo claramente a Deus como se Ele estivesse aqui diante de mim. Por quê? Embora ele me mate, ainda assim esperarei nele; certo é que defenderei, os meus caminhos diante dele. Aliás, será essa a minha libertação.
Ele limpou a boca novamente e entregou o pano sujo de sangue para Diná.
Considerem isto. Um homem sem Deus se atreveria a falar tão ousadamente? Um homem sem Deus pediria isto a Deus: que Ele retirasse esses terrores e me encontrasse face a face? Isso parece um pedido de um homem sem Deus?
Diná queria bater palmas e torcer por aquele homem que havia sofrido e se apegou tão firmemente à sua fé.
Mas ninguém aplaudiu.
O silêncio palpitava com tensão até surgirem risos por trás do monte de esterco.
Os olhos de Diná se dirigiram para os restos queimados da casa de Jó, onde ela avistou um inominável saltitando com alguns de seus homens.
Ela olhou para Eliú.
Ele também havia notado a presença sinistra.
Eles sentiram um arrepio.
Sayyid pigarreou, chamando atenção para seu sorriso satisfeito.
Jó precisa descansar. Toda essa conversa me deixou com fome. Vou instruir meus cozinheiros a servirem o almoço, e podemos nos reunir novamente quando o calor do dia passar.
Ele bateu palmas e esfregou como se tentasse acender uma fogueira com dois gravetos.
De pé à esquerda de Bildade, ele parecia estar falando com Jó, mas seus olhos dispararam na direção de Diná.
Nossa sobremesa será um mingau de frutas especial que vai agradar Jó e Bildade.
O irmão de Sítis inclinou a cabeça em uma pergunta silenciosa. Sayyid sorriu.
Bildade, você se lembra de Nada, antiga serva de Sítis? Ela preparou um mingau de frutas com mel.
Ele fez uma pausa e olhou para Diná.
Era o favorito de Sítis.
Diná achou estranho que Sayyid falasse sobre Nada, e mais estranho ainda que falasse de Sítis como se ela tivesse ido embora ...
O inominável deu outra risada misteriosa.
Ao lado do inominável estava a velha caolho que entregara o mingau de frutas de Sítis na caverna naquela manhã.
Nãooo!
Diná ficou de pé no mesmo instante.
Os amigos se questionaram o por que, mas foi Jó que sussurrou, O que foi, Diná?
Jó, eu preciso ir.
Ela fez um gesto para Nogahla, e a garota seguiu sem questionar.
Diná, você não vai ficar e experimentar alguns dos pratos favoritos de Sítis?
A voz cantada de Sayyid chamou enquanto ela deslizava pelo monte de cinzas em direção ao pátio, onde Abã estava parado.
Ele saberia o que fazer.
Senhora, por que não podemos ficar para o almoço?
Nogahla perguntou, tentando acompanhar o ritmo de Diná.
Lágrimas começaram a cair do rosto de Diná.
Ninguém mais havia captado a verdade e ela não conseguia dizer as palavras em voz alta.
Envenenaram Sítis com o mingau de Nada.
Ela tinha que chegar até Abã.
Quando elas chegaram no pátio Abã já estava longe, dando as instruções para o almoço.
Diná começou a correr e Nogahla o seguiu.
Abã, espere! Preciso falar com você!
Ele se virou mostrando aborrecimento, mas as lágrimas de Diná o detiveram no meio do caminho.
Diná, o que é? O que aconteceu lá em cima?
É Sítis, ela sussurrou tentando não trair a lealdade de Abã.
Eles a envenenaram com o mingau de frutas de Nada.
Diná viu a compreensão no rosto de Nogahla.
Abã agarrou os ombros de Diná.
Como você sabe disso?
Você ouviu o inominado rindo?
Abã assentiu e Diná prosseguiu.
A mulher caolho que estava ao lado dele entregou um pote de mingau de frutas de Nada esta manhã antes de você voltar para a caverna com Sítis. A velha deixou bem claro que era exclusivamente para Sítis - um presente de Nada.
Diná engasgou com o horror.
El Shaddai, não! A viúva Orma também comeu!
Ela olhou para Nogahla e a garota saiu correndo antes que Diná pudesse impedi-la.
Abã entrou em pânico.
Ela não pode ir sozinha.
Ele começou a seguir Nogahla, mas Diná agarrou seu braço para detê-lo.
Abã, pare! Pense em quem está assistindo, ela sussurrou.
Seja sábio.
Diná puxou a túnica com todas as suas forças.
Você deve abandonar o trabalho com Sayyid, Abã. Você não pode arriscar ainda mais sua posição com seu mestre.
Abã cedeu, sua expressão como granito.
Ele virou e segurou o rosto de Diná entre as mãos e a puxou para perto o suficiente para beijá-la.
Ele sussurrou com urgência: Vá para a caverna! Chegue lá antes que Nogahla, encontre dois corpos sem vida e lembre-se dessa imagem para o resto de sua vida. Eu me importo muito com ela para deixar isso acontecer.
Ele se curvou e beijou Diná rudemente.
Sayyid acredita que eu quero você.
Esta era a desculpa para eu ir na caverna a noite.
Agora vá.
19
Jó 14:13
Se tão somente me escondesses na sepultura e me ocultasses até passar a tua ira! Se tão somente me impusesses um prazo e depois te lembrasses de mim!
O sol da tarde esquentou o manto de Sayyid, mas ele permaneceu do lado de fora do pátio de da cozinha.
Ele encontrou Nada exatamente onde a havia deixado: em pé sobre uma panela de mingau de frutas, chorando.
Ela ficou perturbada quando uma das servas contou sobre a morte de Sítis.
Toda a vida de Nada tinha sido dedicada à sua senhora.
Ela precisava de Sítis como um fogo precisa de lenha.
Um sorriso perverso surgiu em seus lábios.
Limpei o estrume de nossas vidas, Nada.
Sayyid observou a serva em silêncio e se perguntou se ela tentaria voltar ao acampamento de Bildade agora que Sítis se foi?
Sayyid cerrou os dentes.
Jamais permitirei que Bildade tire alguém de mim novamente.
Nada olhou para ele, mas rapidamente voltou sua atenção para a panela.
Ele poderia confiar nela?
Antes de comer sua comida ele queria ter certeza que ela acreditava na sua inocência na morte de Sítis.
Ela não era boba e sabia que seu amor por Sítis havia se transformado em um ódio sombrio.
Ainda chorando, Nada? ele disse, entrando na porta.
Você sabe que Sítis está no paraíso com suas deusas, e você não precisa se sentir culpada.
Ele manteve distância, imaginando que a velha poderia transformar a panela quente em uma arma.
Como você sabia que nossa cozinheira colocaria maçã de Sodoma no mingau de frutas? Ela era uma mulher má e usou seu remédio purgativo para envenenar nossa amiga.
Eu não deveria ter deixado as maçãs de Sodoma em lugar nenhum da cozinha, Sayyid.
Nada passou o nariz na roupa, do cotovelo ao pulso, e Sayyid sentiu nojo pelo que mais poderia ter pingado no ensopado.
Eu não conhecia a mulher e não devia ter confiado nela.
Nada, como expliquei esta manhã, ninguém poderia ter previsto.
Ela manteve aquele segredo bem guardado todos esses anos.
Sayyid deu dois passos em direção à velha. Nada ergueu a colher de pau em aviso.
Ele parou e falou suavemente.
Quando um dos meus guardas viu a velha vindo da caverna da viúva Orma hoje de manhã, ele a questionou e descobriu que ela raiva da senhora Sítis todos esses anos pela perda de seu olho.
Enquanto Nada enxugava as lágrimas na roupa, Sayyid limpou o suor da própria testa, esperando que a história a tivesse enganado.
Nada não precisava saber que a velha era esposa do inominável, nem que perdera o olho há vinte anos numa briga.
Ela finalmente ergueu os olhos.
Sayyid, você parece faminto. Quer um pouco do meu mingau?
Algo nos olhos da mulher o fez parar.
Ela sabia de alguma coisa? Fiz uma boa refeição com nossos convidados, Nada. Não quero mingau.
Tudo bem. ela disse, Você costumava gostar do prato favorito de Sítis quando era um garoto no acampamento do Mestre Bildade. É uma pena deixar esse mingau para suas servas quando você poderia aproveitar.
A mulher tirou a panela do fogo e começou a colocá-la em tigelas.
Sayyid sentiu o aroma de canela e açafrão quebrando sua determinação.
Ela estava convencida de que a velha bruxa envenenou o mingau sozinha.
Mesmo que ela suspeitasse de algo, não ousaria tentar me envenenar.
Nada, sirva um pouco pra mim.
Sayyid se perguntou se talvez estava enganando.
Mestre Sayyid, me sinto estranha comer sozinha com o dono da casa. Posso chamar alguns dos outros servos para se juntar a nós?
Sayyid se irritou com a idéia de permitir que seus servos parassem ao meio-dia.
Por que você se sentiria estranha, Nada? Somos velhos amigos. Vamos fingir que esta é a cozinha de Bildade e eu sou aquele jovem da fazenda.
Ele apontou para a esteira de junco ao lado da mesa e se sentou.
A mulher trouxe duas tigelas do mingau, colocando uma na frente de Sayyid e a outra diante de si mesma.
Sayyid olhou sua porção e depois trocou as tigelas.
Primeiro as damas, disse ele, levantando a colher.
Um lampejo de compreensão registrado na expressão da velha.
Sayyid, eu nunca faria uma coisa dessas.
Ela colocou a primeira porção em sua boca.
Agora, coma. Coma!
Sayyid não precisou de mais incentivos e comeu toda tigela de mingau.
Nada, isso dos deuses!
Ele estava tão ocupado comendo que ignorou o fato da tigela de Nada permanecer intocada após a colherada inicial.
Nãooo!
A percepção doentia foi seguida quase imediatamente por uma dor lancinante em suas entranhas.
A maçã venenosa de Sodoma, servida em pequenas doses, era um purgativo suave.
Sayyid se enrolou no chão.
Só conseguiu perceber os trapos amarrando sua boca para calar seus gritos e o rosto de uma mulher que ele pensara ser gentil.
Jó acordou com o som de um pássaro poupa, e observou o seu banho de poeira na beira de seu monte de esterco.
O sol já passava bem do meio-dia, e o desfiladeiro permanecia quieto após a festa de seus parentes com o banquete de Sayyid.
O cheiro de canela e açafrão persistiu, trazendo uma onda de tristeza.
Bildade e Eliú comeram várias porções do prato favorito de Sítis, o mingau de frutas que seus filhos saboreavam quando pequenos.
Zofar contou histórias da infância de Ennon para roubar a sobremesa especial de sua irmã.
O estômago de Jó revirou-se agora.
Ele não conseguia suportar a conversa ou o mingau de frutas que o lembrava de dias mais felizes.
Como seus amigos podiam rir e fingir que tudo estava bem quando toda a sua vida era pó?
Como aqueles homens, que se diziam família, poderiam continuar vivendo quando Jó morria mais a cada dia?
O movimento na entrada do desfiladeiro chamou sua atenção, e ele reconheceu o físico de Abã serpenteando pelas tendas dos visitantes.
Duas figuras esguias caminhavam ao lado dele. Jó suspirou aliviado porque seus amigos estavam voltando para oferecer seu apoio.
Ele queria que Sítis pudesse se juntar também, mas Jó concordou que ela não ouvisse as acusações de seus parentes.
O perdão era difícil para Sítis. Palavras uma vez faladas não eram facilmente esquecidas.
Era melhor que ela viesse só à noite, depois que os parentes estivessem em suas tendas.
Talvez naquela noite Jó e sua esposa pudessem desfrutar alguns momentos a sós.
Sítis ainda o emocionava, mesmo quando tudo o mais era desgosto.
Abã e Diná se aproximaram, com Nogahla logo atrás.
Jó sentiu o semblante pesado.
Ombros caídos, rostos cinzentos.
Uma pressentimento invadiu seus ossos.
O pássaro poupa voou para longe, levando suas penas brilhantes.
O vale estava quieto - quieto demais.
Onde Sayyid estava e por que ele não havia chamado seus convidados para começar a reunião da tarde?
Ele adorava ver Jó ser torturado ainda mais por seus amigos.
Diná falou rapidamente com Abã e o deixou na frente da tenda de Bildade enquanto ela e Nogahla prosseguram em direção a Jó.
O comportamento de Diná e sua partida antes do almoço foram motivo de preocupação. O beijo de Abã parecia fora do personagem para os dois.
Tenho certeza de que há uma explicação razoável.
Enquanto Diná e Nogahla passavam pelas cinzas e estrume, Jó viu que os olhos estavam inchados.
Diná torceu as mãos, um hábito involuntário de quando estava nervosa ou com medo.
Por que ela estava com medo?
Eu sou o único aqui.
Quando ele olhou nos olhos dela, ficou com medo também.
Jó, preciso que você ouça tudo o que disser antes de me fazer qualquer pergunta. Por favor.
A voz de Diná era entrecortada e ela quase torceu as mãos dos pulsos.
Sayyid está morto.
Jó não sabia o que dizer.
Seu inimigo se foi.
Ele queria se alegrar.
Mas o Altíssimo diz que não devo tripudiar da desgraça do meu inimigo.
Antes que ele pudesse formular outro pensamento, Diná continuou.
Nada o matou.
O quê?
A cabeça de Jó girou com as palavras de Diná.
Uma velha levou mingau para Sítis na caverna esta manhã, mas ela estava trabalhando para Sayyid e envenenou o mingau. Sítis e a viúva Orma comeram enquanto estávamos aqui na reunião.
Ela tentou segurar as mãos dele.
Jó, você está me ouvindo? Ele assentiu.
Sítis e Orma também estão mortas.
O rosto de Diná torceu de pesar, e algo em Jó se partiu.
Ele se jogou para trás na lama e arranhou as feridas, gemendo e chorando.
Não, Senhor! Nããão!
Alguém pode morrer de dor?
Ou de tristeza?
Ele poderia tentar.
A agonia de suas feridas poderiam afogá-lo em escuridão.
Ahh! Senhor, destruíste toda a esperança! Tudo o que sou se foi. Não sou nada.
Jó, por favor. Você está abrindo suas feridas.
Mestre Jó, você precisa me ouvir. Você deve crer. Mestre Jó, sou eu, Nogahla. Você precisa confiar.
Elas tentaram segurar e confortar a tempestade furiosa por dentro e por fora.
Ele rasgou a própria carne.
O fogo abrasador que consumiu seu corpo aliviou a ferida mortal de sua alma.
Lutou com todas as suas forças, cego de raiva, tristeza e dúvida, até que mãos fortes o contiveram e o levaram de volta ao seu lugar no monte de cinzas.
Jó.
Ele se recusou a responder, em princípio, recusou-se a reconhecer que ainda respirava.
Quando finalmente abriu os olhos, o rosto de Abã o encontrou.
Sinto muito. Falhei com você.
As palavras acalmavam Jó mais do que as ervas.
Você precisa deixar Diná e Nogahla cuidar de suas feridas. Seus parentes virão em alguns momentos para planejar o enterro de Sítis.
Jó percebeu que estava deitado nos braços de Abã como uma criança.
Obrigado, ele sussurrou.
Ele chorava copiosamente.
Abã o deitou nos tapetes de junco dos visitantes.
Seus amigos podem encontrar seus próprios tapetes.
O rosto do guarda ficou turvo.
Diná, quando você e Nogahla terminarem, irei às tendas dos parentes e lhes direi que eles não podem conversar com Jó até eu voltar do portão da cidade.
Diná falou como se estivesse no fundo de um poço.
Por que você deve falar em defesa de Nada, Abã?
Porque fui eu quem a e as servas de meu pai que a encontrou envolvendo o corpo para o enterro.
Jó fechou os olhos, desejando se juntar a Sítis.
Quando a loucura deste mundo acabaria?
El Shaddai, se tão somente me escondesses na sepultura e me ocultasses até passar a tua ira!
Um pensamento surgiu em sua mente quando Diná começava a troca de curativos.
Quando um homem morre, acaso tornará a viver?
A pergunta não tinha sido respondida em seus dias na Casa de Sem, e agora que seus filhos se foram - ele os veria novamente?
Ele se ouviu gritar.
E então a escuridão que ele ansiava o alcançou.
No momento em que Abã entrou na tenda de Bildade e relatou a morte de Sítis, Eliú quis correr para Abba Jó, para segurá-lo e confortá-lo.
Quando ele ouviu o lamento de Jó e viu Abã ir em sua direção não fazia ideia que o soldado trataria Jó tão gentilmente.
Eliú o seguiu e observou enquanto ele consolava Jó.
Eu deveria cuidar de Abba Jó, ele pensou.
Eliú percebeu que nunca deveria ter saído de Uz.
Ele estava certo que a presença de um influente edomita e um príncipe ismaelita exporia a traição de Sayyid.
Ao invés disso, a partida de Eliú deixou abba e ima vulneráveis à tortura de Sayyid e trouxe mais condenação dos anciãos visitantes.
Ele caminhou pela montanha de esterco e sentou-se a cinco passos de seu inconsciente Abba Jó.
Diná e Nogahla trabalhavam rapidamente para terminar os curativos.
Abã também estava em sincronia com as mulheres.
Eliú limpou uma lágrima, ouvindo Diná orientar o capitão de Sayyid.
Abã, levante o braço de Jó para que eu possa envolver o torso enquanto ele ainda está inconsciente.
Aquela mulher poderia liderar um exército.
Seu coração se apertou e algo se partiu como uma vara quebrada.
Diná não era o monstro que Zofar descreveu.
Como Eliú se deixou envenenar pelo ódio, esquecendo tudo que Abba Jó lhe ensinou sobre o perdão do Senhor?
A mulher era uma enfermeira compassiva, que se importava profundamente com Abba.
Diná olhou para cima e o surpreendeu estudando-a.
Ele não se virou.
Gostaria de ajudar, disse ele calmamente, esperando que Diná jogasse um de seus vasos de ervas na cabeça dele.
Em vez disso, ela se virou e ele não a culpou.
El Shaddai, por favor, perdoe meu ódio e falta de perdão.
Quero estar em paz contigo, mesmo que ninguém mais aceite meus esforços de paz.
A voz de Nogahla interrompeu sua oração.
Você pode vir aqui e levantar o outro braço de Jó - se prometer se comportar.
Os olhos escuros da cuxita quase o perfuraram.
Levantando-se de sua esteira, ele cruzou o abismo de emoção.
Ele deu espaço para o soldado, ao lado da pequena criada e de frente para Diná.
Farei mais do que me comportar, Nogahla, disse ele.
Vou me desculpar com Diná.
A bela enfermeira levantou seus olhos.
Eliú pensou pela primeira vez que poderia um dia ser amigo de Diná, mas sabia que ela nunca seria sua esposa.
Não porque ela era indigna como Zofar havia dito, mas porque sabia em seu espírito que El Shaddai os levaria por caminhos diferentes.
Ainda assim, Diná permaneceu em silêncio e Eliú expressou seu arrependimento.
Sinto muito por ter permitido que o ódio de Zofar me infectasse e ferisse você. Não sei se posso te defender do ódio dos anciãos como Jó faz. Ele se sentia fraco e patético, menos que um homem.
Durante a vida toda ele foi ensinado a ficar em silêncio na presença de seus professores.
Como ele poderia ficar contra eles agora?
Abã olhou para ele.
A visão dos braços fortes e das flechas do capitão quase fizeram Eliú fugir aterrorizado do monte de cinzas.
O soldado abriu a boca, mas antes que emitisse um som, a mão suave e escura de Nogahla descansou em seu rosto.
O homem foi transformado em cordeiro.
Ele voltou um olhar de adoração para a serva cuxita, e Eliú observou enquanto os dois trocavam afeto silencioso.
Eliú esperava ver o ciúme nas feições de Diná.
Em vez disso, sua expressão era a de uma professora paciente com um aluno lento.
As coisas nem sempre são como parecem, Eliú. Abã me beijou para distrair Sayyid, dando a impressão que estava interessado em mim.
Suas mãos continuaram enrolando as bandagens em Jó com incenso e mirra.
Abã fugiu para nos ajudar a preparar os corpos de Sítis e Orma para o enterro.
As lágrimas pingaram sobre o pote de mirra.
Sayyid era o pai de Abã, Eliú.
Abã inclinou a cabeça e soltou um suspiro.
Eliú sentiu como punhais enfiados em sua barriga.
Meus julgamentos e preconceitos nunca cessarão?
Eliú havia julgado mal o relacionamento de Abã e Diná e presumiu que um soldado poderoso não teria nenhuma ligação emocional com seu mestre.
Sinto muito, Abã, disse ele, olhando para as cinzas e o esterco entre os pés.
Também perdi meu pai. Este momento muda a vida de um filho.
Eliú ergueu os olhos, encarando o olhar de Abã pela primeira vez.
Não posso fingir que me importo com a morte de Sayyid. Mas sei como a perda de um pai é difícil de suportar.
No silêncio, um fio de compreensão se enroscou nos corações dos homens.
Abã se endireitou.
Sua luta para manter a compostura de um soldado era evidente.
Eu lamento como um garoto que não conhecia bem o pai, disse ele.
Mas como homem, tinha esperanças que Sayyid se tornasse um bom pai.
Eliú enxugou outra lágrima.
Dessa vez ele não escondeu.
Você é um filho digno, Abã, e superou as fraquezas do homem que lhe deu vida.
