Cirurgia Plástica na Adolescência
José
Mario Camelo-Nunes • Inês Cristina Camelo-Nunes
Introdução
Os aspectos estéticos e funcionais estão, na cirurgia
plástica, quase sempre, interligados e os procedimentos cirúrgicos costumam ser
didaticamente classificados em reparadores ou estéticos.Algumas intervenções cirúrgicas reparadoras são rotineiramente realizadas durante a infância e adolescência como, por exemplo, correções de deformidades adquiridas por traumas e queimaduras, deformidades congênitas como as malformações ou síndromes craniofaciais, deformidades dentofaciais maxilo-mandibulares, doenças mamárias, lesões pigmentadas da pele, hemangiomas, linfangiomas e tumores malignos da pele.
Este capítulo tem por objetivo abordar a cirurgia plástica realizada na adolescência quando o (a) paciente não é portador (a) das doenças mencionadas anteriormente, mas busca melhorar sua qualidade de vida por meio da melhora de sua auto-estima abalada por algum aspecto físico que considera inadequado.
Imagem Corporal
Sendo assim, a imagem corporal nunca é estática, variando não apenas com o crescimento e desenvolvimento como também com os objetivos de vida, a cultura adquirida, os padrões de cada sociedade e suas relações humanas.
Quase todas as pessoas são alvejadas diariamente com imagens e informações sobre qual seria a imagem ideal. No universo da ficção, os filmes, as novelas e as revistas apresentam garotos (as) e homens (mulheres) como modelos corporais a serem seguidos.
Apesar de esses padrões estarem completamente distantes da realidade da maioria das pessoas, cria-se a expectativa e a exigência pelo padrão correto ou ideal. Esse fato costuma ser prejudicial para os adolescentes que, em meio a inúmeras adaptações impostas por mudanças físicas e psicológicas características dessa fase da vida, podem de forma catastrófica e angustiante concluis; meu corpo é feio, sou feio (a), sou gordo (a), minhas mamas são pequenas, grandes, feias.
Cirurgia Plástica na Adolescência
Quanto à cronologia, a Organização Mundial da Saúde define a adolescência como o período compreendido entre os 10 e os 19/20 anos de idade. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente define essa fase dos 13 aos 18 anos de idade.
O aspecto físico se refere às mudanças anatômicas e fisiológicas típicas da puberdade. Nos meninos, a puberdade começa em torno de 9 a 14 anos de idade, podendo ir até os 13 anos. Já nas meninas, o processo se inicia antes, geralmente entre 8 a 13 anos. Quanto à menarca, fato marcante da puberdade feminina, ocorre em média aos 12,2 anos, podendo variar de 9 a 16 anos.
A distinção entre puberdade e adolescência não é universal. Os indicadores somáticos da puberdade são: surto de crescimento, desenvolvimento das gônadas, desenvolvimento das características sexuais secundárias, mudanças na composição do corpo, isto é, massa muscular e quantidade e distribuição da gordura subcutânea e aumento das capacidades circulatória e respiratória.
O aspecto psicológico, por sua vez, se fundamenta na busca do adolescente por sua identidade, imagem corporal, intelectualidade, sexualidade e sofre influência direta dos valores culturais da sociedade em que vive e do papel social que deve cumprir.
Assim, para se indicar um procedimento em cirurgia plástica, esses três aspectos devem ser avaliados dinamicamente. Além disso, é imprescindível lembrar que, normalmente, o adolescente não teve tempo de estabelecer, estabilizar ou amadurecer sua imagem corporal.
Após essas considerações, indicar e realizar uma intervenção cirúrgica não reparadora no adolescente é atitude que exige extremo critério, cautela e bom senso.
Consulta: Diagnóstico e Protocolos Operatórios
A consulta do cirurgião plástico para avaliação e conduta permitirá a realização do diagnóstico que deve se basear na propedêutica clínica consagrada.
Frente a diagnóstico com indicação de tratamento cirúrgico, será possível a exposição do planejamento terapêutico, informando a evolução do pré, intra (eventualmente) e pós- operatório a curto e longo prazo. Caberá, ainda, ao cirurgião plástico informar os riscos inerentes aos procedimentos propostos, as possíveis complicações e seu tratamento, bem como os cuidados pós-operatórios necessários.
O cumprimento rigoroso de protocolo pré e pós-operatório permitirá que os riscos sejam minimizados e que as complicações não ocorram ou sejam raras.
Fazem parte do pré-operatório as avaliações bioquímicas, clínico-cardiológica e, em alguns casos, avaliação por imagem.
No adolescente, a indicação e o acompanhamento pré e pós-operatório de um procedimento cirúrgico deverão ser discutidos e corroborados por uma equipe multidisciplinar coordenada pela Medicina do Adolescente, pelos hebiatras, profissionais capacitados ao atendimento integral do adolescente.
Caso o adolescente e/ou seus pais procurem por conta própria o