O capitão fez uma reverência e Nogahla pôs a mão em seu braço.
A mão de Abã cobriu a dela, e Eliú ficou maravilhado com a ternura que eles enfrentaram juntos.
Nogahla inclinou a cabeça na direção do soldado, preocupada.
Talvez Eliú testemunhe em seu favor quando falar em nome de Nada. Ele poderia defender seu direito como herdeiro de Sayyid para os anciãos da cidade esta tarde.
Ela olhou para os dois homens.
Uma onda de pavor tomou conta de Eliú.
Quem era ele para aparecer diante dos anciãos de Uz?
Ninguém o ouviria.
Ele olhou para o esterco entre seus pés novamente.
Não posso atestar as ações de Nada, mas ouvi Sayyid chamá-lo de 'meu filho' quando Elifaz e Bildade chegaram com seus exércitos. Ficaria honrado em testemunhar a seu favor, mas não tenho certeza de que minhas palavras tenham alguma influência.
Abã hesitou por um momento.
Obrigado, Eliú.
E respirou fundo.
Espero que os anciãos declarem Nada inocente quando eu disser que foi um assassinato em legítima defesa.
Você manterá Nada como sua cozinheira? Nogahla perguntou rapidamente.
Com a mesma rapidez, seu rosto pareceu ferido.
Meu Deus. Acho que você não deveria ficar com uma cozinheira que envenenou seu próprio pai.
Abã estendeu a mão para tocar seu rosto.
Se eu tivesse protegido melhor a senhora Sítis, Nada nunca teria matado meu pai.
Ima Sítis não gostaria que você se culpasse, Abã.
A voz de Eliú era gentil.
O homenzarrão inalou novamente, querendo manter a compostura.
Não devo me culpar.
Gastarei minha energia procurando o inominável e sua esposa - aqueles realmente responsáveis pelas mortes.
Meus guardas foram ao deserto para encontrá-los.
Fungando e olhando para o céu, ele passou a mão no rosto.
E eu vou me concentrar em libertar Nada.
Voltando-se para Eliú, ele disse: Embora você pense que suas palavras têm pouca importância, seu testemunho pode ser benéfico. Eu não me importo comigo, mas ...
Ele baixou a voz, olhando para a tenda de Elifaz.
Bela, o edomita, é dono da maior parte da terra ao redor de Uz, e ele acredita que Elifaz lhe concederá a terra de Jó. A terra de Jó é valiosa porque consiste em propriedades edomitas e ismaelitas. Incorporar a propriedade de Jó às suas certamente garantirá a Bela como o primeiro rei de Edom. Alguns dos meus soldados ouviram Bela conspirando com Elifaz para confiscar a propriedade de meu pai - que é terra ismaelita - se eu não conseguir provar que Sayyid era meu pai. Se Bela for bem-sucedido, os edomitas controlarão todas as terras em Uz, e o tratado ismaelita, estabelecido pela senhora Sítis e o casamento de Jó, terminaria.
Diná falou com as bochechas coradas.
Você quer dizer que se os edomitas ganharem controle de Uz, uma guerra poderia começar?
O homem assentiu.
Uz fica bem na fronteira ismaelita-edomita. Esta possibilidade é bem real.
Eliú ouviu Nogahla choramingar e observou Abã colocar uma mão em seu rosto.
Talvez minha previsão seja terrível demais, ele disse e depois se virou para Eliú.
Mesmo assim, peço que você testemunhe por uma razão prática. Como soldado, eu poderia dormir em um estábulo ou em campo aberto, mas se Bela ficar com a herança de Sayyid, Diná e Nogahla não terão onde ficar, e Nada não terá um mestre para servir. Como o Príncipe Bildade ordenou que a senhora Sítis permanecesse sepultada na caverna da Viúva Orma, eles dificilmente vão devolver ...
Abã continuou falando, mas Eliú perdeu o fôlego.
Ima Sítis na caverna de um mendigo?
Por que não no túmulo da família?
O que! ele gritou.
Como Bildade se atreve a desrespeitar minha ima! Uma nobre ismaelita deveria ser enterrada em uma tumba, não em uma caverna.
Todos ficaram boquiabertos como se ele tivesse chifres, mas Abã se recuperou e falou primeiro.
Sinto muito, Eliú. Achei que você soubesse da decisão do Príncipe Bildade.
Ele olhou para as mãos calejadas e falou lentamente.
O príncipe disse que não permitiria que um idólatra fosse enterrado com qualquer honraria. As feições de Abã pararam.
Ele pousou uma mão forte no ombro de Eliú.
Eu entendo sua dor, meu amigo. Por favor, você não precisa me acompanhar até o portão da cidade. Tire um tempo para visitar o sua ima Sítis na caverna da viúva. Talvez você se sinta melhor.
Abã se virou e deslizou lentamente pelo monte de estero.
Espere!
Eliú disse, sua voz embargada pela emoção.
Creio que o portão da cidade está no caminho para a caverna da viúva. Posso sofrer melhor na companhia de um amigo.
Ele deu um passo para sair, mas parou com um toque carinhoso em seu ombro.
Obrigado, Eliú.
Os olhos de Diná se encheram de lágrimas, seus lábios curvados em um sorriso hesitante.
Obrigado por estar aqui quando mais precisamos de você.
Com a garganta apertada ele de um aceno silencioso e correu para alcançar Abã.
Temos que parar na tenda de Bildade no caminho, disse ele.
Você quer que eu espere lá fora?
Abã falou em voz baixa, respeitosamente, e Eliú ficou maravilhado.
Não, Abã. Gostaria que você explicasse ao Príncipe Bildade o que acontecerá aos ismaelitas em Uz se Bela tomar o controle. Estou certo que Bildade, o príncipe ismaelita, dará testemunho para equilibrar a balança da justiça.
20
Jó 19:25-27
Eu sei que o meu Redentor vive e que no fim se levantará sobre a terra.
E, depois que o meu corpo estiver destruído e sem carne, verei a Deus.
Como anseia no meu peito o coração!
Jó acordou com uma dor terrível nas costas.
Ele gemeu e tentou abrir os olhos, mas suas pálpebras pareciam estar em chamas.
O sal em suas lágrimas queimava como brasa por seu rosto.
Então ele se lembrou de Sítis.
Nãooo!
Ele tentou se sentar, e seus músculos contraídos arranharam os curativos, produzindo um calafrio.
Diná correu para um lado, Abã para o outro, e Nogahla apoiou suas costas.
As mãos deles, pressionando as ataduras, pareciam lâminas contra a carne.
Ele se sentou e eles o firmaram.
Respire. Respire.
Pontos negros obscureciam sua visão. Avaliando o local onde o sol estava, ele percebeu que sua inconsciência lhe dera várias horas de alívio.
Bildade, Elifaz, Zofar, Eliú, e agora Bela, estavam sentados à sua frente em tapetes de junco, com o rosto pálido.
Onde está minha Sítis?
Ela vai viver de novo?
Respire.
Respire.
Talvez isso seja um pesadelo.
Mas isso não era um sonho, e seus apelos se tornaram amargos em sua garganta.
Para a árvore pelo menos há esperança: se é cortada, torna a brotar, e os seus renovos vingam. O leito seco de rio pode voltar a fluir novamente.
Erguendo o punho para o céu, Jó gritou: Os dias que me restam são poucos, ó Deus. Tu decretaste o número de seus meses e estabeleceste limites, então deixe-me dedicar meu tempo e me deixe em paz!
Jó. Tu sopras palavras vazias como o vento quente do leste!
Elifaz gritou com uma voz tão parecida com a de Esaú que Jó procurou duas vezes para ter certeza de que seu grande abba não havia chegado.
Você acha que é o único sofrendo aqui? Suas próprias palavras o condenam, meu filho.
Meu filho, Como você pode me chamar de meu filho quando, em vez de me confortar, você dá ouvido às mentiras do meu inimigo por sete dias?
A compreensão atingiu Jó novamente.
Sayyid também está morto!
Ele se virou para Abã, imóvel como o granito de Elate.
Antes que Jó pudesse oferecer alguma palavra de conforto, o trovejar de Elifaz se voltou para Abã.
Quando conhecemos seu pai, capitão, você falou palavras de valor. Mas um soldado como você não deve prosperar pela traição. Marque minhas palavras.
Ele colocou um braço sobre o ombro de Bela.
Fogo consumirá sua riqueza porque você subornou esses anciãos hoje. Você roubou os bens de Sayyid que por direito pertenceriam a Bela. O Senhor retribuirá a sua maldade.
Mesmo com dor, Jó sentiu o rosto corar, envergonhado pelo veneno do tio.
O que fez Elifaz pensar que Bela seria o herdeiro legítimo de Sayyid, e com que evidências ele acusou Abã de suborno?
Ele não tinha respeito por um homem enlutado?
O coração de Jó se partiu com a depravação do homem que ele respeitava como um abba.
Os mais velhos provaram sua crueldade, praticando abusos nos momentos mais fracos de uma pessoa.
De repente Elifaz soltou Bela e apontou o dedo para Diná.
E você, filha de Jacó! Os ímpios concebem maldade e dão à luz a iniquidade; seu ventre gera engano.
Ele gaguejou como se quisesse dizer mais, mas tinha usado todas as palavras de seu repertório.
Mais uma vez, Jó se envergonhou pelo comportamento de um amigo.
Ele ofereceu desculpas silenciosas a Abã e Diná, que sorriram com sua tolerância.
Reunindo a pouca vitalidade que lhe restava, Jó encarou o olhar feroz de Elifaz.
Se eu estivesse usando uma túnica elegante, em idade avançada, também faria longos discursos longos. Esperaria, porém, que minhas palavras sejam encorajadoras, não depreciativas.
Elifaz se remexeu.
O tio de Jó se orgulhava da própria santidade. Bildade, na tradição. E Zofar, no intelecto.
Jó poderia debater as deficiências de cada homem, mas de que isso serviria?
Ele voltou o rosto para o céu novamente, clamando contra os responsáveis por sua dor.
El Shaddai, por que abençoaste os esforços dos homens maus e me entregaste para ser ridicularizado por pessoas iníquas? Eu estava tranquilo, mas me arrebentaste; agarraste-me pelo pescoço e esmagaste-me! Traspassaste sem dó os meus rins e derramaste na terra a minha bílis. Agora eu visto pano de saco e meus olhos estão cercados pela sombra da morte.
O silêncio se seguiu enquanto ele observava os rostos assustados ao seu redor.
Ponderando sua oração acusadora, ele sondou seu próprio coração.
Ele estava arrependido? Não!
Ele se sentia traído por Deus.
Sozinho. Abandonado. E então ouviu um chamado sutil. Up-up-up.
Ele olhou para o monte de cinzas e viu o pássaro da poupa.
As muralhas de seu coração desmoronaram enquanto ele observava o instrumento do Senhor banhar-se na poeira.
Sim, Deus permitiu sua dor, mas o Criador também enviou o pássaro poupa para conforta-lo.
Saibam que agora mesmo a minha testemunha está nos céus; nas alturas está o meu advogado.
Novas lágrimas surgiram quando palavras doces saltaram de sua boca.
Quem mais além de Ti pode me salvar e me restaurar? Tu somente és meu libertador.
Ele abriu os olhos e viu o pássaro poupa voar para longe.
Um novo desespero passou por ele como uma flecha.
Ele se virou e implorou a Elifaz que acabasse com a confusão em seu interior.
Deus me transformou em anedota, tio. As pessoas cospem na minha cara quando passam por mim. Por favor, tente de novo com suas próprias palavras. Tente dizer algo que eu ainda não sei.
Como você pode falar conosco como se fôssemos estúpidos quando você é que está completamente louco?
Bildade interrompeu, sacudindo o punho no ar.
Suas palavras escaparam entre os dentes.
Você perdeu toda a capacidade de raciocinar. Você espera que todos desconsiderem as verdades de Deus por sua causa. O perverso perece da terra, tem filhos nem descendentes entre o seu povo. Esse é o lugar de quem - não - conhece - Deus.
O velho pontuou as últimas palavras no ar, cada golpe como uma adaga no coração de Jó.
Até quando vocês continuarão a atormentar-me e a esmagar-me com palavras? Jó chorou.
Ele realmente acredita que eu não conheço El Shaddai?
Ele começou a chorar.
Seria aquele o mesmo homem que se alegrou no casamento de Jó?
O mesmo professor que o homenageou na Casa de Sem, chamando-o de aluno estrela, escolhido por Deus para ensinar os clãs de Esaú?
Se eu me perdi, ele engasgou entre soluços, o problema é meu, não seu. Mas saiba disso ... Deus me prejudicou.
Diná colocou a mão no ombro dele.
Jó, por favor, escolha suas palavras com cuidado.
Se grito: É injustiça!, ele gritou em sua expressão suplicante, Não obtenho resposta. Meus servos me abandonaram, meus amigos me detestam. Minha mulher acha repugnante o meu hálito.
Jó notou a expressão preocupada de Diná, e o reflexo de suas dúvidas nos olhos de Nogahla.
Mas ele estava travando sua própria batalha interior.
De repente, ele percebeu que poderia discutir qualquer um dos aspectos da grandeza de Deus.
Nas profundezas do meu espírito, sei que a vida não pode terminar aqui. Eu sei que meu Redentor vive.
Embora nunca tivessem ensinado isso na Casa de Sem, ele sabia que era verdade.
E, depois que o meu corpo estiver destruído e sem carne, verei a Deus. Oh, como meu coração anseia por esse dia. Zofar zombou.
Você fala coisas antagônicas. Você diz que morremos e não há ressurreição, mas diz que morrerá e depois verá Deus. Acho que Bildade está certo. Você está perdido e sua capacidade de raciocinar o deixou.
Jó olhou furioso para seu melhor amigo.
Se você for capaz de revelar algum pecado profundo e sombrio, talvez deva avaliar seu próprio coração, porque um dia você também encontrará Deus face a face.
Zofar balaçou para os lados em sua fúria, tentando se levantar, mas seu tamanho tornava a tarefa difícil.
Você desonrou a mim e aos anciãos por tempo demais!
Na terceira tentativa, ele se ajoelhou e ajeitou o manto, depois subiu no monte de cinzas de Jó.
Você se acha esperto, mas seu orgulho sempre foi sua ruína. O mal tinha um gosto doce, não é?
Zofar apontou o dedo para Diná, a um palmo de seu nariz.
Mas o julgamento caiu sobre sua casa por causa dela! Deus o fez vomitar as riquezas que ganhou oprimindo os pobres e seu negócio enganoso.
Zofar cruzou os braços, liberando ressentimentos antigos que Jó não tinha ideia.
Seu ódio por Diná era uma repetição cansada, mas sua amargura para com Jó era ainda mais antiga.
Abã ficou de pé. O movimento repentino fez Zofar tropeçar para trás.
Você não vai falar de Diná com tal desrespeito, meu senhor.
A reverência de Abã acompanhou sua ordem.
Ela não é prostituta, nem criminosa, e eu usarei todas as armas para defender sua honra.
Zofar se levantou, inclinando a cabeça para trás para encarar o olhar de Abã.
Espero que seus homens estejam dispostos a morrer por uma assassina.
Olhando para Bela, ele zombou.
Meu parente teria usado melhor sua guarda particular. É uma pena que seu pai tenha deixado suas tropas nas mãos de tolos.
Eliú deu um tapa nos joelhos e desdobrou sua estrutura.
Por que devemos envolver Diná?
Trocando o olhar com Abã, ele desceu a pilha de cinzas e ficou no espaço neutro, nivelando com Zofar.
Seu ódio por Diná atrapalhou sua avaliação sobre Jó. Você garantiu que Bildade, Elifaz e eu compartilhássemos esse ódio antes de chegarmos.
Jó olhou para os anciãos e para Diná e não conseguiu decidir quem estava mais chocado com a defesa de Eliú.
O que aconteceu para unir Abã e Eliú. O que deu a meu brilhante aluno tanta coragem na presença desses anciãos?
Jó sentiu orgulho do jovem e desejou que Sítis pudesse ter visto seu ar confiante e seu porte nobre.
O rosto de Zofar ficou tão vermelho quanto os penhascos ao redor, mas antes que pudesse interromper Eliú com sua língua afiada, Abã veio em seu socorro.
Você não vai voltar para o seu tapete, senhor?
Abã estendeu a mão para a pilha de cinzas. Suas palavras eram um pedido, mas seus olhos uma ordem.
Zofar, Jó disse suavemente: por favor, sente-se e ouça com atenção.
O homem redondo e ruivo manteve sua postura ao lado de Abã, e Jó continuou a olhar nos seus olhos implacáveis.
Minha reclamação é dirigida a algum de vocês, anciãos? Olhem para mim e temam, Zofar. Por que os perversos envelhecem e prosperam, seus rebanhos e manadas florescendo? Você viu isso em suas viagens de Damasco ao Egito - homens maus livres de qualquer punição. Como vocês podem me consolar com essa coversa que apenas os maus recebem punição?
Já chega.
Elifaz gritou, sem qualquer sensibilidade.
Você declara sua justiça diante de Deus. Muito bem! Deus dá tanta atenção a um homem justo? É pela sua santidade que Ele o repreende? Não! É porque você tirou as roupas dos pobres. Você não deu água para os sedentos nem comida para os famintos. Você enviou viúvas de mãos vazias e quebrou as costas dos órfãos com jornadas intermináveis em seus campos. Por que não admite seus pecados, se submete à disciplina de Deus e fica em paz com Ele? Então sua prosperidade retornará para você.
A boca de Jó se abriu diante das acusações de seu tio.
Assim que o pensamento se formou na mente de Jó, Elifaz estendeu a mão para Diná e o capitão.
E se você remover a maldade de sua casa, Deus ouvirá suas orações. Ele libertará até mesmo os culpados que estiverem sob seus cuidados.
Abã aplaudiu, fazendo todos pularem.
Terminamos por hoje.
Eliú seguiu.
O sol está descendo no céu, Abã continuou, e preciso providenciar hospedagem para meus novos hóspedes.
Ele estendeu a mão, convidando Diná e Nogahla para sair da pilha de esterco.
As mulheres se levantaram e saíram diante dos anciãos, causando uma nova onda de reclamações.
Uma mulher e sua serva não devem dar as costas a um príncipe ismaelita, Bildade estalou quando Eliú ofereceu sua mão para ajudar o velho.
Aquele soldado ridículo não sabe o que é hospitalidade, rugiu Elifaz.
Os convidados de honra sempre partem primeiro.
Zofar lançou um olhar e se afastou enquanto Bela apoiou Elifaz.
Cansado, confuso e sitiado, Jó viu todos desaparecerem na luz fraca.
Ele queria gritar, detê-los.
Mas o que ele diria?
Não vá.
Por favor, alguém fique comigo esta noite!
Ridículo.
Ele não era criança.
Virou-se para o por do sol colocando uma mão firme no tapete.
Uma onda de dor passou por ele - mas parecia maçante em comparação com a dor do coração vazio.
Sua cabeça pendeu para a frente, ele sentiu a agonia mais profunda de sua vida.
Ele estava completamente sozinho.
Algo mudou em seu espírito.
A última brasa finalmente se apagou.
O sol da manhã brilhava com um calor torturante.
Eliú chegou cedo no monte de cinzas, na esperança de ter alguns momentos tranquilos com Abba Jó.
O ar entre eles estava tão pesado quanto a névoa que envolvia o vale.
Abba, você ouviu? Os anciãos da cidade absolveram Nada de qualquer culpa na morte de Sayyid. Eles consideraram seu ato como legítima defesa, e Abã a pediu para servir em sua cozinha.
Jó não deu resposta.
O que aconteceu com você durante a noite, Abba?
Quando Eliú deixou o monte de cinzas com os anciãos ao pôr-do-sol, Abba respondeu.
Ele estava agora sentado em silêncio de queixo caído.
Os olhos de Eliú encheram-se em lágrimas.
Seu abba e professor, antes robusto, pendia sobre as pernas dobradas, os braços tão finos quanto galhos.
As bandagens escondiam a estrutura ossuda causada pela fome.
O dossel protegia Jó da luz direta do sol, mas o vento e os pequenos animais mordiscavam sua carne exposta.
Abba, Nada tinha o direito de tirar a vida de Sayyid?
Eliú se aproximou, na esperança de puxar conversa com seu professor.
Os guardas de Abã desistiram de encontrar os inominados em seus redutos do deserto. Você acredita que a morte de Sayyida trouxe alguma justiça?
Jó lançou um olhar frio.
Justiça?
Os músculos de seu rosto começaram uma dança assustadora.
Uma contração na crista esquerda de seu rosto.
Um tique em um canto da boca e pálpebra esquerda.
Você deveria discutir justiça com homens entediados sentados em tronos brancos, disse ele em tom monótono, fixando o olhar nas tendas dos visitantes.
A atividade agitou-se no desfiladeiro e Eliú olhou para o palácio de Sayyid.
Agora era a casa de Abã.
Embora o sofrimento de Abba Jó ofuscasse a vitória de Abã sobre Bela, Eliú pensou, ainda assim deveríamos celebrar a provisão e o poder do Senhor.
Abã adquiriu a propriedade de Sayyid, disse ele, tentando trazer alguma esperança , e prometeu cuidar de todos nós: Nada, Diná, Nogahla, eu - e você, Abba, até suas feridas cicatrizarem.
Ele fez uma pausa, sem saber como Jó se sentia sobre permanecer na pilha de cinzas.
Ele disse que você poderia entrar dentro de casa sempre que quiser. El Shaddai está trabalhando.
Jó permaneceu à distância sem responder.
Abã, Diná e Nogahla se aproximaram do outro lado.
Eliú se aproximou e sussurrou: Eles vêm porque te amam, Abba. Eu também te amo.
O tique na face de de Jó se intensificou e um pavor se instalou no estômago de Eliú.
Se o semblante de Abba não se iluminou com a aproximação de Diná e Nogahla, que esperança restava para ele?
Aquelas duas mulheres haviam sido seu sol e sua lua.
Bildade, Elifaz e Zofar surgiram de uma só vez. Suas expressões tão duras quanto o ferro hitita.
Eliú suspirou profundamente, temendo o que viria.
Ele passou a manhã ouvindo a trama dos anciãos.
Eles manteriam silêncio para constranger Jó à submissão.
Abba, ele sussurrou, lembre-se da noite das tragédias, quando você louvou o Senhor.
O olhar de Jó estava tão vazio quanto sua casa queimada.
Sayyid encontrou o destino do homem mau. Seu filho, um bom homem, recebeu sua herança. A retidão prevaleceu.
Mais uma vez, sem resposta.
Sabendo que seu tempo de falar havia terminado, Eliú deslizou obedientemente pelo monte de cinzas e esterco.
Ele encontrou os anciãos e estendeu a mão para ajudá-los a sentar nos tapetes de junco.
Os três usavam saquinhos de ervas sob o nariz, para superar o cheiro da resistência obstinada de Jó.
Bela, por outro lado, permaneceu em casa, contemplando suas perdas e considerando ganhos alternativos.
Eliú arrumou os tapetes de junco para os anciãos e ouviu o som ressonante da saudação de Abã.
Bom dia, Jó, disse o grande guarda.
Ele seguiu Diná e Nogahla, subindo a pilha de cinzas de Jó.
Vestindo as mesmas sandálias e túnicas do dia anterior, Abã estava evidentemente mais interessado em apoiar o amigo do que em escolher novas roupas.
O rosto de Jó ficou vermelho e sua agitação aumentou. Mesmo assim ele permaneceu em silêncio enquanto todos assumiam seus lugares.
Abã sentou-se ao lado direito de Jó.
Nogahla ocupou seu lugar atrás de seu amado capitão.
Diná se ajoelhou à esquerda de Jó, oferecendo chá de hortelã, enrolando curativos, preparando remédios de ervas.
Os três anciãos, dispostos em seus tapetes, foram recebidos com a voz de Abba Jó.
Até agora me queixo com amargura. Se tivesse a chance de ficar diante de El Shaddai da mesma forma que Nada diante dos anciãos da cidade, eu seria absolvido de todas as transgressões assim como ela!
O coração de Eliú bateu forte.
Ele mal reconheceu seu abba naquele momento.
Sim, sua voz era como o Jó de um ano atrás, mas sua expressão era amarga.
Tenho procurado Deus por toda parte para fazer exatamente isso, apresentar meu caso diante Dele. Ele sabe como valorizo Seus ensinamentos e guardo todos eles no coração. Quem poderá fazer-lhe oposição? Ele faz o que quer. Contudo, não fui silenciado pelas trevas, pelas densas trevas que cobrem o meu rosto.
Abba fez uma pausa como se esperasse que os anciãos o confrontassem como no dia anterior.
Eliú baixou a cabeça.
Seu silêncio era estranho e ensurdecedor.
Elifaz, Bildade e Zofar estavam decididos a não responder até que Jó mostrasse algum sinal de arrependimento.
Por que Nada foi julgada tão rapidamente enquanto os inominados continuam sua perversidade? Por que Deus não estabelece o tempo para o julgamento deles?
Abba Jó foi implacável.
Eles roubam rebanhos e põem para pastar no campo de outra pessoa. Eles são punidos? Não! E então todos nós morremos. Todos! Sem saber quando, por que ou como. Se eu disse algo falso, vão em frente e reduzam minhas palavras a nada!
Bildade bateu o punho no ar.
Domínio e autoridade pertencem somente a Deus, Jó! Como você ousa dar instruções a El Shaddai? O homem é menos que um verme aos Seus olhos! Você diz que é justo, mas como pode um homem ser justo, se nem as estrelas são puras aos olhos dele?
Bildade quebrou o acordo dos parentes. Elifaz colocou sua mão no braço de Bildade, silenciando o príncipe ismaelita.
Eliú observou enquanto Bildade recuava como uma flor ao anoitecer.
Eliú pensou que ele poderia vomitar.
O cheiro da pilha de esterco e as feridas de Jó eram mais palatáveis do que a hipocrisia daqueles homens.
O que é isso, Bildade, Jó disse, através de que espírito você fala desta maneira?
Eliú viu além das feridas na carne de Jó e lamentou seu caráter.
É claro que Deus tem todo domínio e autoridade, continuou Jó.
Jó continuou.
Ele estende os céus do norte sobre o espaço vazio; suspende a terra sobre o nada. Envolve as águas em suas nuvens e traça o limite entre a luz e as trevas. E isso tudo é apenas a borda de suas obras! Um suave sussurro é o que ouvimos dele. Pelo Deus vivo, que me negou justiça, pelo Todo-poderoso, que deu amargura à minha alma.
Eliú ofegou e observou as mãos de Diná enrolando as bandagens.
Jó parecia não notar.
Ele tinha sido tragado pela autojustificação.
Eu nunca vou admitir que vocês estão certos. Minha integridade não negarei jamais, até a morte. Sou inocente diante de El Shaddai e ninguém pode me envergonhar.
Diná virou-se para ele e sussurrou algo.
Eliú observou as palavras, 'inocente' antes de El Shaddai, e 'ninguém pode me envergonhar'.
O coração dela deu um salto.
Jó havia falado aquela mesma verdade para Diná muitas vezes, incentivando-a a receber o perdão do Senhor e a repudiar a vergonha que os outros lhe impunham.
Jó estava aplicando seu ensinamento a si mesmo. Mas não estava distorcendo essa verdade para manter sua raiva?
Eliú olhou para os anciãos.
Quantas verdades eles distorceram em sua ira contra Jó?
Ele viu o pescoço de Zofar queimar enquanto observava Diná.
O primo-irmão de Jó acreditara em suas próprias verdades distorcidas por tanto tempo que fez de Diná um epítome do mal.
Parar de odiá-la abriria uma porta de tolerância que ele não podia aceitar.
Abba Jó parecia calmo após o conselho de Diná, sua voz mais baixa, suas palavras mais razoáveis.
Se eu fosse um homem sem Deus, que esperança teria? Eu digo a vocês, irmãos, minha esperança está somente em El Shaddai.
Ele sorriu para Abã antes de se voltar para seus parentes.
Por mais filhos que o ímpio tenha, o destino deles é a espada; sua prole jamais terá comida suficiente.
Jó!
A explosão chocada de Diná espelhou cada expressão.
Mesmo os anciãos cínicos ofereceram olhares de simpatia para o filho de um pai perverso, traído por um amigo ingrato.
Diná, deixe-me terminar, Jó disse baixinho.
Abã inclinou a cabeça, certamente envergonhado.
Eliú queria gritar as verdades de El Shaddai.
Por que os anciãos não pronunciaram seus ensinamentos?
Eles eram os guardiões da vida e esperança para o desespero de Jó.
Em vez disso, ninguém falou e Jó prosseguiu.
Ainda que ele acumule prata como pó e amontoe roupas como barro, o que ele armazenar ficará para os justos, os inocentes dividirão sua prata.
Ele estendeu a mão para Abã.
El Shaddai certamente eliminou um homem mau e todos os seus descendentes. Ele colocou a grande riqueza de Sayyid em suas mãos, Abã, e oro para que você aprenda os caminhos do Altíssimo e o honre com os dons que Ele lhe deu.
Talvez seja melhor com você do que comigo.
O silêncio continuou e a expressão de Jó tornou-se contemplativa.
A sabedoria está oculta, Abã. O homem dá fim à escuridão e vasculha os recônditos mais remotos em busca de minério, nas mais escuras trevas. Onde, porém, se poderá achar a sabedoria? O abismo diz: Em mim não está; Não pode ser comprada nem com o ouro puro de Ofir, nem com o precioso ônix, nem com safiras.
Voltando-se para os três anciãos, ele disse: A Destruição e a Morte dizem: Aos nossos ouvidos só chegou um leve rumor dela. Apenas El Shaddai entende o caminho. 'No temor do Senhor está a sabedoria, e evitar o mal é ter entendimento.' Não é isso que nos ensinaram?
Diná serviu outra xícara de chá de menta e deu para ele.
Por favor, Jó.
Seus olhos o imploraram, e Eliú silenciosamente implorou para ele beber e acalmar sua língua afiada.
Infelizmente, ele não o fez.
Não seria bom se eu pudesse ocupar o lugar de ancião novamente? Como nos dias em que eu estava no auge. Homens moribundos me abençoaram e eu fiz o coração das viúvas cantar. Eu era os olhos dos cegos e os pés dos aleijados. Eu fui um abba para você, Eliú.
Diná baixou a cabeça e abaixou a xícara.
Jó começou a tremer e as lágrimas brotaram de seus olhos.
Levantando a mão enfaixada com três dedos em direção ao céu, ele gritou: E agora esvai-se a minha vida; estou preso a dias de sofrimento. Mas Tu não me ouves. Contra mim te voltas com dureza e me atacas com a força de tua mão. Minha pele escurece e cai; meu corpo queima de febre. Eu lamento, mas Tu não cedes. Por quê?
Ele se virou para os anciãos, sua expressão selvagem e feroz.
Deus me pese em balança justa, e saberá que não tenho culpa! Fiz acordo com os meus olhos de não olhar com cobiça para as moças. Ele apontou para Diná.
Se o meu coração foi seduzido por mulher, isso seria vergonhoso, um crime merecedor de julgamento. Ao lidar com servos e pobres, temi o julgamento de Deus, por isso me guardei de coisas más. Se de alguma forma eu escondi meu pecado, como os homens fazem, eu lhe contaria agora. Colocaria por escrito e assinaria. Mas eu digo a você diante de Deus que sou inocente. El Shaddai me fez mal, e eu quero que Ele apareça diante de mim para uma audiência justa!
Isto é loucura!
Eliú ficou de pé, encarando os três anciãos.
Como vocês podem sentar aí e não dizer nada para consolar seu amigo? Ele perdeu tudo, mas vocês não lhe dão esperança, apenas julgamento e condenação.
Bildade não disse nada e Elifaz cruzou os braços.
Zofar fixou o olhar em Diná, cujas lágrimas formaram rios em seu manto.
E você, Abba.
Eliú viu o rosto de Jó cheio de autocomplacência.
Você se defende com declarações de justiça e depois acusa Deus de injustiça.
Eliú olhou para os dois mentores.
Os que têm idade é que devem falar, pensava eu, os anos avançados é que devem ensinar sabedoria. Mas é o espírito dentro do homem que lhe dá entendimento; o sopro do Todo-poderoso. Agora vou dar a minha opinião e você vai me ouvir!
Eliú observou a expressão de Jó e sentiu como se uma adaga se estivesse em suas entranhas.
Abba, minhas palavras vêm de um coração reto.
Ele subiu na pilha de cinzas e se ajoelhou diante de seu professor e abba.
Você me ensinou tudo o que sei sobre El Shaddai. Estou como você diante do Senhor. Eu também fui feito de barro. Você não precisa temer uma condenação da minha parte. Não mostrarei parcialidade aos anciãos. É o Espírito de Deus que me obriga a falar, sem outra motivação.
21
Jó 38:1-2
Então o Senhor respondeu a Jó do meio da tempestade e disse:
Quem é esse que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento?
O coração de Diná se partiu com a confiança de Eliú no Senhor.
Não há respostas, Eliú.
Até os mais velhos sabem disso.
Eliú era como um homem vagando pelo deserto, conduzindo outro homem para uma miragem.
O desespero de Jó era terrível. No entanto Diná estava começando a acreditar que as palavras eram verdadeiras.
E a verdade mais grave de todas estava bem ao seu lado.
El Shaddai poderia curar Jó e consertar todas as coisas no mundo, mas decidiu não fazê-lo.
Homens maus como Sayyid acumularam poder e riqueza e deixaram uma herança para seu filho. Homens bons como Jó morriam numa montanha de esterco completamente desprovidos.
Homens gananciosos como Bela prosperaram e viúvas pobres como Orma morriam em uma caverna.
O rosto de Diná queimou sob o olhar crítico de Zofar.
Ela viveria seus dias curvada sob o peso do ódio daquele homem.
O grande discurso de Eliú começou no meio do palavrório sem fim.
Diná estava enojada da conversa daqueles homens sobre um Deus que eles entendiam.
Abba Jó, você disse que Deus o considera seu inimigo, mas você não está certo, pois Deus é maior que o homem e não faz guerra com ele.
As palavras de Eliú foram gentis, porém firmes.
Por que você se queixa a ele de que não responde às palavras dos homens? Pois a verdade é que Deus fala, ora de um modo, ora de outro, mesmo que o homem não o perceba. Em sonho ou em visão durante a noite, quando o sono profundo cai sobre os homens e eles dormem em suas camas... Deus está falando ao homem para o seu bem, para prevenir o homem das suas más ações e livrá-lo do orgulho, a fim de que refulja sobre ele a luz da vida.
O estrondo retumbante de um trovão sacudiu o chão.
Todos ficaram em silêncio com os olhos arregalados, em admiração.
Uma tempestade de um verão no meio do deserto era inimaginável.
As feições de Eliú brilharam de admiração, seu fervor alimentado pelo barulho alto.
Abba, é impensável que o Todo-Poderoso faça algo errado. Quem o nomeou para governar a terra? Se fosse intenção dele, e de fato retirasse o seu espírito e o seu sopro, a humanidade pereceria toda de uma vez, e o homem voltaria ao pó. Por que o Deus que o sustenta te destruiria sem ter sido provocado? Olhe para os céus, Abba.
Jó olhou teimosamente para Eliú.
Desde quando ele está tão irado e inacessível?
Por favor, Abba.
Eliú apontou para o céu e, finalmente, Jó atendeu.
Diná viu uma tempestade negra enchendo os céus do leste.
Olhe para as nuvens, Abba, disse Eliú.
Eliú disse.
Se você pecar, como isso afeta El Shaddai, o Criador dos céus? Mesmo assim, Seus olhos enxergam cada um de nós. Não há lugar escuro, nem sombra onde alguém possa se esconder. Os homens se queixam em tempos de opressão, mas quando os tempos são bons, ninguém diz: 'Onde está Deus, o meu Criador, que de noite faz surgirem cânticos, que nos ensina mais que aos animais da terra e nos faz mais sábios que as aves dos céus?'
Eliú voltou sua atenção para os anciãos.
Você, Bildade, acusou o Altíssimo de usar Seu poder como quer, sem restrição ou consciência. E você, Zofar, abriga ressentimento em seu coração. Isto é próprio de um homem sem Deus.
Ha!
Jó riu alto como um garoto cuja ima acaba de repreender seu amigo travesso.
E este ressentimento está te devorando vivo, Abba Jó.
Eliú se voltou contra ele, compassivo, mas firme.
Mas aos que sofrem ele os livra em meio ao sofrimento. Em sua aflição ele lhes fala. Mesmo agora, Ele o está atraindo para longe das mandíbulas da aflição. Mas você é tão rápido em culpar, rogar ou barganhar por provar que é justo, que está perdendo o relacionamento que Senhor deseja construir a partir da sua dor. El Shaddai tem um chamado mais alto que a pilha de esterco em que você se senta.
Relacionamento? Diná olhou para Jó para avaliar sua aprovação às palavras de Eliú.
Ela nunca ouvira falar que El Shaddai buscava um relacionamento com o ser humano.
Lentamente, a raiva de Jó foi trocada por uma expressão triste, mas esperançosa.
Outro estrondo encheu o céu. A vibração sacudiu Diná por dentro.
Jó se virou para ela com um olhar caloroso.
Você foi um bom professor, Abba, Eliú disse.
Levantando uma sobrancelha, ele apontou para o céu escuro.
Mas a voz do Senhor é mais alta e mais forte.
Diná tremeu quando outra brisa fria espantou o calor do verão.
Ela quase correu quando um relâmpago riscou o céu.
Eliú, porém, parecia uma criança brincando, dançando entre as cinzas enquanto as primeiras gotas de chuva caíam na poeira vermelha e batiam no dossel.
Quem pode entender como El Shaddai espalha as nuvens ou espalha raios pela face da terra?
Outro grande estrondo sacudiu a terra e minúsculas gotas de granizo começaram a ricochetear no chão como pérolas do céu.
O louvor de Eliú penetrou profundamente na alma de Diná como chuva no solo sedento.
Ouça! A voz de Deus ressoa de maneiras maravilhosas. O sopro de Deus produz gelo, e as vastas águas se congelam. Ele traz as nuvens, ora para castigar os homens, ora para regar a sua terra e lhes mostrar o seu amor.
Eliú pegou um punhado de granizo como evidência apresentada em um julgamento.
Diga-me, Abba, com nosso entendimento limitado pode nos defender diante do Altíssimo?
Voltando-se para os anciãos, ele disse: Vocês estavam certos quando disseram que El Shaddai está além do nosso alcance. Mas vocês erram ao dizer que qualquer forma de opressão venha de Suas mãos. Tema-o, sim, mas reconheça Suas obras como expressão amorosa para se aproximar do homem, não esmagá-lo ou repeli-lo.
Diná viu uma luz dividir o céu do norte, mais brilhante que o sol, como água corrente.
Desceu sobre o vale e permaneceu, um padrão indefinível e informe.
O som parecia o rugido do trovão e do mar combinados. Não era uma voz, mas uma compreensão, um saber.
Ela não conseguia - e não queria - desviar o olhar.
Pela primeira vez ela entendeu as palavras de Jó, Embora ele me mate, ainda assim esperarei nele.
O vento trouxe a chuva para o lado e molhou seu rosto.
Diná puxou Nogahla para perto, e elas se amontoaram maravilhadas.
Chuva misturada com neve e gelo.
Incrível.
Diná olhou para o lado para ver se Jó estava bem.
A visão era tão chocante quanto a neve no verão.
Jó estava de pé, com os braços erguidos para o céu. Ele estava mais forte do que ela vira em mais de um ano.
O estrondo da voz de Deus ressoou em seu interior.
Quem é esse que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento?
Prepare-se como simples homem; vou fazer perguntas a você, e você me responderá.
Jó tentou abaixar a cabeça, fechar os olhos, mas não conseguiu.
Deus queria sua atenção, e ele não podia desviar o olhar.
Ele se perguntou sobre os outros.
Eles poderiam ver El Shaddai?
Eles podiam ouvir Sua voz?
Jó não era o guardião da promessa da aliança como Jacó.
Como o Senhor poderia falar com ele?
Mas ele teve pouco tempo para considerações antes que o Senhor do universo começasse Seu interrogatório.
Onde você estava quando lancei os alicerces da terra?
Quem marcou os limites das suas dimensões?
Certamente você sabe!
Você já foi até as nascentes do mar, ou já passeou pelas obscuras profundezas do abismo?
Como se vai ao lugar onde mora a luz?
Acaso você entrou nos reservatórios de neve, já viu os depósitos de saraiva, que eu guardo para os períodos de tribulação?
Quem foi que deu sabedoria ao coração e entendimento à mente?
No fim, Jó se sentiu liberto e caiu em adoração, com o rosto nas cinzas e no estrume.
Ele não respondeu. Não se atreveu a pronunciar uma palavra.
É você que caça a presa para a leoa e satisfaz a fome dos leões?
Você sabe quando as cabras monteses dão à luz?
Você está atento quando a corça tem o seu filhote?
Será que o boi selvagem consentirá em servir você?
É por sua ordem, que a águia se eleva e no alto constrói o seu ninho?
Jó ergueu a cabeça, sentiu a brisa fria contra sua pele e viu a luz tremeluzente se transformar em uma coluna que alcançava o céu.
A voz no espírito de Jó mudou para uma voz que seus ouvidos agora percebiam.
Os anciãos caíram de bruços, clamando por misericórdia, suas finas vestes de linho atoladas na lama da chuva.
Estamos destruídos!
Bildade berrou.
O Senhor nos julgou!
Falamos como tolos!
Zofar chorou alto.
Jó procurou um sorriso no rosto de Eliú.
Elohim! Elohim! Tu mostras poder através da neve, gelo e chuva em um dia de verão no deserto!
A voz sacudiu os penhascos vermelhos ao redor deles.
Aquele que contende com o Todo-poderoso poderá repreendê-lo? Que responda a Deus aquele que o acusa!
Não tenho defesa, Senhor, para as coisas que disse, Jó respondeu.
Eu sou indigno de falar uma palavra em Tua presença. Coloco minha mão sobre a boca.
Em meio às lágrimas, Jó olhou para Diná, Nogahla e Abã, que estavam ajoelhados com o rosto no chão.
A fé de Diná era forte o suficiente para compreender o que havia acontecido, mas e quanto a Nogahla e Abã?
As palavras de Jó prejudicariam a devoção daqueles que conheciam El Shaddai ha pouco tempo?
Com o coração partido, ele olhou para a coluna cintilante.
A luz aumentou, a chuva ditou o ritmo da repreensão de Deus. Sua voz era não mais um saber interior, mas um tambor retumbante para todos ouvirem.
Prepare-se, Jó, e você Me responderá.
O coração de Jó murchou, mas, ao mesmo tempo, ele exultou na presença de Deus.
Você vai pôr em dúvida a minha justiça? Vai condenar-me para justificar-se?
Um novo estrondo sacudiu a terra.
Sua voz pode trovejar como a minha ou reduzir à sepultura homens orgulhosos e perversos? No dia em que puder fazer essas coisas, você terá o direito de Me questionar.
A sensação de palpitação na pele de Jó cessou e o pânico tomou conta.
Não me deixe! ele orou, mantendo o olhar focado na nuvem cintilante.
De repente, ele sentiu como se uma espada cortasse seu coração.
Em agonia, ele gritou e rolou de costas.
Quando olhou para cima, Diná estava sobre ele, seus lábios se moviam, mas não emitiam som.
Ele olhou para os anciãos ainda chocados e aterrorizados. Apenas a voz ressoava em seus ouvidos.
Veja o hipopótamo que criei quando criei você e que come capim como o boi.
O absurdo da comparação quase fez Jó rir.
Por que Deus falaria de um hipopótamo neste momento mais sagrado? Seus ossos são canos de bronze, seus membros são varas de ferro. Ele ocupa o primeiro lugar entre as obras de Deus.
Jó agarrou seu peito, sentindo cada costela.
Ele já tinha sido musculoso antes.
Ele também tinha sido chamado de primeiro entre as obras de Deus?
Um raio brilhou e a dor no peito de Jó se intensificou.
No entanto, seu Criador pode se aproximar do poderoso gigante com Sua espada.
Por que Deus precisaria de uma espada para se aproximar de qualquer coisa na criação?
O coração de Jó bateu forte - era a dor ou as perguntas sem resposta?
Os animais selvagens brincam nas proximidades, enquanto o poderoso hipopótamo dorme à sombra das plantas de lótus. Quando o rio ruge, ele não se assusta. Ele está seguro, Jó.
As últimas palavras vieram como um sussurro.
A chuva e a tempestade cessaram completamente.
Alguém pode capturá-lo ou prendê-lo?
Jó queria rir daquilo.
Claro que ninguém poderia capturar o gigante. Quando ele olhou para Eliú e os outros anciãos, ele entendeu a mensagem de Deus.
Por que Jó, como o hipopótamo, não descansou na capacidade de seu Criador de sustentá-lo quando as tempestades vieram sobre ele?
Por que ele se enfureceu contra Deus e seus amigos tão ferozmente?
Você acha que pode pegar o leviatã com um anzol? a voz continuou.
Se puser a mão nele, a luta ficará em sua memória, e nunca mais você tornará a fazê-lo! Ninguém é suficientemente corajoso para despertá-lo. Quem então será capaz de resistir a mim? Quem primeiro me deu alguma coisa, que eu lhe deva pagar? Tudo o que há debaixo dos céus me pertence.
A dor diminuiu, o alívio veio com um grande suspiro.
Diante de tamanha majestade ele percebeu a tolice de suas exigências ao Altíssimo.
Ele estava louco?
Quem consegue arrancar a capa externa do leviatã? Suas costas possuem fileiras de escudos firmemente unidos. Estão tão interligados que é impossível separá-los.
Jó ficou maravilhado quando a neve começou a cair novamente, desta vez em flocos suaves.
Um arrepio percorreu seu corpo enquanto a Voz continuava uma descrição que parecia muito familiar.
Tições saem da sua boca; fagulhas de fogo estalam.
Em sua miséria, Jó se tornou o leviatã.
Vestindo um escudo externo impenetrável, ele rugiu acusações contra seus amigos e Deus.
O leviatã faz as profundezas se agitarem como caldeirão fervente, e revolve o mar como pote de unguento. Deixa atrás de si um rastro cintilante, como se fossem os cabelos brancos do abismo.
Silenciosamente Elifaz, Bildade e Zofar o encaravam do outro lado da pilha de esterco. Seus rostos estavam abatidos, enrugados, envelhecidos.
Eles haviam participado do pesadelo de Jó, mas seu orgulho não se compara ao leviatã.
Nada na terra é igual a ele, concluiu a Voz.
Com desdém olha todos os altivos; reina soberano sobre todos os orgulhosos.
Jó abaixou a cabeça, quebrado.
Sei que podes fazer todas as coisas, Senhor, ele sussurrou, sua voz cheia de reverência.
nenhum dos teus planos pode ser frustrado. Falei de coisas que eu não entendia, coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber. Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram. Por isso menosprezo a mim mesmo e me arrependo no pó e na cinza.
Pela primeira vez em mais de um ano, Jó não sentiu dor, mas seu espírito ansiava pelo perdão.
Ele tinha tanta certeza de sua justiça.
Agora, sua única certeza era o desejo de agradar ao Deus misericordioso que poupou sua vida depois de ter falado tão imprudentemente.
Ele colocou sua testa nas cinzas e esperou pelo julgamento de Deus.
O que quer que Senhor decidisse, ele estaria convencido de que seria justo.
Jó levantou a cabeça da lama e ouviu a voz estrondosa.
Surpreendentemente, a repreensão do Senhor passou para os mais velhos.
Elifaz, o temanita, estou indignado com você e com os seus dois amigos, pois vocês não falaram o que é certo a meu respeito, como fez meu servo Jó. Levem sete novilhos e sete carneiros, e com eles apresentem holocaustos em favor de vocês mesmos. Meu servo Jó orará por vocês; eu aceitarei a oração dele e não farei a vocês o que merecem pela loucura que cometeram.
Jó estava sem fôlego.
El Shaddai realmente disse que os anciões falaram tolices e ele falou o que era certo?
Mas El Shaddai, desafiei-o descuidadamente.
Seu coração apertou.
Como ele poderia ser julgado inocente e os outros considerados culpados?
Olhando para cima, Jó viu Elifaz escondido em um brilho etéreo, o rosto virado para o céu, lágrimas como gotas de chuva escorrendo por sua barba branca.
Zofar estava em encolhido, rosto coberto, pronunciando votos incongruentes de fidelidade e desafio.
Bildade chorava como uma criança nos braços de Eliú e de repente bateu na lama com os punhos, clamando: Elohim, estudei Seus ensinamentos. Eu falei a verdade!
Eliú, aparentemente chocado e envergonhado, tentou acalmar o velho, mas Bildade o empurrou e chorou sozinho na pilha de esterco.
El Shaddai, Jó orou, Elifaz demonstra um coração arrependido, mas Bildade e Zofar parecem inalterados por Sua repreensão.
Jó observou a luz tremeluzente em busca de alguma resposta.
Nada.
Sem resposta.
Meu servo Jó orará por você, a Voz havia dito, e eu aceitarei a oração dele e não farei a vocês o que merecem pela loucura que cometeram.
Jó olhou por Abã.
O capitão estava cheio de expectativa, a chuva criava rios em seu rosto coberto de cinzas e esterco.
Trarei um carrinho para levá-lo ao altar da montanha, meu amigo, disse ele suavemente, como se persuadisse a obediência de Jó.
Diná deve ter ouvido a oferta de Abã.
Poderíamos usar alguns cobertores para aliviar sua viagem, Jó.
Suas palavras também eram suplicantes.
Jó virou-se para Nogahla.
Aqueles grandes olhos eram como um espelho de obsidiana.
Quando hesitou em perdoar, viu seu seu reflexo naqueles de quem se ressentia.
Ele era Zofar, deixando a raiva se transformar em ódio.
Ele era Bildade, escrevendo suas opiniões como regras sagradas em pedra.
Ele era Elifaz, elevando o padrão de santidade para alienar aqueles que amava.
Jó orará por vocês; eu aceitarei a oração dele e não farei a vocês o que merecem pela loucura que cometeram.
Somente pela misericórdia do Senhor que alguém é perdoado.
Ninguém era digno.
Nenhum cordeiro ou cabra seriam sacrifício suficiente.
Somente o favor amoroso de El Shaddai tornaria possível qualquer humano comparecesse diante Dele.
Meus irmãos têm sete novilhos e sete carneiros para o sacrifício?
Jó gritou, sua voz ressoando no vale.
Eliú ergueu os olhos, o rosto iluminado.
Sim, Abba. Eles trouxeram um pequeno rebanho para oferecer.
Bildade e Zofar pararam.
Elifaz abriu os olhos, aguardando a orientação do sobrinho.
A coluna de luz permaneceu, e a chuva milagrosa de verão continuou constante sobre o dossel.
Uma multidão se reuniu na saída do vale, e os servos ficaram do lado de fora da casa de Abã, admirados com o espetáculo.
Jó virou-se para Diná, cujo rosto estava radiante.
Vou orar pelos meus parentes, ele sussurrou, mas peço que você ore por mim, querida amiga.
Lágrimas corriam pelas bochechas dela.
Diná assentiu.
Entre todos os amigos de Jó, ela conhecia melhor as cicatrizes das batalhas internas.
22
Jó 42:10-11
Depois que Jó orou por seus amigos... Todos os seus irmãos e irmãs e todos os que o haviam conhecido anteriormente vieram comer com ele em sua casa.
As sandálias de Diná clicaram no corredor da casa de Abã.
Depressa, Nogahla. Não podemos nos atrasar para o sacrifício esta manhã.
Elas haviam se atrasado duas vezes na última semana.
A caminhada da casa de Abã até o altar no topo da montanha de Jó era o equivalente a uma jornada matinal para alguns mercadores.
O fato de ela e Nogahla terem sido hospedadas em um quarto espaçoso no quarto andar irritou Diná. Os outros servos de Abã dormiam juntos no térreo.
A ideia de Abã parecia correta: criar o mínimo de agitação possível para sua família. Diná, porém, não conseguia suportar dormir num colchão de lã enquanto as outras servas dormiam amontoadas em esteiras de junco.
Mas a recuperação de Jó era lenta e a restauração de sua riqueza levaria tempo.
Senhora, sua careta voltou.
A preocupação na voz de Nogahla invadiu os pensamentos de Diná quando elas corriam escada abaixo.
Diná estava com o coração na garganta.
Aqui, disse ela, enfiando a mão no bolso e oferecendo uma folha de cravo para Nogahla.
Mastigue isso. Vai melhorar bastante seu hálito.
Diná piscou e colocou um na boca também, notando a sobrancelha de Nogahla se erguer em compreensão.
Eu ainda quero saber por que a careta, disse a garota, esmagando o cravo nos dentes.
As mulheres saíram da casa de Abã e atravessaram o fluxo de pessoas que fluía pelo cânion.
As milagrosas chuvas de verão continuaram em Uz, embora os comerciantes que viajavam contassem que a seca quase paralisou as regiões vizinhas.
Diná e Nogahla entraram na casa de Jó, que mostrava progresso notável na reforma. Artesãos respeitáveis haviam substituído os inomináveis.
No caminho para os degraus da torre de Jó, Nogahla demonstrou sua preocupação.
Senhora, você vai me contar sobre a cara amarrada?
Mas Diná correu pelo corredor em direção à primeira escada que elas deveriam subir.
Nogahla, se usarmos todo o nosso fôlego para conversar, nunca chegaremos ao topo da montanha a tempo para o sacrifício.
Elas prosseguiram num silêncio amigável, concentrando-se na escalada. Logo a pequena abertura no topo da montanha explodiu na manhã.
430, 431, 432! Ufa!
Diná adotou o hábito de Eliú de contar os degraus da torre em voz alta. Quando ergueu os olhos e encontrou os olhares de Bildade, Elifaz e Zofar, quase engoliu o cravo que estava mastigando.
Eliú deu um passo à frente, oferecendo uma mão amiga.
Fico feliz em saber que os trabalhadores não deram mais um passo.
Diná sentiu suas bochechas corarem.
Nogahla deu um passo para trás. As mulheres se sentaram em um banco ao lado de Abã.
Diná permitiu que Nogahla se sentasse entre eles, lançando um olhar esguio para o grandalhão.
Preciso finalmente admitir que você é confiável.
Ela não podia negar a sede de Abã por El Shaddai.
Eliú assumiu sua posição habitual, ajoelhando-se ao lado do cordeiro e fazendo o corte inicial.
Depois de arrumar a carcaça no altar, ele esperou enquanto Jó abençoava a oferta e respondia as perguntas de Abã.
Diná olhou para os três anciãos, que estavam sentados em frente a ela, mas eles não ergueram o olhar.
Os visitantes diferentes de alguma forma. Elifaz mais velho, Bildade mais fraco, Zofar mais magro.
Na semana da chuva milagrosa de Deus, Abã ofereceu boas refeições, embora tenha descoberto que os armazéns de Sayyid estavam muito esgotados pela seca.
Os anciãos aceitaram apenas vinho misturado com água e devolveram suas bandejas de comida intactas. Disseram ser um jejum de arrependimento.
Diná se perguntou se era maldade, mas pediria perdão por aquele pensamento no sacrifício da manhã seguinte.
Tio Elifaz, você gostaria de explicar a Abã por que o fogo precisa consumir completamente o cordeiro?
O velho edomita sorriu, mas recusou, ouvindo graciosamente a explicação de Jó ao explicar que a integridade da oferta ilustra a dedicação do adorador a Deus e a Seus ensinamentos.
À medida que Jó prosseguia, Diná ponderou nas maneiras pelas quais sua vida havia imitado o cordeiro nos últimos sete dias.
A chuva de verão do Senhor lavara as pilhas de cinzas e esterco do pátio da cozinha, como se preparasse um altar limpo para o sacrifício de Jó. Sem vestígios da dor que havia penetrado nele por tanto tempo.
Então, de maneira sacrificial, Jó se dedicou à cura de seus relacionamentos com Elifaz, Bildade e Zofar.
Os quatro homens passaram horas sob a nova tenda que Abã forneceu como residência temporária de Jó no topo da montanha.
Em meio a lágrimas e perdão, Diná testemunhou a cura interior de Jó.
Pele fresca e rosada surgia das feridas em seu corpo, e os vermes o abandonaram.
Abã estava ansioso para dar as boas-vindas a Jó em sua casa, garantindo ao amigo que não se importava com o odor ou com os vermes remanescentes.
Aflições temporárias, meu amigo!
Veja como El Shaddai já te curou! Daqui a pouco você estará pastoreando seus próprios rebanhos e arando campos com seus próprios bois.
Mas depois que todos os homens deixaram a tenda, Diná e Nogahla permaneceram, secando as lágrimas de Jó e trocando os curativos.
Não tenho o direito de chorar, disse ele a Diná uma noite enquanto observavam o céu.
Veja os milagres que Deus tem feito para mim.
Seu rosto se esticou em uma máscara de força, lutando contra as lágrimas que ajudariam sua cura.
Diná olhou para ele.
Pela primeira vez ela o tocou sem curativo ou erva.
Lembre-se de suas palavras, meu amigo.
A voz dela tremeu enquanto falava.
Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor.' Na noite das tragédias você pronunciou estas palavras em completa rendição.
Ela olhou bem nos olhos dele.
Confiar no Senhor com nossas lágrimas é a nossa maior oferta.
As comportas de suas lágrimas se abriram e Nogahla colocou a mão em seu ombro recém-curado.
Diná soltou o rosto dele.
Uma das lágrimas molhou o pulso dela no pôr do sol.
Então ela se lembrou.
Eu te amo, Jó.
Seu rosto ardeu com o pensamento.
Suas próprias lágrimas fluíram.
Ela estava traindo Sítis?
Como Nogahla, Eliú, Abã e Nada se sentiria sobre isso?
Então Diná se lembrou sua amiga Sítis, esposa de Jó, a quem ambos amavam com devoção.
Não, Sítis, minha amiga.
Você sabe que meus sentimentos por seu marido sempre foram puros.
Sítis não gostaria de ver o marido solitário pelo resto da vida.
Diná olhou para o rosto de Jó. Cuidar das feridas interiores era mais difícil que tratar as feridas externas.
Seus olhos se encontraram por um momento, e um choro renovado tomou conta dele.
Aquele homem havia enfrentado tragédia e morte, mas o Senhor se manteve fiel.
Como ela poderia amar outro homem depois de amar alguém como Jó?
O pensamento seguinte roubou seu fôlego como se ela tivesse caído de um camelo em fuga.
Um homem como Jó nunca poderia amar uma mulher como eu.
Diná foi chamada de volta ao sacrifício da manhã por uma voz familiar."
Senhora.
Nogahla se aproximou, sussurrando.
Você está chorando pelo cordeiro?
Diná ergueu os olhos e percebeu que o cordeiro estava quase todo consumido pelo fogo.
Ela enxugou as lágrimas na roupa.
O que há de errado comigo?
Abba, olhe!
Eliú ficou de pé. As mãos ainda pingavam sangue do sacrifício.
Os primeiros raios do amanhecer revelaram uma linha distante de caravanas convergindo para Uz, estendendo-se até onde os olhos podiam ver.
Os anciãos se levantaram, assim como Abã.
Não parece um exército,
Bildade disse.
Vejo muitas mulheres e crianças em burros, e um grande número de rebanhos e manadas.
Então o que poderia ser?
Eliú estava sem fôlego, o medo era evidente em sua voz.
Quando Sayyid e Bela pagaram aos caldeus para atacar as propriedades de Jó, eles vieram disfarçados numa caravana.
Abã olhou para suas sandálias, e Diná reconheceu o desapontamento nas palavras daquele homem.
Não é hora de reviver o passado,
Jó disse baixinho.
Com um agradecimento, Abã virou-se para Bildade e Elifaz.
Reúna seus exércitos. Reunirei minhas tropas. Se eles vieram para a batalha, devemos detê-los antes que entrem no siq.
Eliú correu para a escada, oferecendo ajuda aos mais velhos enquanto descia.
Diná se virou e viu o terror nos olhos de Nogahla.
Sem choro!
Diná gritou.
Tinha funcionado antes, mas desta vez as palavras não deram certo.
Abã cutucou Diná e se ajoelhou diante de sua amada cuxita.
Nogahla, me escute. Voltarei o mais rápido possível. Você e Diná devem permanecer na montanha com Jó. Mandarei servos pelo caminho da montanha com camelos e uma liteira para busca-las.
Olhando para Diná, ele disse: Você deve prometer que vai fugir ao primeiro sinal de batalha. Entendido?
Diná acenou sobriamente e se sentou sozinha no banco de pedra. Seu coração batia forte, observando Abã confortar Nogahla.
Ela também ansiava por consolo.
Se ela se aproximasse de Jó, ele a abraçaria e falaria como Abã falava com Nogahla?
Quando ela se virou, encontrou Jó olhando diretamente pra ela.
Como se lesse seus pensamentos, ele se virou rapidamente, seu pescoço tão vermelho quanto o barro do desfiladeiro.
A rejeição a perfurou.
Por que você não pode me amar? ela pensou.
Diná se levantou com um salto.
Eu vou com você, Abã! ela gritou, surpreendendo todos, inclusive a si mesma.
Você não pode ir comigo.
Ele fez uma careta como se ela tivesse sugerido que ele comesse olhos de peixe.
Ela desceu as escadas chorando.
Sei andar de camelo, como qualquer um de seus soldados, e conduzir dois animais pelos arreios.
Diná! Volte aqui!
A voz de Abã ficou abafada pela parede da escadaria, enquanto outra voz mais assustadora se seguiu.
Senhora, você não pode fugir de mim. Por que sua cara amarrada se tornou em lágrimas.
Os servos removiam os pratos sujos do almoço, enquanto Jó se mantinha sentado no grande salão de banquetes de Abã, ouvindo outra história de um de seus primos edomitas.
O neto de seu tio estava exaltando feitos de bravura desde que chegara com as primeiras caravanas, seis semanas atrás.
O leão avançou sobre mim por trás da pedra e ...
Jó examinou os homens e mulheres sentados nas mesas, na esperança de encontrar um sorriso genuíno em meio ao ambiente de alegria forçada.
Bildade e Zofar haviam partido há duas semanas para cuidar de assuntos domésticos. Elifaz, Eliú e Abã frequentemente evitavam grandes reuniões.
O tamborilar constante da chuva acompanhava o ritmo das intermináveis histórias de seu primo.
Jó assentiu ocasionalmente quando o jovem respirava fundo, e aproveitou aqueles momentos para refletir sobre o que pesava no seu coração.
Quando vislumbrou as caravanas pela primeira vez, ele também se preocupou com o perigo iminente.
Ele tinha visto Abã acalmar os medos de Nogahla, mas se sentiu estranho quando Diná olhou em sua direção.
Ele queria confortá-la, mas sentia mais do que isso.
Pela primeira vez em sua vida, ele ansiava por abraçar uma mulher diferente de sua Sítis.
Sem aviso, as paixões avançaram como uma inundação.
Algo dizia que ele estava traindo a memória de Sítis.
Algo dizia que Diná iria repelir seu abraço.
Ele sentia falta da voz de Sítis, de seu toque, de sua risada.
Seus pensamentos se voltaram para as caravanas invasoras depois que Diná desceu as escadas em lágrimas.
Quando as caravanas chegaram, cheias de familiares e amigos edomitas de Jó, sua vida mudou drasticamente.
A família de Esaú ofereceu grãos, kesitahs de prata e anéis de ouro para celebrar as obras milagrosas de Deus.
Jó sabia que deveria se alegrar com a restauração divina de sua riqueza, mas a fuga de Diná do altar o assombrava.
As caravanas continuaram a trazer suas ofertas, mas as emoções de Jó mantinham a inquietude.
Após a lua cheia bandos de edomitas ainda entupiam as vias comerciais de Uz. Jó pediu a Diná e Nogahla que fossem com ele para a caverna da viúva Orma.
Mestre Jó, disse a cuxita, seu corpo está curado o suficiente para fazer esta jornada, mas seu coração está?
Jó limpou o rosto e, em seguida, se assustou com as risadas obscenas do primo.
Qual é o problema, Jó? Você não tem estômago para ouvir uma história com um pouco de sangue?
O homem deu um tapa em seu ombro.
Eu já te contei sobre quando fui ao Egito para caçar um gigante ...
Jó ergueu as sobrancelhas, fingindo interesse.
Enquanto seu primo continuasse a contar histórias, Jó não precisaria puxar uma conversa educada.
Mais algumas horas de reflexão poderiam aliviar seu coração.
Seu pensamento voltou para a visita ao túmulo de Sítis de duas semanas atrás.
O trajeto acidentado na liteira atrás do cavalo cinza de Abã.
Os olhares curiosos enquanto Diná e Nogahla conduziam o animal para o caminho através do siq.
Seu primeiro vislumbre do caminho aparentemente inexpugnável que leva à caverna da viúva Orma.
Por favor, Jó, tenha cuidado,
Diná disse a ele, oferecendo a mão enquanto dava os passos finais no caminho rochoso.
Embora sua força estivesse voltando, ainda era uma escalada difícil.
Mas ele tinha conseguido.
Os músculos de suas pernas doíam e o suor escorria em seus olhos.
Seus braços tremiam e ele podia ouvir seu coração bater como uma corrida de cavalos.
Estou bem, disse ele, esperando que ninguém notasse sua fraqueza.
Mestre Jó, ouça a Senhora Diná!
Nogahla estava na entrada da caverna, repreendendo com um dedo.
Mais devagar. Não trouxemos ervas funerárias para preparar seu corpo e colocá-lo ao lado da senhora Sítis!
Nogahla!
O olhar de reprovação e censura de Diná foram suficientes para silenciar a amiga.
O rosto de Nogahla murchou, mas Jó tentou animar seu coração.
Há pouco tempo, eu teria deixado você me colocar na caverna ao lado de Sítis, disse ele.
Virando-se para Diná, ele tentou controlar sua respiração e suas emoções.
Creio que o Senhor tem algo planejado para cada um de nós.
A filha de Jacó se afastou, como havia se tornado seu costume desde a manhã no topo da montanha, e o coração de Jó murchou.
Ele caminhou em direção à entrada da caverna e cumprimentou dois soldados da casa de Abã, posicionados para evitar o roubo de túmulos.
Os guardas já haviam evitado uma tentativa anterior de ladrões pensando que Sítis fora enterrada com oferendas pagãs.
Jó olhou acima da entrada, notando uma pequena fenda no penhasco, onde um pedaço de linho balançava na brisa.
Ele tentou pegá-lo, mas um dos soldados o deteve.
Mestre Jó, se não se importa.
O rosto do jovem corou como se estivesse envergonhado.
Meu parceiro e eu temos observado a poupa em seu ninho.
Ele limpou a garganta, endireitou a coluna e ajustou o cinto.
Jó escondeu um sorriso.
O jovem precisava de um uniforme mais durão para esconder sua ternura.
Observar a criaturinha nos mantém alerta durante nossas longas horas de vigília.
Up-up-up.
O coração de Jó parou com a visão e o som do adorável pássaro flutuando para o lado do penhasco com outra mecha de linho fino no bico.
Seria a mesma poupa que apareceu na varanda de Sítis na noite das tragédias?
O espírito de Jó vibrou com o pensamento.
Up-up-up.
Up-up-up.
Ele inclinou a cabeça e permitiu que a gratidão preenchesse sua alma.
Senhor, cure meu coração partido e encha novamente com um novo amor que seja agradável para Ti.
Jó ouviu uma fungada delicada e olhou para Diná.
Sua cabeça estava abaixada, mas ele viu as lágrimas caindo em seu manto de linho.
Confuso, ele olhou para Nogahla.
Minha senhora chora toda vez que vê o pássaro na caverna, Mestre Jó.
Pela primeira vez em semanas, Diná olhou nos olhos de Jó.
Você se lembra da lição que me ensinou sobre a poupa pouco antes de nossa caravana chegar a Uz?
Jó foi sacudido por uma punhalada de ironia.
Ele tinha esquecido.
Seu silêncio respondeu à pergunta de Diná.
Diná desviou o olhar.
Está tudo bem. Vi outro pássaro poupa em Uz. No dia em que Sítis correu para os meus braços na pilha de cinzas, um pássaro poupa pousou ao nosso lado. Foi a ordem amorosa de El Shaddai sobre aquele passarinho que convenceu minha amiga a abrir o coração naquele dia.
Diná olhou para Jó novamente.
Você gostaria que Nogahla e eu esperássemos aqui enquanto você se despede de sua preciosa esposa?
Os lábios de Diná tremeram enquanto aguardava a resposta.
O estômago de Jó revirou e o sangue fugiu de seu rosto.
Os sons da sala de banquetes de Abã entraram em sua consciência novamente, e a memória do túmulo de Sítis desvaneceu.
Nem todas as ponderações do mundo podem responder às minhas perguntas sobre Diná.
Jó olhou para os rostos estridentes e se sentiu cansado.
Sua paciência com seus parentes edomitas estava acabando.
Sem dúvida, eles se reuniram em Uz para oferecer presentes e animação; no entanto, a seca fez com que permanecessem na cidade, e a casa recém-reformada de Jó os deixou confortáveis demais para voltar para suas terras.
Abã recebeu Jó graciosamente em sua casa, oferecendo uma fuga das multidões sempre que Jó quisesse se retirar para seu quarto no segundo andar.
Práticos e vívidos, Eliú, Elifaz e Abã eram como pão e água para Jó.
Eliú manteve registros da riqueza de Jó que crescia rapidamente.
Elifaz mostrou hospitalidade ao dar as boas-vindas aos outros edomitas, e Abã forneceu privacidade para Jó em seu palácio.
Abba Jó!
Eliú abriu caminho entre os convidados, desviando-se de crianças com brinquedos, evitando homens que haviam bebido muito vinho.
Seu grande abba Esaú está em Uz!
Eliú continuou sua caminhada perigosa, sem fôlego quando chegou à mesa principal.
O coração de Jó saltou e a multidão se acalmou.
Onde está Abã?
Jó perguntou, esperando que o grandalhão não estivesse no campo ou nos armazéns.
Abã enviou mensagem a Elifaz que Esaú entraria no siq a qualquer momento.
Eliú estendeu a mão.
Venha, Abba! Devemos encontrá-los no grande portão!
As mãos de Jó começaram a tremer.
A Grande Montanha Vermelha viera visitar seu bisneto favorito.
Eliú, Diná está com minhas muletas?
Ele lançou um olhar esperançoso pela sala.
Não Diná.
Ela era obediente, mas distante, cuidando de suas feridas, mas fechando seu coração.
Enquanto o corpo dele se curava seu coração clamava mais por ela. Ela, porém sentia que ele precisava menos dela.
Estou com suas muletas, Mestre Jó.
Uma jovem ajustou a muleta na mão direita de três dedos.
A garota amarrou sua mão esquerda com um dedo na segunda muleta com uma tira de couro.
A senhora Diná me pediu para cuidar de você enquanto o Mestre Esaú está em Uz.
Como Diná descobriu que o Grande-Abba estava em Uz?
Jó imaginou Diná se escondendo como um coelho assustado no momento em que soube da chegada de Esaú.
Lembrou-se do tratamento severo de Esaú no acampamento de Isaque, e ficou furioso porque aqueles estranhos ao seu redor comemoravam a chegada de seu violento bisavô, enquanto sua melhor amiga e apoio queria se esconder como uma criminosa.
Você sabe onde eu posso encontrar Diná? ele perguntou à garota.
Ela olhou para os lados como se guardasse um segredo.
Diná está no pátio moendo grãos, Mestre Jó. Nada está trabalhando dia e noite para alimentar a todos, e a Senhora Diná insiste em ajudá-la.
Jó apertou os cabos da muleta.
Ele não poderia andar pela cozinha, buscar Diná do pátio e voltar pela multidão a tempo de encontrar Esaú.
Se não fosse por todas aquelas pessoas ...
Com um suspiro profundo, ele entregou-se a exaustão.
Uma oração silenciosa.
Era como incenso e a mirra para sua alma cansada.
El Shaddai, lembre-me que os celebrantes não são estranhos.
São meus irmãos, irmãs, tias, tios e amigos. Bênçãos tuas. Não maldições para suportar.
Jó falou calmamente com a garota.
Por favor, diga a Diná que gostaria de falar com ela depois de cumprimentar Esaú.
Ela assentiu e saiu rapidamente.
Mantendo-se firme, Jó evitou a multidão e andou o mais majestosamente possível.
Eliú seguia de perto. Entusiasmado em conhecer a Grande Montanha Vermelha.
Elifaz apareceu ao lado de Jó, preparando-se para cumprimentar seu abba, apesar de nenhum deles fingir gostar do outro.
Finalmente, Abã dividiu a multidão. Suas flechas de bronze ressoando ritmicamente a cada passo.
Os quatro homens estavam no portão de Abã. A multidão edomita pressionando atrás deles, esperando na chuva.
Jó recebeu cada gota como uma promessa da garantia de El Shaddai, esperando ansiosamente pela chegada de seu bisavô.
23
Gênesis 36:32
Belá, filho de Beor, reinou em Edom.
Sua cidade chamava-se Dinabá.
Eliú não conseguia conter a empolgação.
Ele nunca conhecera o grande edomita, Esaú.
Não consigo esperar mais,
Eliú sussurrou para Jó, esperando que ninguém percebesse sua ansiedade infantil.
Talvez ainda dê tempo de usar o banheiro, Jó sussurrou de maneira travessa.
Abba! Pare!
A explosão de Eliú levantou uma sobrancelha de Elifaz e uma risada em Jó.
Música para meus ouvidos, Eliú pensou, saboreando as brincadeiras.
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shofar |
Descrito como a Grande Montanha Vermelha o homem era facilmente distinguível até trezentos passos do portão do pátio de Abã.
Poder e autoridade emanavam dele, superando os cavaleiros que o acompanhavam.
Não era possível identificar os acompanhantes por causa nos reflexos do sol da tarde que brilhavam através da chuva milagrosa de Deus.
Eliú olhou para seu abba e viu gotas de suor se acumulando abaixo de seu bigode.
Por que ele estava tão nervoso?
Então Eliú olhou para Elifaz, um ancião chefe edomita, arrumando sua faixa, os olhos passando de Esaú para Jó e de volta para o séquito.
Por que aqueles homens - grandes na opinião de Eliú - estavam tão ansiosos em encontrar seu abba?
Ele ouviu Jó contar histórias de sua infância, quando Esaú o levava para caçar, treinando Jó pessoalmente no arco e flecha para ser o melhor caçador-guerreiro do clã edomita.
Eliú se lembrou da tristeza no rosto de Jó depois de contar a Esaú sua decisão de dedicar sua vida aos ensinamentos do Altíssimo.
O coração de Jó ardia cada vez que contava da indiferença de seu bisavô para com El Shaddai.
Os shofares soaram outra vez e Eliú voltou sua atenção para o desfile que se aproximava.
Surpreso, ele ofegou.
O camelo à direita de Esaú se arrastava sob o peso de Bela.
Suas bochechas brilhavam como o sol.
Desde a restauração de Jó e o apoio de Elifaz ao seu sobrinho, Bela ficou notavelmente quieto.
Sua repentina aparição ao lado de Esaú foi como uma lâmina cega no estômago de Eliú.
Talvez seja melhor ir ao banheiro.
Jó se aproximou de Eliú, o suor traindo o medo sob seu humor.
Outros camelos flanqueavam Bela e Esaú, cada um carregando estandartes de linho com a imagem de um deus com uma montanha nas mãos.
Um grande exército os seguia, e a expectativa de Eliú se transformou em pavor.
O barulho de um trovão sacudiu o solo sob seus pés, e o tamborilar da chuva se reduziu a uma névoa fina.
Um zumbido caiu sobre os edomitas no pátio de Abã.
Eliú olhou para seus amigos em fila, Abã no final, Elifaz, e depois Jó ao seu lado.
Cada um deles tinha os olhos arregalados e confusos.
Subitamente um raio raio seguido de um trovão riscou o céu e os cabelos dos braços de Eliú se ergueram.
Protejam-se! Estamos condenados!
Gritos de terror aumentaram enquanto a multidão reunida se dispersava.
O trovão reverberou pela terra sob seus pés.
E então, como se alguém tivesse derramado a última gota de um balde, a maravilhosa chuva de verão cessou.
Uz parou junto da chuva.
O séquito de Esaú, tão impetuoso e arrogante, parou em um silêncio assustador a poucos passos de onde Eliú e os outros estavam.
Nem mesmo um camelo ousou cuspir e quebrar o suspense.
Kaus vive!
A voz de Esaú ecoou pelo desfiladeiro vermelho.
O deus da montanha permanece para sempre! ele disse, apontando para os penhascos.
Jó respirou fundo.
Eliú colocou a mão em seu ombro e observou Elifaz abaixar a cabeça, esfregando a sobrancelha franzida.
Naquele momento, Eliú percebeu que dos quatro homens, apenas o abba de Elifaz estava vivo.
Uma agitação se espalhou pela multidão que esperava enquanto os servos ajudavam Esaú e Bela a desmontar seus camelos.
Jó, você parece morto!
A voz ressonante de Esaú encheu o desfiladeiro.
Seu tronco imponente fez Eliú se encolher.
Comparado com Abã, a Grande Montanha Vermelha era maior do que a própria vida, uma lenda, um governante.
Bela permaneceu à direita de Esaú.
Vangloriando-se. Mas eles ainda não haviam descoberto por quê.
Minha vida está sendo restaurada,
Jó respondeu, pelo único Deus verdadeiro, El Shaddai.
Eliú ficou orgulhoso da brava resposta de seu abba.
Os olhos de Esaú se estreitaram.
El Shaddai rejeitou os edomitas, Jó, e deu a terra de Canaã a meu irmão Jacó.
Erguendo a voz e abrindo os braços para a multidão, a voz de Esaú ecoou pelas paredes do desfiladeiro.
Portanto, os edomitas estabeleceram as montanhas de Seir como seu lar e abraçaram Kaus como deus.
Ele apontou para as bandeiras vermelhas nos camelos.
Como você pode ver pela chuva que desapareceu, o Senhor não é confiável. Seu capricho vai e vem, mas Kaus, o deus dessas montanhas, dura para sempre!
Como macacos treinados num mercado egípcio, o povo de Uz explodiu em louvor.
Jó e Elifaz trocaram olhares enquanto Esaú e Bela recebiam os aplausos.
Após o pandemônio, Esaú levantou as mãos pedindo silêncio.
Ouçam, meus filhos. Vim a Uz para declarar meu sucessor - o primeiro rei de Edom. Ele vive entre vocês, mantem meus princípios e crenças. Ele é um edomita acima de tudo.
Esaú concentrou-se em Jó, mas abraçou Bela.
Eliú estava tenso, pronto para avançar; apoiar qualquer um de seus amigos ao primeiro sinal de resistência.
Eu lhes apresento Bela, seu rei!
Esaú deu um tapa no ombro de Bela, e o exército iniciou um aplauso que percorreu a multidão.
Eliú se aproximou de Jó e notou os olhares de Elifaz e Abã.
O que devemos fazer?
Eliú perguntou.
A face de Jó era como um pergaminho. Seu corpo tão rígido quanto os penhascos ao redor deles.
Deixamos o Senhor fazer a Sua obra.
Os olhos marejados de Jó revelaram a ferida agonizante de mais uma traição.
Jó deixou o Grande-Abba Esaú no salão de banquetes de Abã e correu para o pátio para encontrar Diná.
Seu chão havia sido removido após a declaração idólatra de Esaú. Ele precisava contar a Diná antes que qualquer outra pessoa desse a notícia.
Enquanto passava pelas outras servas, suas muletas emitiam barulhos no chão de ladrilhos, e Nada fez um aceno.
Quando Jó chegou à porta que dava para o pátio, a visão de Diná ao sol da tarde o fez parar.
Suas bochechas estavam vermelhas e as lágrimas molhavam sua túnica cor de açafrão.
Longos cachos caíam sobre seus ombros sob um véu de linho branco.
Ela era uma visão ou era realidade?
Alguém poderia ser tão adorável e ao mesmo tempo tão vulnerável?
Diná olhou para cima.
Oh, Jó, disse ela, enxugando as lágrimas.
A simples visão dela gerou uma onda de calor em suas veias que ele pensou que havia perdido desde a adolescência.
Ele estava hipnotizado.
Como era possível amar alguém além de Sítis?
El Shaddai, eu desonro minha esposa por amar outra tão cedo?
Você está bem? ele perguntou, seus pés e bengalas triturando no caminho do pátio de cascalho vermelho.
Ela evitou o olhar dele novamente, examinando suas sandálias.
Por que você não olha mais para mim?
Ele não conseguia tirar os olhos dela.
A possibilidade de que sua aparência a enojava passou por sua mente.
Ele havia notado seu rosto marcado e barba irregular no espelho de bronze de Abã, mas era bem menos repulsivo sem os vermes.
Ele não entendia as mudanças dela.
Sua sombra se projetou sobre ela.
Diná enxugou o rosto, mas continuou inspecionando os pés.
Ouvi a profissão de fé de Esaú a Kaus ecoar pelo desfiladeiro e depois a chuva parou.
Finalmente ela ergueu os olhos.
O Senhor nos abandonou?
Não, Diná. Não.
Jó se sentou ao lado dela no banco, permitindo que suas muletas descansassem contra a perna.
El Shaddai não faz as coisas da maneira que esperamos. Quem poderia imaginar uma chuva de verão milagrosa como esta?
Diná olhou brevemente. Seu sorriso era rígido e artificial.
Ele aproveitou o sorriso para alimentar sua coragem.
Não pedi ao Senhor prata, anéis de ouro, grãos e gado.
Ele fez uma pausa, observando-a tirar uma linha de seu manto.
Jamais poderia pensar que o Grande Abba Esaú declarasse Bela seu sucessor e primeiro rei dos edomitas.
O silêncio durou apenas um segundo.
Ele esperava que ela mostrasse algum tipo de indignação diante da loucura da escolha de Esaú.
Mas quando ela finalmente falou, seu tom tinha apenas tristeza.
Sinto muito, Jó. Bela é um homem mau, e o Senhor não abençoará os edomitas sob sua liderança.
O tremor em sua voz dizia que havia algo que ela não estava dizendo ... mas ele ainda não tinha contado toda a verdade.
Diná, o Grande-Abba Esaú proclamou Uz a nova capital de Edom e mudou seu nome. Ele honrará a mulher cujas ervas curativas me curaram.
Diná estava sentada como uma pedra, sua expressão como granito.
Qual é o novo nome?
Jó enfiou a mão na cesta de grãos moídos de Diná e soletrou as letras de sua nova cidade.
D-i-n-h-a-b-á. Uz agora se chama Dinabá, e a capital Edom , disse ele se desculpando.
Um sorriso lento e irônico ergueu surgiu em sua face, e ela olhou para Jó com um pouco de alegria.
O avô Isaque me ensinou a ler meu nome durante os anos em que cuidei dele, mas parece que seu bisavô Esaú é tão ruim em soletração quanto na escolha de seus deuses.
Os dois tentaram rir, mas o ar entre eles estava tenso e estranho.
Os olhos de Diná se encheram de lágrimas novamente e sua voz traiu a raiva armazenada.
Se o tio Esaú quiser me humilhar, terá que ser mais criativo do que colocar meu nome em sua nova cidade pagã.
Lágrimas escaparam de seus olhos e, sem pensar, Jó estendeu a mão e as afastou com os três dedos.
Ela ofegou e se afastou, virando o rosto.
Jó não conseguia respirar.
O que ele tinha feito? Diná, me desculpe. Não foi de propósito...
Jó, eu preciso ir.
A voz dela era tão baixa que ele mal ouviu, o que as tornou mais assustadoras do que se ela as tivesse gritado.
Não, eu vou embora. Vou voltar para o salão de banquetes.
Ele tentou pegar suas muletas, mas estava tremendo.
Por que ele a tocou com aquela mão horrível?
Quero dizer, preciso voltar ao acampamento de Abba Jacó.
As palavras o apunhalaram no mais profundo de seu ser.
Um som escapou de seus lábios.
O som da morte.
Um sopro.
Um gemido.
Um suspiro cansado.
Exatamente quando seus filhos e sua riqueza foram destruídos; quando seu corpo foi atingido; quando sua preciosa Sítis morreu.
Mas isso...
Não.
Ele não conseuiu dizer mais nada.
Não.
Eu preciso voltar, Jó. O mensageiro de Esaú disse que Abba Jacó está doente e precisa da minha ajuda.
Ele tentou esconder o rosto com as mãos deformadas.
Aquilo não poderia estar acontecendo.
Agora não.
Nunca.
Como você pode pensar em voltar para as tendas de Jacó depois da forma como ele te tratou, Diná?
As palavras eram uma acusação, um silvo venenoso como se ela fosse a culpada por sua dor.
Ele está morrendo, Jó. E precisa dos meus cuidados.
Sua compaixão alimentou sua raiva.
Não há cuidadores que entendam de ervas em Canaã? Ele exige o retorno de sua filha para maltratá-la novamente antes de morrer?
Os olhos de Diná refletiram a adaga na alma de Jó.
Ele jogou sua dor nela e atingiu seu alvo.
Por que machucar tantas pessoas?
Diná, sinto muito, ele respondeu.
Ele desejou segurá-la em seus braços e enxugar suas lágrimas.
Mas como a metade de um homem poderia confortar uma mulher?
Você fala a verdade, Jó. Meu abba é egoísta e, por causa disso, nenhum médico suportará consegue cuidar dele. Mas assim como você ama Esaú e tolera seus descaminhos, eu amo meu abba e desejo servi-lo.
Ela sorriu e inclinou a cabeça como se estivesse explicando para uma criança.
Além disso, Esaú tornou a partida mais fácil. Eu não posso viver em uma cidade que leva meu nome e é governada por um rei idólatra.
Por favor, Diná. Por favor, fique e cumpra o propósito de Deus para a sua vida.
Ele não tinha ideia do que estava falando, mas precisava dela assim como um peixe precisa de água ou uma flor precisa de sol.
Não tenho nenhum propósito, Jó.
Ela colocou a mão no rosto dele.
Isaque ordenou que eu me casasse com um edomita. Esaú deixou claro que nenhum edomita queria se casar comigo até que você ofereceu seu filho. O casamento era meu propósito, e morreu com Ennon.
Mas eu preciso de você.
As palavras escaparam dos lábios como um burro selvagem.
As feições de Diná perderam toda a vida, e a máscara que usava no acampamento de Isaque voltou.
Por que você precisa de mim, Jó?
Finalmente ela segurou seu olhar, mas agora ele queria que ela se afastasse.
Ele se sentiu vulnerável diante dela.
Como um homem tão repugnante se atreve a amar uma beleza como Diná?
Preciso que você cuide de mim, ele sussurrou.
Era a única razão que ele conseguiu dar para que ela ficasse.
Ela sempre foi compassiva.
Seus lábios tremeram.
A máscara desmoronou, mas em vez de compaixão veio a fúria.
Não há cuidadores que entendem de ervas em Dinabá para cuidar de você?
Ela atirou as palavras de volta nele.
Afastou a mão dele antes que tocasse seu braço perfeito.
Diná, espere!
Mas ela se foi. O som de seu choro ecoava entre os juníperos.
Diná não conseguiu ir além da cozinha.
Por que as lágrimas, minha garota?
Nada correu para o lado de Diná, esmagando-a em um abraço maternal.
Diga-me como você pode ficar chateado em um dia em que toda a cidade comemore seu nome?
Ahh...
Diná expressou sua frustração e Nada a soltou no mesmo instante.
Renomear Uz como Dinabá foi o fim da picada. Suficiente para que eu deixe a cidade imediatamente. Tio Esaú é um bruto perverso e conivente, mas é meu único transporte de volta às tendas de Abba Jacó em Hebron.
A movimentada cozinha, fervilhando com os preparativos para o jantar, ficou silenciosa como um túmulo.
Quem precisa de transporte para as tendas de Jacó em Hebron?
Os olhos da velha se estreitaram, desafiando Diná a repetir.
Não podemos ir!
Nogahla jogou a massa de pão sobre a mesa de pedra.
Diná pensou que a cuxita estaria vendo seu rosto na massa do pão.
Temos uma boa casa aqui com o Mestre Jó, Abã, Eliú e Nada. Seu pai é mau!
Nogahla!
A punição de Nada veio no mesmo momento que Nogahla viu que falou besteira.
Oh, senhora!
Nogahla ofegou, batendo as mãos sujas de farinha na boca.
Não deveria ter falado de seu pai tão desrespeitosamente.
Ela baixou as mãos e ergueu o rosto.
Mas ainda não podemos sair de casa.
Diná não pôde deixar de sorrir.
Vou sentir sua falta.
Nós não vamos sair daqui, Nogahla,
Diná disse entre lágrimas.
Eu vou embora e você vai ficar, minha amiga.
As outras servas pararam o serviço fixaram os olhos em Nogahla.
Tudo bem,
Nada disse, quebrando o silêncio, Precisamos terminar os preparativos para o jantar. Todo mundo pra fora!
Ela abraçou as outras meninas como uma mãe, e a seguir Diná foi deixada para enfrentar a expressão chocada de sua melhor amiga.
Senhora, como você pode pensar em me abandonar?
Seus olhos ficaram marejados.
Deixarei você com o homem que El Shaddai escolheu para seu marido.
Ambas ssabiam daquilo, mas nunca tinham falado.
Embora Diná não reivindicasse nenhum direito sobre a menina, ficou claro que Abã algum dia pediria permissão a Diná para se casar com Nogahla.
Ela daria a permissão, mas sem a presença de Diná.
Passos pesados e uma voz estrondosa interromperam o momento.
O que é toda essa comoção?
Abã brincou com o tapete que separava o salão de banquetes da cozinha, mas seu sorriso desapareceu subitamente.
Ele entrou na cozinha e caminhou diretamente em direção a Nogahla.
Tomou suas mãos e ergueu sua cabeça.
Diga-me por que esses lindos olhos estão chorando.
Ela se afastou e deu as costas para ele. Diná viu o coração do grandalhão partir.
Ele olhou para Diná em busca de respostas.
Estou voltando para o acampamento do meu abba, ela disse sem adornos, e gostaria que Nogahla permanecesse aqui. Acredito que você se importa com ela, Abã.
O grandalhão deu um suspiro e segurou o pescoço atrás da cabeça, como se pudesse invocar algum tipo de sabedoria oculta.
Diná, eu deveria ter falado com você antes, mas sou treinado para liderar homens, não mulheres.
Outro suspiro.
Ele olhou para Nogahla e deixou a mão cair enquanto falava.
Eu amo Nogahla, mas queria esperar até ser digno de fazer dela minha esposa.
Nogahla lançou um olhar questionador para o soldado.
Ele sorriu para ela.
Possuo a riqueza do meu pai, mas quero a riqueza da sabedoria de Deus. Quero liderar minha família como Jó liderou a sua - como um sacerdote do Altíssimo.
Voltando-se para Diná, ele se curvou levemente.
Por isso esperei até agora para oferecer o dote de Nogahla e pedir sua permissão para tomá-la como minha esposa.
O coração de Diná estava tão cheio que quase explodiu.
Ela sorriu, chorou, acenou com a cabeça e respirou fundo para dar sua aprovação, mas Nogahla gritou, Não!
A comemoração de Abã e Diná imediatamente cessou.
O que você quer dizer com 'Não'? Você ama Abã!
Diná se colocou entre eles, observando as feições de Abã se fecharem diante da rejeição iminente.
Nogahla voltou os olhos para Abã.
Eu amo você, mas não quero escolher entre você e minha amiga.
Ela estendeu a mão para segurar o rosto dele.
Não tenho o direito de pedir nada, mas poderia voltar com a senhora Diná ao acampamento de seu pai e depois voltar para você, Abã, depois que seu pai deixar este mundo?
Diná interrompeu.
Nogahla, não temos como saber quanto tempo meu pai vai durar. Prometo que voltarei a Uz algum dia.
Não! Ninguém jamais volta.
Nogahla se desesperou e bateu os punhos na mesa.
Minha mãe prometeu que me encontraria, mas nunca encontrou. Você vai se despedir e nunca mais vou te ver!
Abã pegou Nogahla nos braços, erguendo-a como um bebê.
Tudo bem, meu amor, está tudo bem, ele sussurrou.
O coração de Diná se partiu.
Ela se entristeceu muito pela dor dor que causou à amiga, mas também por si mesma.
Como ela ansiava pelo toque terno de um homem.
Ela se encolheu no chão, chorando por um marido morto e pelo amor de um homem que a via apenas como cuidadora.
Diná?
Assustada, ela olhou para a face de Jó.
O que está acontecendo? ele perguntou, lançando um olhar preocupado para Nogahla nos braços de Abã.
Nogahla, você está ferida?
Sentindo-se tola, Diná se levantou e ajeitou a roupa, mas Abã falou antes que ela pudesse explicar.
Irei escoltar Diná e Nogahla ao acampamento de Jacó com o exército de Esaú. Você cuidará de minha casa e meu patrimônio até eu voltar?
Diná estava chocada demais para falar, e Jó também.
Os dois se entreolharam, fazendo uma infinidade de perguntas silenciosas, até que finalmente tudo se resumiu a uma.
Quando você pretende partir?
Jó perguntou.
Amanhã.
Diná baixou a cabeça e saiu da cozinha, entrando no salão de banquetes cheio de celebridades pronunciando seu nome.
24
~ De Gênesis 46 ~
Então Jacó partiu de Berseba. Os filhos de Israel levaram seu pai, Jacó, seus filhos e as suas mulheres nas carruagens que o faraó tinha enviado.
Estes são os nomes dos filhos de Israel (Jacó e seus descendentes) que foram para o Egito. . . Rúben ... Simeão . . Levi . . Judá . . Issacar . . . Zebulon . . além da filha [de Jacó] Diná . . .Gade . . . Aser. . . . José e Benjamin . . . Dã . . . . Naftali . . . . Todos aqueles que foram para o Egito com Jacó - aqueles que eram seus descendentes diretos, sem contar as esposas de seus filhos - eram sessenta e seis pessoas.
As pernas de Jó se fortaleciam a cada dia, e era bom voltar para os campos com Shobal e Lotan.
Seus pastores haviam retornado ao trabalho, voltando das cidades para onde haviam fugido para manter suas famílias a salvo de Sayyid.
Nas seis luas desde que Abã partiu com o exército do Grande-Abba Esaú, Jó comprou rebanhos de ovelhas para lã e bois para arar seus campos.
A seca continuava implacável, negando as chuvas de inverno tão importantes para dar vida à terra.
As fofocas no mercado davam conta que o período de seca de dois anos duraria mais cinco anos. O místico vizir do Egito havia profetizado.
Uma seca de sete anos?
Os antigos nunca registraram tamanho julgamento, El Shaddai.
Apesar da terrível profecia, Jó esperava as misericordiosas chuvas de primavera e contratou os mendigos do primeiro setor de Dinabá para podar suas videiras.
Dinabá, ele disse em voz alta.
Só as ovelhas ouviram, mas era melhor do que falar sozinho.
Ele passou a mão pela barba desgrenhada que crescia em sua pele irregular.
Proteja-a, El Shaddai, ele orou.
Cada momento do dia, ele pensava em Diná.
Não importava a atividade, algo o lembrava de seu rosto, sua voz, sua risada.
Ela era uma parte dele.
Ahh...
Ele se arrastou até o cajado e se levantou.
Usava apenas uma bengala em sua mão de três dedos.
Venha, Bildade!
Jó chamou seu novo burro de Bildade em homenagem ao irmão de Sítis.
Tio Elifaz ria cada vez que a mula teimosa se recusava a obedecer. Ele tinha ficado para ajudar Eliú a administrar a riqueza de Jó que crescia rapidamente e a propriedade de Abã.
Diná também teria apreciado a ironia.
Jó respirou fundo e imaginou com carinho que o animal vinha de rebanhos ismaelitas.
O burro, seu teimoso cunhado ismaelita e Sítis compartilhavam o mesmo espírito de fogo.
Mas ele amava sua esposa por isso.
Ele se lembrou da centelha de alegria quando ela falou de El Shaddai na manhã anterior à sua morte.
Diná viu o pássaro poupa e falou a Sítis sobre o amor do Senhor.
Seus caminhos são maravilhosos.
Os pensamentos de Jó entraram em cadência com os passos de Bildade, e logo chegaram aos portões da cidade.
Enquanto Edom, Moabe e Canaã permaneciam no clima quente e árido, Dinabá prosperava.
O mercado estava agitado e os comerciantes venderam seus produtos.
Peregrinos que não podiam viajar para a Terra Negra do Egito pagavam caro pelos grãos, dando a Dinabá o apelido de Pequeno Egito.
A família e os amigos de Jó impulsionaram a economia da cidade ao oferecer generosos presentes de grãos, que Jó, por sua vez, passou gratuitamente ao novo gerente de grãos de Dinabá, Abã.
A crescente prosperidade da cidade ganhou reconhecimento de comerciantes locais e viajantes.
O Bildade de quatro patas, provavelmente quente e com sede, andou direto para os estábulos de Abã.
Jó agradeceu a Eliú. Elifaz permaneceu com ele na casa de Abã.
Juntos, decidiram que o palácio recém-reformado de Jó seria perfeito para acolher órfãos, viúvas, sem-teto e mendigos que precisavam de abrigo.
A seca afetou até o suprimento de água de Dinabá. A solução veio na reconfiguração da fonte para armazenar mais água potável.
Até os animais ficaram satisfeitos.
Bildade aproximou-se de seu garoto favorito com um balde de água.
Jó pousou a mão firme e grata no ombro do menino e depois caminhou para a casa.
Eliú estava parado no portão, o rosto cheio de preocupação, um pergaminho enrolado em suas mãos.
Nenhum mensageiro de Abã hoje. Devemos enviar uma pequena caravana para checar o paradeiro deles?
Eliú, você deve vir comigo aos campos amanhã. Você está com tempo sobrando pra ficar preocupado.
Jó piscou para Elifaz, que descansou na pouca sombra que o eucalipto fornecia.
Colocando um braço paternal sobre os ombros de Eliú, Jó o conduziu até a sala de jantar e tentou acalmar seus temores.
Abã enviou a notícia de que, enquanto viajava com as tropas de Esaú, eles interceptaram Jacó e sua família em Berseba, a caminho do Egito. Eles tiveram que caminham devagar por causa da saúde de Jacó, e vão avisar assim que encontrarem pasto para seus rebanhos e manadas.
Jó tentou esconder sua própria preocupação.
O Egito era um lugar perigoso, seu faraó tão imprevisível quanto uma tempestade de areia.
Ouvira inúmeras fofocas sobre o vizir, intrigante e astuto, que ascendeu ao segundo posto mais alto do Egito com uma interpretação mágica dos sonhos do Faraó.
Eliú respirou fundo e bateu o pergaminho na mão.
Nossa jornada será muito mais difícil se não ouvirmos Abã.
Que jornada?
Seus passos lentos na sala de jantar foram interrompidos.
A jornada para encontrar Diná.
Eliú levantou uma sobrancelha sobre os olhos cerrados.
As palavras atingiram Jó como água fria na cara de Bildade.
Eliú, não posso procurar Diná.
Abba, você deve! Seu corpo está se curando, mas sua alma ainda está doente.
O filho adotivo de Jó abandonou todas as tentativas de sutileza.
Você é um homem bom e piedoso, Abba, e Diná o ama. Por que permite que a sua vergonha o afaste da mulher que Deus lhe deu?
Jó olhou para suas mãos, as pernas torcidas sob seu manto, o meio-homem agora chamado Jó.
Sim, eu amo Diná.
Ele sentiu uma onda de pânico.
Nunca antes aquela confissão passou por seus lábios.
Mas você está errado, Eliú. Ela não me ama - não da maneira como um homem deseja ser amado por uma esposa. O afeto que você viu nos olhos dela, nasceu da piedade de um homem quebrado.
As palavras tinham um gosto rançoso e amargo.
Abba, você ensinou a Diná que, quando ela foi perdoada por El Shaddai, ninguém mais poderia envergonhá-la. Você precisa aprender uma lição semelhante.
Eliú se aproximou, sussurrando.
Quando El Shaddai te abençoa, ninguém pode roubar Sua bênção.
Ele se virou e estudou o pergaminho, Nada preparou o jantar. Os servos poderiam preparar uma caravana para o Egito pela manhã.
As palavras de Eliú ecoaram no salão de jantar vazio de Abã.
Jó estava sozinho de novo.
Sozinha.
Não é bom para o homem ficar só - não foi isso que disseste a Adão, Senhor?
O coração de Jó disparou.
Ele não se permitiu amar Diná.
Sequer acreditou que ela poderia amá-lo de verdade, do jeito que uma mulher ama um homem.
E se Eliú estiver certo?
Ooh! ele gemeu alto.
O pensamento de declarar seu amor por Diná o aterrorizava.
E se ela risse?
Pior, e se ela tivesse pena dele?
Oh, El Shaddai, não posso fazer isso!
Se a rejeição era o único obstáculo, então o orgulho era seu verdadeiro problema.
Jó, é você.
Elifaz apareceu na porta.
Pensei ter ouvido um cão pastor gemendo.
O brilho travesso no olhar do velho disse a Jó que ele estava cheio de compaixão.
Estou partindo para encontrar Diná,
Jó disse, hesitante, na esperança de medir a reação de seu tio.
Elifaz havia se desculpado com Diná e Abã depois da explosão na pilha de esterco. Mas ele ignorou Diná nos dias seguintes.
Por que você decidiu ir agora?
O rosto enrugado de seu tio não demonstrava emoção.
Eu acho ... não, eu sei que a amo,
A frase se tornava mais familiar em sua boca.
E eu nunca disse a ela. Se El Shaddai me abençoou com esse amor, não devo guardá-lo para mim.
O conselho de Eliú estava aninhado em sua alma.
Elifaz ergueu uma sobrancelha grisalha e desgrenhada.
Você e Eliú devem partir pela manhã. Preparei provisões suficientes para chegar em segurança ao Egito. Sua caravana estará pronta ao amanhecer. O Senhor me disse semanas atrás que esse dia chegaria.
Por que você... ? Como... ? Quando... ?
A mente de Jó disparou.
Se você não consegue nem terminar uma frase, meu filho, como vai encontrar Diná no Egito?
O velho riu, mas Jó foi atingido pelo impecílio mais flagrante para sua partida.
Tio, não posso levar Eliú e deixar você com duas famílias no meio de uma seca.
Meu filho, você e Eliú irão.
A voz de Elifaz era gentil, mas firme.
Posso administrar os interesses de Abã e os seus enquanto vocês estiverem fora. Terei prazer em fazê-lo para reparar alguns dos erros que cometi contra você e Abã.
Ele colocou as mãos nos ombros de Jó.
Você é meu filho do coração, Jó. Depois que seu abba morreu, vi como você honrar El Shaddai em todas as circunstâncias da sua vida. Você amou muito a esposa que Deus te deu - Sítis. Essa Diná que você agora persegue ...
Jó se preparou para repelir o veneno que tinha certeza de que viria.
Ela é um presente do Altíssimo e trará alegria para você pelo resto de seus dias. Vá em paz, meu filho. Encontre-a. Ela é o seu futuro.
Diná reclinou-se num sofá, ouvindo o barulho das fontes do jardim de José.
Ela estava morando na casa do irmão ha quase sete luas, mas imagens e sons do Egito ainda a intrigavam.
Além disso, o milagre da vida de José a emocionava.
Ela se beliscou.
Ai! Não era um sonho.
Seu irmão mais novo, primogênito de Raquel, que fora amamentado ao lado de Diná no seio de Lia, era agora o segundo depois do rei do Egito.
O segundo apenas no nome. Era José que liderava o Egito depois da morte do pai de Faraó há dois anos.
Conselheiros e servos saudavam José como pai do Faraó já que o rei de oito anos decidiu confiar na sabedoria do vizir para lidar com a seca sem precedentes.
Diná se lembrou do momento em que percebeu a importância do irmão.
Quando ela navegou Nilo, faminto pela seca, viu centenas de admiradores de José alinharam-se nas margens dos juncos para saudar sua luxuosa feluca.
Os egípcios atravessavam a lama e gritavam: Salve, o poderoso vizir, o juiz da alta corte! Graça e paz para o justo cobrador dos impostos do rei! Honra e saúde para o guardião dos celeiros do Faraó!
Diná ficou maravilhada com os títulos elaborados de seu irmãozinho, enquanto ela se sentava no estrado do navio, observando maravilhada enquanto dezesseis remos batiam na água e os puxavam em direção a Tebas.
Sentiu o cheiro de papoulas, lírios e flores de acácia, desfrutando dos poucos momentos de silêncio enquanto os servos corriam para suas tarefas ocupadas.
Ela aproveitava as tardes em que seus sobrinhos indisciplinados, Manassés e Efraim, ficavam com seu tutor.
Ela amava os meninos, mas valorizava o tempo sozinha para se adaptar à sua nova vida no Egito.
Percorreu os murais coloridos do jardim, e reviveu a honrada história das relações de seus ancestrais com a terra do Egito.
José ordenou que sua casa fosse ornada com pinturas das viagens de Abraão, histórias de Isaque e até mesmo um pouco da vida de Jacó, relacionada à própria jornada do vizir em direção à Terra Negra.
Uma cena chamou sua atenção: uma menina mais velha e um menino brincando perto de um riacho, com um pássaro poupa empoleirado em um galho, cuidando deles.
Diná percebeu que a menina e o menino deveriam ser ela e José.
Por que ele pediria para desenhar um pássaro poupa?
Ela ficou tonta com o cheiro de flores de lótus e a lembrança de Jó.
Ahh...
Ela deu um tapa na almofada ao lado dela.
Seria possível viver um dia sem pensar no sorriso de Jó, seu coração bondoso, seus olhos carinhosos?
Olhar para uma pintura ou ver o nascer do sol e não se lembrar de sua voz ou de seu caráter?
Decidir 'não pensar em alguém' já significa pensar nele, ela raciocinou, fechando os punhos cerrados, pressionando contra as têmporas.
Não é uma pose adequada para a irmã do vizir.
A provocação de José sufocou a meditação, mas ela ficou agradecida.
Diná ergueu a cabeça e encontrou o irmão de quem se lembrava quando jovem deslizando pela calçada pavimentada.
Sem kohl ou malaquita nos olhos. Nenhum ocre vermelho misturado com resina em suas bochechas e lábios.
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shendyt egípcio |
Puxando um banquinho de marfim para perto do sofá de Diná, José inclinou a cabeça e deu um sorriso cativante.
O que faz com que minha adorável irmã belisque o próprio rosto?
Diná não podia resistir ao seu charme.
Sem a peruca real ou capacete dourado, seu cabelo curto e cacheado cobria as têmporas.
Não sou apenas a irmã do vizir, você sabe.
Ela ergueu o queixo com ar de superioridade.
Agora sou babá dos filhos do vizir.
Diná riu da ironia.
Ela não se tornara cuidadora de Abba Jacó nem de Jó, mas babá de dois meninos.
Suas provocações perfuraram o coração de José de alguma forma.
Babá é trabalho de servo, disse ele, pegando sua mão.
Você não é uma serva em minha casa, Diná. Eu quero te honrar, não te usar. Eu nunca deveria ter concordado em deixar você cuidar de Manassés e Efraim. Você pode ver meus filhos quando quiser, mas não será babá deles.
O pânico subiu em sua garganta e quase a sufocou.
Diná sentiu a perda de mais um propósito em sua vida.
Não, José, por favor. Eu estava apenas brincando. Por favor.
Ela agarrou as mãos dele como se ele fosse uma corda suspensa num abismo.
Jamais terei filhos. Não sentirei a ternura dos pequenos braços em meu pescoço nem ouvirei o som do meu nome em seus lábios ...
Ela colocou a mão dele no seu rosto e começou a chorar.
Certo. Tudo bem, shh, ele disse, afastando os cabelos do rosto.
Não sabemos o que Senhor planejou para o seu futuro.
Ele gentilmente afastou a mão e ergueu a cabeça dela.
Olhe para mim, Diná.
Timidamente, ela obedeceu ao único homem que nunca traiu sua confiança.
Nossos irmãos me jogaram em uma cisterna, mas El Shaddai me elevou ao segundo posto mais alto do Egito. Não sabemos os planos do Senhor para você, minha querida irmã.
Ele fez uma pausa, e então malícia surgiu em seus olhos.
A tensão de Diná começou a derreter.
Você só poderá cuidar dos meus filhos se não for na condição de babá.
Ela sentiu uma forte onda de alívio.
Se tentar tirar seus filhos de mim, senhor vizir, ela disse, com uma pequena travessura, terei que derrubá-lo no chão e fazer você dizer: 'Tio peludo Esaú' ', como eu quando éramos crianças.
A gargalhada de José encheu o jardim.
Bem, irmã. Se você fizer isto, uma dúzia de guerreiros núbios verão que podem dominar seu mestre com uma luta de cócegas.
Os dois riram e Diná pegou mais uma vez a mão do irmão.
Por pouco eu não vim para o Egito com Abba Jacó.
A sobrancelha de José disse a ela que Abba não havia contado sobre sua falta de coração ou a traição mais recente de Diná.
Você se lembra que Esaú prometeu escoltar Abã, Nogahla e eu até o acampamento de Abba Jacó em Hebron, mas encontramos a caravana de Abba em Berseba no caminho?
José acenou com a cabeça.
Quando a escolta de Esaú viu as grandes carroças do Faraó transportando o acampamento de Abba Jacó, nosso tio ficou irado de ciúmes. Ele enviou presentes à frente de suas tropas, assim como Jacó enviou presentes para saudar Esaú quando éramos crianças, voltando de Harã.
Mais uma vez José acenou com a cabeça com a lembrança.
Diná mordeu os lábios com força, tentando conter as lágrimas que ameaçavam afogá-la.
Esaú havia mentido sobre os problemas de saúde de Abba para me afastar de Jó. Quando seu engano ficou evidente, Esaú ofereceu servos e gado para acalmar sua raiva inevitável por ter de receber sua filha vergonhosa de volta.
José estendeu a mão e tocou seu rosto. As palavras seguintes escaparam em um gemido.
Quando vi Abba Jacó saindo como um galo para cumprimentar as tropas de Esaú, voei em seus braços, chorando. Minha alegria em ver Abba saudável superou minha fúria pela traição de Esaú. Abba me empurrou. Tinha certeza de que ele condenaria Esaú por sua traição, mas ...
Ela fez uma pausa, humilhada demais para prosseguir.
O quê? José sussurrou.
O que Abba fez?
Ele riu, José. Ele abraçou o irmão que odiou a vida toda e parabenizou por suas habilidades na arte do engano.
O vizir do Egito se moveu para o lado de sua irmã, passando os braços em volta dela, deixando suas lágrimas molharem o roupão.
Quando Diná recuperou o controle, disse: Abã e Nogahla começaram os preparativos para nosso retorno a Dinabá, mas eu não consegui. Não sabia para onde ir ou o que fazer - até que Abba Jacó me contou sobre você, José. Quando soube que você estava vivo, pedi a Abã e Nogahla que voltassem comigo para o Egito.
Um longo silêncio se estendeu entre eles.
Estou feliz que você veio, disse ele.
Ha seis luas tenho visto seu coração doer por esse homem chamado Jó. Por que você não voltou para Dinabá com Abã e Nogahla? Ouvi que Abã se prepara para retornar. Por que você não volta com eles?
Diná limpou as bochechas e sentou-se.
Jó só quer uma cuidadora, José.
Suas palavras eram repletas de amargura.
Ela se virou, envergonhada com a dor insistente.
Pelo menos em sua casa, ninguém espera que eu seja babá.
Um sorriso malicioso surgiu nos lábios de José.
Então você não veio ao Egito por minha causa.
Ele ergueu o rosto dela com o dedo.
Você veio para o Egito para fugir de Jó.
O coração de Diná apertou.
Deixei Uz porque Esaú mentiu e depois descobri que meu irmão havia ressuscitado.
Ela ergueu a mão para acariciar seu rosto barbeado.
Quando nossa caravana chegou a Gósen e vi você vestido com todo o esplendor do Egito, imaginei o tamanho do erro que nossos irmãos cometeram. Não consegui ver José naqueles olhos de kohl e shendyt de linho branco. Não conseguia acreditar que o homem que usava aquela faixa dourada no pescoço era meu irmãozinho!
A risada de José encheu o ar e o coração de Diná palpitou como se um pássaro tivesse voado.
Um pássaro.
Ela olhou novamente para a parede, procurando a poupa.
José, aquela cena em sua parede representa você e eu quando éramos mais jovens? Você pediu ao seu artista para pintar o pássaro daquela forma ou ele incluiu por conta própria?
José apoiou o cotovelo no joelho, como fazia quando menino.
Sua expressão sombreada por tristeza.
Você sempre perceptiva. Sim, somos você e eu. Pedi ao artista que pintasse o dia como eu lembrava. A poupa sempre foi um símbolo da força de minha irmã. Me ajudou a lembrar que o Senhor cuidaria da minha sorte.
Diná recuperou o fôlego.
O que você quer dizer? Que dia foi esse e como você pode me achar forte?
O dia que Siquém te levou.
O coração de Diná parou.
Você nunca esteve tão bonita. Inocente. Sem desconfiar do que o mundo - e os homens - eram capazes.
Seu silêncio foi abençoado pelas palavras mais bonitas que ela já ouvira.
Lágrimas brotaram nos olhos de José enquanto ele prosseguia.
Naquele dia nós brincamos no campo, e eu me lembro de ter visto uma poupa. Seu vôo era estranho e ondulado como uma borboleta. Assim como você: linda, mas imatura na sua juventude. Um falcão ameaçou o passarinho, mas de repente a poupa subiu a alturas e a ave de rapina fugiu envergonhada. Nos últimos anos, pensei muitas vezes em você, imaginando o que aconteceu com minha adorável irmã poupa depois do ataque de falcão em Siquém. Sempre acreditei que o Senhor lhe daria forças pelas quais você voaria.
Oh, José.
Lágrimas escorriam no rosto de Diná.
Ela não tinha ideia de que a poupa tinha sido um símbolo para ele por tantos anos.
E José não poderia ter adivinhado que um simples pássaro teria tanto significado em seus dias com Jó.
Como o Senhor pode usar uma criatura simples para tecer uma trama de ouro ao longo de sua vida?
Eu tinha apenas quatorze anos, mas lembro o que Levi e Simeão fizeram aos siquemitas.
José olhou firmemente para ela, e ela foi dominada por seu amor.
Não pude libertá-la quando nosso abba e irmãos usaram sua dor para satisfazer sua própria ambição. Mas eu posso proteger você agora. Ninguém irá machucá-la novamente.
Diná o abraçou com força, sussurrando, Você não pode me salvar de tudo, irmão. Jó pensou que me salvaria dos homens perversos, mas partiu meu coração mais do que qualquer outro.
Por que El Shaddai me fez perder dois anos da minha vida, me permitindo amar outro homem pudesse me machucar?
Inclinando-se para trás, José segurou seus ombros.
É como eu disse aos nossos irmãos, Diná. Os planos do Senhor são maiores do que os nossos. Nossos irmãos planejaram o mal ao me vender como escravo, mas Deus o tornou em bem, permitindo que eu interpretasse os sonhos de Faraó e preparasse o mundo para esta seca. Creio que El Shaddai te enviou para Uz da mesma forma que me mandou paro Egito. Você sofreu nas mãos dos homens, mas muita coisa boa surgiu neste processo. Você sustentou Jó na doença dele e ajudou Sítis encontrar o Senhor com seu testemunho. Seu amigo Abã e eu estabelecemos rotas comerciais egípcias através de Dinabá.
José fez uma careta.
Que nome ridículo para uma cidade. Sou grato por Abã ter alguma influência sobre o príncipe ismaelita Bildade e trabalhe para restaurar o nome dessa cidade para Uz.
Diná riu e puxou seu lóbulo da orelha.
Sem você, continuou ele, seus amigos Abã e Nogahla nunca teriam se conhecido e se casado, nem teriam vindo ao Egito e encontrado o pai de Nogahla, Potifar, meu antigo mestre.
Ele olhou nos olhos dela como se procurasse um tesouro escondido.
De repente ele se levantou e pegou a mão de Diná, colocando-a de pé.
A Diná que vejo diante de mim é mansa, mas forte. É compassiva e amorosa. Ousada e prudente.
A irmã que eu deixei aos dezessete anos não poderia ter se tornado esta mulher sem as experiências de Uz.
Diná enrolou as mãos nos braços de José, e eles juntaram a testa, como faziam a infância.
O barulho das fontes de água aliviaram os pensamentos de Diná e mascararam o barulho das sandálias de Manassés na passarela de azulejos.
Tia Diná, um aleijado rico pediu para vê-la! ele disse.
Ela olhou para cima e segurou firme nos braços de José.
Jó estava sob uma acácia, sustentado por apenas uma bengala, vestido com uma túnica listrada.
Sua expressão parecia como se tivesse perdido seu melhor amigo.
25
Gênesis 36:32
Quando Belá morreu, foi sucedido por Jobabee, filho de Zerá, de Bozra.
Jó revisou seus próprios medos.
Diná estava nos braços de um marido rico e bonito que a adorava.
Jó estava atrasado.
Eliú deu um cutucão mas ele não conseguiu dar mais um passo.
Eles chegaram ao meio-dia, na esperança de evitar o enigmático primo José.
Mas acabaram por atrapalhar os momentos íntimos de um casal.
Ao chegar em Gósen, Jó e Eliú descobriram que o legendário vizir do Egito era o filho há muito perdido de Jacó.
Saíram às pressas, sabendo apenas que Diná morava no palácio do vizir.
Estava bem claro que Diná e seu amado frequentavam a casa de José.
Manassés! Você não deve dizer essas coisas.
Diná pegou o menino nos braços.
Ele não é um aleijado. Ele é meu amigo. Seu nome é Jó.
O homem passou o braço ao redor do ombro dela.
Jó analisou cada detalhe da beleza de Diná. Um último olhar.
As mandrágoras e os narcisos não eram páreo para sua beleza.
Não posso dar tudo que ela merece.
Jó pigarreou e se virou para ir embora.
Me desculpe pela interrupção. Não devia ter vindo sem...
Jó, espere!
Diná se afastou do braço do homem.
Não vá. Quero que você conheça meu irmão José.
As pernas de Jó vacilaram de alívio, mas ele ainda estava intrigado com o sorriso do jovem.
Seu irmão? Pensei que seu irmão fosse vizir do Faraó.
Aquele menino não era mais velho do que os próprios filhos de Jó.
E onde estava sua maquiagem egípcias e joias reais?
Ele era celebrado como pai do Faraó, a provisão do Egito, que salvou o mundo da fome?
Eliú!
Diná passou correndo por Jó ao perceber que seu jovem amigo permanecia atrás dele.
Jó se afastou de lado, abrindo espaço para o reencontro.
Quando vocês chegaram? ela perguntou. Havia uma excitação nervosa em sua voz.
Já estiveram na casa de Potifar para visitar Abã e Nogahla?
Eliú olhou para Jó e Diná, pensando na melhor resposta.
Chegamos ao acampamento do seu abba Jacó ontem. Viajamos a noite toda para te encontrar.
Jó inclinou a cabeça sob o peso do medo.
Agora era a hora.
Eliú havia revelado o propósito de sua jornada.
Para te encontrar ... para te encontrar ...
Ele se sentia como um menino, com vergonha de encarar o olhar dela.
O silêncio caiu sobre o jardim. O barulho das fontes como chuva de primavera.
Não posso acreditar que vocês estão aqui.
Diná deu um passo na direção de Jó. Ao tocar seu braço, seus olhos pousaram diretamente no rosto dela.
José, ela disse, venha conhecer meu amigo Jó.
Jó ouviu o movimento do vizir, embora não conseguisse tirar os olhos de Diná.
Acho melhor falar com Jó outra hora, irmã,
José disse enquanto levava o pequeno Manassés para dar uma volta.
Quero conversar um pouco com seu amigo Eliú.
José deu um tapa nas costas do convidado e levou Eliú para um passeio pelos corredores de granito de seu palácio.
A saída de José deixou o ar com um leve cheiro de amêndoa. Jó se perguntou se Diná poderia se contentar com um homem cuja pele não exibia mais nenhum viço.
Ela era tão bonita! José poderia apresentá-la aos homens mais bonitos e poderosos do Egito.
Diná parecia feliz aqui.
El Shaddai, devo contar a ela sobre meu amor?
O que você está pensando?
Eu... Estou pensando...
Ele queria desfazer os mil pensamentos que enfureciam um contra o outro?
Ambos estavam confusos.
Na pilha de cinzas e lixo eles conversaram por horas.
Nas cinzas as palavras vieram mais facilmente.
Por que você está aqui?
Sua voz era suave.
Vim até aqui porque ... porque ...
Jó olhou para as próprias mãos. Três dedos à direita e um único à esquerda.
Então ele ouviu os soluços.
Assustado, ele contemplou grandes lágrimas caindo dos olhos dela.
Ela limpou o rosto com a mão.
Você ainda procura uma babá?
As palavras o acertaram.
É isto que você acha?
Ele largou o cajado e agarrou seus ombros.
Sou um aleijado, implorando a uma linda mulher que me ame!
Lágrimas rolaram por seu rosto envelhecido.
Não tenho o direito de dizer que amo você de todo o coração. Meus braços não podem levá-la a uma câmara nupcial e minha riqueza não é capaz de dar-lhe um reino.
As palavras surpreenderam o próprio Jó.
Ofegando, ele não sabia se devia beijá-la ou pegar seu cajado e se juntar à próxima caravana para Dinabá.
Eles ficaram em silêncio, chorando, decifrando o olhar um do outro.
Eu ouvi você dizer que me ama?
Diná finalmente sussurrou.
Foi só isso que você ouviu?
Jó respondeu suavemente.
Ele observou enquanto uma lágrima solitária pendia no canto de sua mandíbula.
Ele a soltou, encarou as próprias mãos desprezíveis e depois tentou escondê-las nas dobras da túnica.
Eu te amo, Jó, disse ela, desde o dia em que te conheci.
Ela se apressou para explicar: Não me apaixonei por você até a morte de Sítis, mas amei o seu ideal, o homem de Deus que você é.
O rosto dela corou de tal forma que poderia ofuscar o por do sol.
Ela pegou a mão esquerda dele, levou ao próprio rosto e a seguir beijou a palma da mão.
Mas agora eu quero te amar como uma mulher ama um homem, como uma esposa deve amar um marido.
Ela inclinou a cabeça e fechou os olhos.
Ele estudou seus olhos e seus lábios.
Como você sabia que essas eram as palavras que eu precisava ouvir?
Seus lábios deles se encontraram pela primeira vez.
Os dias após a declaração de amor de Jó tornaram-se um sonho para Diná.
José assumiu o papel de abba e decidiu pagar a Jó um belo dote.
Diná mandou fazer um vestido de noiva de linho em todas as cores do arco-íris, com fios de ouro e pedras preciosas entrelaçados no tecido.
Um ourives confeccionou a coroa nupcial de Diná em ouro de Ofir cravejada de ônix, safiras, jaspe, rubis e topázios de Cuxe.
Me sinto como uma rainha, ela sussurrou para Nogahla na manhã do casamento.
Diná, Jó, Eliú, Abã e Nogahla haviam viajado com a família de José para longe de Tebas dois dias antes.
Os músicos e dançarinos do faraó fizeram uma festa em sua partida.
Diná ficou tonta de assistir.
A festa de casamento no navio foi acompanhada de mais músicos, tocando flautas, liras e harpas.
O barco atravessou o Nilo, saudado por vastas plantações de linho, um novo tipo de tecido vendido pelos edomitas da casa de Zofar.
Zofar ficaria tão vermelho quanto o velho Esaú se soubesse que seu vestido de casamento era feito do linho que ele tecia.
Nogahla e Diná desfrutaram do momento de prazer.
Depois de dois dias e duas noites no Nilo, eles chegaram a Avaris. O séquito desembarcou e viajou por terra até o acampamento de Abba Jacó em Gósen.
O solo negro e as planícies verdes de Gósen eram uma joia naquela região seca.
Os homens ocuparam as belas carruagens de Faraó enquanto as mulheres seguiam em carroças puxadas por bois.
Diná acotovelava-se ao lado de Nogahla e três servas no ornamentado carro com rodas douradas. A junta de bois coberta de púrpura. Seus chifres polidos até ficarem brilhantes.
Senhora.
Nogahla começou, mas Diná colocou os dedos gentis em seus lábios.
Agora você é a senhora de sua casa, Nogahla, com servas para cuidar de você. Você é casada com um homem rico que a ama e adora El Shaddai. Já é hora de você me chamar de Diná.
Nogahla pegou a mão de Diná e entrelaçou os dedos.
Tudo bem, Diná, mas não esqueça. Você também está prestes a se casar com um homem rico que a ama e adora El Shaddai.
Diná baixou a cabeça.
Uma ex-serva cuxita considerava os presentes que Jó recebeu do clã edomita uma riqueza abundante, mas Diná sabia que eles teriam que viver com modéstia para sustentar a grande casa de Jó e constituir uma família.
Nogahla, estou feliz com o amor de meu marido e os presentes da família e dos amigos.
A amiga cobriu a boca como se tivesse engolido uma das moscas que rondavam.
Você não sabe?
Diná esperou, mas Nogahla não deu detalhes.
Saber o que?
Não vou estragar a surpresa.
Ela começou a sacudir a cabeça e apertou os lábios.
Agora você tem que me dizer!
Diná ficou interessada nas reuniões que Jó e José tiveram enquanto estavam em Tebas.
Ela se lembrou que Abã e Eliú haviam participado de algumas daquelas reuniões secretas.
Diga-me, ou trarei Nada para morar comigo quando voltarmos para Dinabá!
Nogahla deu uma risadinha.
Tudo bem, tudo bem, eu digo, disse ela.
Acho que Nada vai nos assombrar de qualquer maneira. Não é mesmo?
Diná tocou o rosto de Nogahla antes de divulgar a novidade.
Abã disse que no tempo que estivemos fora, o Senhor aumentou consideravelmente a riqueza do Mestre Jó. Uz - quer dizer Dinabá - se tornou um importante ponto de comércio. Tanto Abã quanto o Mestre Jó foram mais do que abençoados.
Os olhos de Nogahla brilharam.
Viu? Eu disse que estaríamos casadas com homens ricos.
Diná olhou descrente.
Como podia ser verdade?
Os planos do Senhor são maiores que os nossos. Um instante depois Jó entrou pela porta.
Enquanto a caravana de casamento seguia Diná percebeu que cada um daqueles homens tinha sua própria história sobre a bênção e o cuidado do Senhor.
Nogahla, você sonhou que veria seu pai de novo?
O soldado estava no primeiro carro com José, segurando as rédeas do vizir que tinha sido escravo.
Os olhos da pequena cuxita transbordaram em lágrimas.
Embora ele tenha me dado a triste notícia da morte de minha mãe, tive a oportunidade de conhecer meu pai.
Ela cobriu a boca com a mão. Seus traços agora de mulher, não de menina.
El Shaddai respondeu uma oração que eu nunca ousei fazer. O Senhor me concedeu um marido capaz de falar com meu abba de igual pra igual. Um soldado com condições financeiras. Um homem que mostrou ao grande Potifar que El Shaddai não é apenas dos hebreus.
As lágrimas correram pelo seu rosto e Diná a abraçou com força.
Seu marido é um bom homem.
Diná observou a forma como Abã dominava a carruagem de dois cavalos na qual Jó se firmava contra um suporte especial construído dentro da carruagem do noivo.
Somos mulheres abençoadas.
Ela ficou maravilhada com o filho justo de Sayyid e louvou a Deus pelas provações, pela fé e restauração de Jó.
Na terceira carruagem, Eliú vagava em ziguezague pelos pastos de Gósen.
Ele passou horas estudando as técnicas de condução, mas teve pouco tempo para praticar.
Diná não conseguiu conter uma risada ao ver o aluno de Jó tentando se equilibrar na carruagem, enquanto os guardas do vizir se esforçavam para se esquivar dos garanhões errantes de Eliú.
El Shaddai, abençoe meu amigo com uma noiva pura e amável.
Ele merece uma mulher que o ame.
O acampamento de Abba Jacó surgiu adiante, e o coração de Diná saltou.
Barracas de pele de cabra salpicadas na terra, enquanto os rebanhos e manadas percorriam os pastos.
Cheiro de casa... pastores suados e esterco de ovelha, guisado de lentilha e cordeiro assado.
As crianças gritavam, apontando e acenando para a carruagem do vizir. Queriam ser cumprimentadas pelos olhos delineados por kohl.
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os egípcios usavam o kohl para realçar os olhos |
Por que concordei em voltar, Nogahla?
O estômago de Diná revirou ao pensar em enfrentar Abba Jacó depois de ter ridicularizado a confiança em Esaú.
Sua amiga apertou as bochechas com força, alinhando-a face a face.
El Shaddai trabalha em todas as circunstâncias, senho... Diná. Aprendemos esta verdade a duras penas.
Diná só conseguiu acenar enquanto a jovem continuava sua lição.
É fácil lembrar disso quando a vida é fácil, mas também precisamos nos lembrar quando a vida fica difícil.
As duas se abraçaram, fechando os olhos - como se cada músculo pudesse de alguma forma lutar contra o medo do futuro.
Quando Diná abriu os olhos, olhou além das tendas do acampamento de Jacó e viu os estandartes de um exército que se aproximava.
Não! Ela se endireitou, deixando Nogahla surpresa.
As bandeiras tinham o símbolo de um deus segurando uma montanha na mão.
É o tio Esaú!
Oh, senhora! Quem o convidou para o casamento?
A mão de Nogahla bateu na carroça de casamento.
Me parece uma bom momento para lembrar da presença de El Shaddai.
Diná teria apreciado a fé de sua amiga em qualquer dia. Menos hoje.
Ela só conseguiu se concentrar no brilho das espadas de ferro do exército de Esaú.
As bigas de José chegaram ao extremo sul do acampamento bem antes do carros de boi. Diná observou as silhuetas dos homens se apressarem em direção a figueira central, onde Abba Jacó e seus filhos aguardavam o início da cerimônia.
Leve minha carroça diretamente para o acampamento! Diná disse.
Não amarre com o resto dos animais.
Ela falou em egípcio e o homem pareceu entender, apesar de hesitar em obedecer.
Depressa, ou eu mesmo conduzirei os bois!
As rédeas bateram com força sobre os bois, mas o ritmo dos animais permaneceu lento em comparação com os camelos de Esaú.
Quando a carroça de casamento chegou à fogueira central, Esaú já estava presente acompanhado de três capitães.
O quê?
Diná correu do carrinho sem esperar pela ajuda de um servo.
Ela marchou em direção ao grupo de homens.
O que é tão importante para vir arruinar o meu casamento, tio Esaú?
Diná estava bufando e ofegando enquanto as moedas em sua coroa de casamento tilintavam.
Ela afastou o véu de joias de lado e viu o rosto taciturno de Jó.
Arrependimento e medo lutavam por espaço.
Jó, o que aconteceu?
Silêncio.
Ela olhou para José, ao lado de Abba Jacó.
Os dois abaixaram a cabeça, enquanto os outros onze irmãos aguardavam reverentemente atrás deles.
Nogahla se aproximou de Abã e ele a abraçou.
Eliú estava pálido.
Alguém me diga o que aconteceu! Diná disse.
Jó falou sem rodeios.
Tropas ismaelitas atacaram Dinabá contra o reinado de Bela. Bela foi morto.
Diná se lembrou da previsão de Abã se os edomitas ganhassem o controle de Uz.
Ela processou as palavras enquanto Jó continuou.
Os ismaelitas invadiram a cidade e retornaram ao seu nome original - Uz.
Diná suspirou.
Ela olhou para o rosto dos presentes e se sentiu egoísta por seu alívio.
Sinto muito pelo seu parente, disse ela. Mas ainda podemos voltar a Uz e reconstruir nossa vida?
Abã deu um passo à frente, deixando Nogahla nos braços de Eliú.
Nenhum edomita estará seguro em Uz agora. O príncipe Bildade acompanhou o exército enquanto os ismaelitas invadiam. Ele sabia que Elifaz ainda estava na cidade.
Ah não! Diná virou-se para Jó.
Está tudo bem, meu amor, Jó disse.
Tio Elifaz está seguro. As tropas de Bildade o escoltaram de volta até sua casa em Teman, enquanto Bildade permaneceu em Uz para proteger a propriedade de Abã.
Abã e Nogahla devem retornar o mais rápido possível. Ei não poderei voltar para Uz novamente.
Diná se virou para Nogahla e elas trocaram olhares tristes.
Então ela encarou o olhar de Jó novamente.
Abã e Nogahla serão obrigados a nos visitar então.
Mas ela viu que o desgosto dele era mais profundo que as lealdades tribais.
Diná, o Senhor restaurou grande parte da minha riqueza depois das minhas provações.
Jó segurou o rosto dela.
Mas foi tudo roubado pelos ismaelitas durante o ataque. Não tenho nada para oferecer a uma esposa agora.
O mundo desmoronou e Diná viu as lágrimas se acumulando nos olhos de Jó.
O ouro e a prata não tinham a menor importância para eles.
Ele viveu numa pilha de esterco, e eles descobriram o amor entre as cinzas.
A paz correu por suas veias, quente e vivificante.
Ela respirou fundo para compartilhar seu coração.
Não!
A voz de Abã trovejou.
Bildade é um príncipe entre o seu povo, e eu ainda tenho alguma credibilidade em Uz para impor minhas decisões.
Abã se voltou para Jó.
Prometo que você receberá de volta todos os anéis de kesita e ouro. Lhe darei uma compensação justa por sua terra e palácio.
Abã estendeu a mão, aguardando para selar o pacto.
Obrigado, Abã, disse ele.
Ainda preciso de um herdeiro.
A voz rouca de Esaú interrompeu a ternura do momento.
Jó, você sempre foi muito mole para governar, disse ele, coçando a barba vermelha.
Então, eu estou mudando seu nome na esperança de mudar seu caráter. Seu nome agora será Jobabe. Você precisará aprender a conduzir o reino de Edom com mão de ferro.
Jó ergueu uma sobrancelha.
Não tenho qualquer propriedade, tio. Como poderei construir um reino quando não tenho nem mesmo uma casa?
Diná se perguntou se ele estaria recusando a nomeação de Esaú.
Posso sugerir Bozra?
Todos os olhos se voltaram para José, que permanecia em silêncio até agora.
É uma cidade pequena, mas com grande potencial, localizada perto de duas rotas comerciais e protegida por todos os lados por penhascos íngremes.
Os olhos de Esaú se estreitaram para o sobrinho de aparência egípcia.
E como você sabe tanto sobre uma cidade no meu país, Vizir?
O rosto gentil de José se transformou em pedra, o kohl e a malaquita alongavam seus olhos.
Nos primeiros dois anos desta seca, os moradores de Canaã trocaram seus shekels pela comida de Faraó. Este é o terceiro ano da seca. Agora eles trocam seus rebanhos para conseguir uma xícara de grãos.
Ele se inclinou para frente.
E se eu não me contentar em apenas construir o reino do Faraó?
Sua faixa de ouro no pescoço e seu capacete brilhavam ao sol, fazendo Esaú apertar os olhos.
Mandei mensageiros a Edom para prepara-los para o dia em que seu povo virá ao Faraó pedindo pão.
Como se atreve!
O homem era da cor das bandeiras nos estandartes.
Me atrevo porque sou o vizir do reino mais poderoso da terra, e seria prudente da sua parte obter meu favor.
Sem esperar resposta, José passou o braço em volta do ombro de Jó.
Em breve, o rei Jobabe será o marido de minha irmã favorita. Ele se engana quando diz que não tem casa. Em pouco tempo ele desfrutará de grande prosperidade. Abã prometeu devolver sua riqueza de Uz, e estou oferecendo um grande dote.
Virando-se para Jacó, José disse: Tenho certeza que meu abba está ansioso para demonstrar sua generosidade.
Pela primeira vez desde que José começou seu discurso, a pletora de Esaú começou a desaparecer.
Jacó, você está de acordo? Você vai aumentar o dote de José para sua filha?
Diná a observou enquanto abba murchava sob o olhar de José.
Ele preferia morrer a desapontar seu filho favorito.
Claro que sim,
Jacó resmungou.
Também pretendo oferecer a Jó um dote.
O sorriso de Esaú quase arruinou a vitória de Diná, mas a voz humilde de Jó interrompeu a disputa de generosidade.
Estou profundamente grato por seus presentes, mas ainda tenho uma pergunta.
Virando-se para Diná, ele segurou as duas mãos e olhou nos olhos dela.
Encontramos nosso amor entre as cinzas, disse ele.
Você seria capaz de amar um rei?
Um som estridente ungiu o momento.
Up-up-up.
Diná procurou o pássaro poupa nos arbustos.
Jó deu um beijo gentil.
Ela mal conseguiu respirar, arrebatada pelo momento.
O sabor daquele beijo.
A batida do seu coração.
O lembrete da constante presença de Deus.
Você seria capaz de amar um rei? ele perguntou de novo.
Eu amo Jó, disse ela.
Trovões ecoaram pela Terra Negra do Egito, e uma brisa fresca agitou as árvores.
Diná viu seu reflexo nos olhos de Jó - uma mulher amada.
E seu coração disparou com o prazer do Senhor.
Epílogo
Jó 42:12-17
O Senhor abençoou o final da vida de Jó mais do que o início. Ele teve catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de boi e mil jumentos. À primeira filha deu o nome de Jemima, à segunda o de Quézia e à terceira o de Quéren-Hapuque. Em parte alguma daquela terra havia mulheres tão bonitas como as filhas de Jó, e seu pai lhes deu herança junto com os seus irmãos. Depois disso Jó viveu cento e quarenta anos; viu seus filhos e os descendentes deles até a quarta geração. E então morreu, em idade muito avançada.
Nota do autor
Foi um prazer e um privilégio descobrir tesouros e escrever uma história que emociona e desafia a abrir sua Bíblia. Algumas pessoas perguntaram como eu posso escrever ficção bíblica quando a Palavra de Deus é a Verdade. Espero que, compartilhando uma ilustração, ajude você a entender melhor a ficção bíblica.
Você já tirou suas calças de ginástica da secadora e notou que o cordão havia saído da cintura? Bem, a tediosa tarefa de reinserir o cordão na costura é um pouco como escrever ficção bíblica. A Palavra inerrante de Deus é como a costura da calça: fixa e imutável. Os fatos históricos e a linha do enredo são como o cordão que um escritor insere através da Escritura para juntar a história.
Alguns dos personagens no Love Amid the Ashes estão nomeados nas Escrituras: Isaque, Jacó, Esaú, Diná, Jó, etc. Outros personagens se basearam em textos históricos fora da Escritura. Por exemplo, em um antigo texto judeu chamado Testamento de Jó, a esposa de Jó é descrita como árabe e recebe o nome de Sítis. Tirei muitas ideias de tramas a partir desta narrativa mística da vida de Jó usando variações sutis para tornar a história mais crível no contexto bíblico.
Dr. Karl Kutz, presidente do departamento de línguas bíblicas da Universidade Multnomah, me ajudou imensamente na minha busca pelo contexto histórico. Embora tenha rapidamente apontado os problemas associados à tentativa de colocar o livro de Jó em uma linha de tempo linear, Dr. Kutz notou a possibilidade de conexão no termo hebraico para os servos de Jó (Jó 1:3), que ocorre apenas em um outro lugar, na história de Isaque (Gn 26:14). Da mesma forma, o termo hebraico para o dote de prata que a família de Jó dá (Jó 42:11) é encontrado apenas em Gênesis 33:19 e Josué 24:32. Além disso, Dr. Kutz concorda que é viável que Jó tenha vivido durante a era patriarcal uma vez que a Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento) registra a morte de Jó aos 248 anos de idade.
Dr. Kutz apontou um acréscimo ao livro de Jó na Septuaginta que liga Jó ao personagem histórico Jobabe (mencionado em Gn 36:33). Também diz que Jó tomou uma esposa árabe (que apresento como Ismaelita), e dá ao primeiro filho de Jó o nome de Ennon. Embora os dados encontrados neste acréscimo sejam de valor histórico questionável e reflitam uma tentativa de tornar o caráter de Jó mais histórico, eles sustentam uma percepção popular de que Jó foi um contemporâneo dos patriarcas e fornece um cenário conveniente para a história.
Mistério também envolve a antiga cidade de Uz, fazendo com que alguns comentaristas a coloquem ao norte de Canaã, perto de Aram, enquanto outros a posicionam na fronteira sul entre Edom e a Arábia. O fato é que não sabemos. Essa incerteza deixa meu cordão narrativo mais maleável. Escolhi estabelecer Uz na fronteira de Edom com a Arábia e estudei as montanhas de Edom que contornavam a Estrada Transjordaniana. Ao perceber que Petra estava por perto, criei a antiga Uz de modo mais congruente com o período Nabataean de Petra, e autentiquei locais e descrições de florestas e nascentes naturais com imagens de radar nasa.gov. Infelizmente, nunca visitei Petra pessoalmente, então me contentei com a imaginação e com o www.youtube.com.
Jacó é enviado à Casa de Sem . . . para aprender o Caminho do Senhor, mas Esaú não quis ir. Um trabalho posterior do rabino Louis Ginzberg, The Legends of the Jews, refere-se repetidamente à Casa de Sem. Atribui as educações piedosas de Abraão, Isaque, Jacó e até Melquisedeque (o sacerdote do Deus Altíssimo a quem Abraão pagou dízimo em Gênesis 14) aos ensinamentos de Sem e seus descendentes. Embora não seja um fato bíblico, a Casa de Sem é uma tradição rabínica que sobreviveu a milênios.
Comecei minha pesquisa na biblioteca da Universidade Multnomah com A Commentary on the Book of Job de Douard Dhorme (Nelson, 1984). Como muitas mulheres, tenho me perguntado se os comentaristas têm uma opinião sobre a identidade da mulher sem nome de Jó. Não vendo nenhuma menção de seu nome ou linhagem ali, passei para o capítulo 42 para pesquisar comentários sobre a restituição de Jó e a bênção da segunda família. E foi lá pela primeira vez que vi a filha de Jacó, Diná, sugerida como segunda esposa de Jó. Minha imaginação explodiu, e a semente da história foi plantada.
Eu não tinha idéia de como conciliar a costura bíblica. Como Diná poderia viver no Egito com seu pai se ela se casou com Jó em Uz?
Continuei pesquisando. A Bíblia descreve a mudança de Esaú de Canaã para as montanhas de Seir e suas esposas Ismaelitas, Hivita e Hitita. O significado cultural e geográfico do caldeirão de Edom floresceu em minha imaginação depois que li Whence Came the Hyksos, Kings of Egypt? de David J. Gibson. Embora as teorias do Sr. Gibson sejam controversas, elas acrescentaram uma dimensão do envolvimento do Egito com Edom que abriu minha mente para o possível papel político de Esaú na história. Esaú forneceu uma caravana possível para transferir Diná para o Egito e uma manobra desprezível para atraí-la. O meu cordão se soltou!
Finalmente, como o pequeno pássaro poupa (Upupa epops) tece seu ninho, juntei a trama, história e a Palavra de Deus. Mencionada duas vezes na Escritura (Lv 11,19; Dt 14,18), o pássaro poupa foi escolhido como ave nacional de Israel em 30 de maio de 2008. Embora categorizada biblicamente como impura, a bela criatura conquistou o coração de Israel acima do falcão vermelho, do martim-pescador de peito branco, da coruja branca do celeiro e de outros pássaros [1]. Mais uma vez, o meu pequeno cântico da vitória.
Obrigado, caro leitor, por dedicar um tempo para tecer o fio da Palavra de Deus comigo. Espero que você possa ver que a ficção bíblica é muito mais do que uma imaginação fantasiosa de como as coisas poderiam ter sido. A luta do meu coração é imaginar como os personagens bíblicos experimentaram o Deus que hoje eu conheço. Bênçãos e shalom para você.
Agradecimentos
Os filósofos dizem que é preciso uma vila para criar um filho. Bem, muitas vezes me senti uma criança nos meus esforços para escrever este livro e fiquei muito agradecida à vila de amigos, familiares e colegas que me ajudaram, educaram e me inspiraram.
Ao meu grupo de escritores: Meg Wilson, pelos longos telefonemas, encorajamento pessoal e sessões de aconselhamento de última hora, de última hora. Velynn Brown, por ver o quadro geral e por me desafiar a sentir mais profundamente na página. Michele Nordquist, pela sua fidelidade a este projeto através de e-mail, embora nos tenhamos encontrado apenas três vezes - ela foi por vezes o vento que me impulsionou para a frente. E ao meu querido marido, o homem do último detalhe com a caneta vermelha do professor dele.
Às minhas filhas, Trina e Emily, por serem minhas melhores amigas, jovens mulheres brilhantes e bebês queridos para sempre. Aos meus pais, Charley e Mary Cooley, por me abençoarem com uma herança piedosa e um amor à Palavra de Deus. Aos pais do meu coração, Pat e Sharie Johnson, pelas bênçãos tangíveis e intangíveis que o seu amor traz para as nossas vidas. Ao meu querido sogro, Bill Kidwell, que cozinhava muitos jantares para a família enquanto eu estava ocupada no meu computador.
Para Vicki Crumpton: eu não tinha idéia de que um editor pudesse ser tão gentil e encorajador, uma incentivadora do começo ao fim. A Dan Thornberg pela capa maravilhosa. Para o resto da equipe Revell, que me conduziu como um bebê através do meu primeiro labirinto de publicações. Michele Misiak, Jessica Miles e Cheryl Van Andel: sua paciência se assemelha a isso, Jó.
À família da Universidade Multnomah: Dr. Karl Kutz, que graciosamente gastou alguns almoços e muitos e-mails respondendo a uma miríade de perguntas hebraicas e culturais, e que graciosamente aceitou uma recontagem fictícia dos dados históricos precisos que ele passou anos pesquisando. Para a equipa da biblioteca Multnomah: Suzanne Smith pela sua ajuda na obtenção de materiais de pesquisa, e Pam Middleton pela sua paciência quando guardei os itens bem depois das datas de vencimento.
Aos incríveis autores de ficção bíblica que influenciaram a minha vida pela sua perícia e romances bem pesquisados: A série Marcos, de Francine Rivers, por aguçar meu apetite e acrescentar profundidade e dimensão à era bíblica; A Tenda Vermelha, de Anita Diamant, por minha primeira inspiração de um relato fascinante da era patriarcal a partir de uma perspectiva judaica; e a série de Angela Hunt sobre José, Legacies of the Ancient River, por suas percepções vívidas sobre a vida egípcia.
Aos meus amigos em Israel, Marian e Veronika Brenner, pela ajuda na tradução e redação do hebraico. (Deus não é ótimo por ter organizado nossos assentos para o jantar naquele cruzeiro?)
Como mencionado brevemente na dedicatória, tenho lutado durante algum tempo com patologias crônicas. Eu seria negligente se no final de um livro sobre o sofrimento, eu me esquecesse de agradecer aos profissionais que ajudaram a aliviar minha dor crônica. Muito obrigado à Dra. Marlene Dietrich, Dr. Richard Carroll, Dra. Donna Archer, e Ellen eAkins, LMP. Através dos seus cuidados conseguimos lidar com a dor e, esperemos, tocar muitos corações. Além disso, gostaria de encorajar aqueles de vocês que sofrem de doenças crônicas persistentes a visitarem www.restministries.com para obter incentivo e recursos.
Sem dúvida, esqueci de mencionar meus sinceros agradecimentos a alguém muito importante. Para você, peço graça. Espero melhorar meus registros para o próximo livro!
E a você, leitor, obrigado por passar seu valioso tempo comigo aqui nestas páginas. Minha oração é que você veja a Palavra de Deus se encaixar como uma história entrelaçada que, a partir de hoje, falará de uma maneira nova e renovada.
Finalmente, mais importante, ao meu Deus, que fala em sussurros e trovões quando abro Sua Palavra. Como posso expressar a profundidade do meu amor, minha fome, minha alegria, meus agradecimentos ao Criador de todas as coisas criativas?
[1]. Erez Erlichman, Hoopoe Israel's New National Bird, Ynetnews.com, May 30, 2008, http://www.ynetnews.com/articles/0,7340,L-3549637,00.html.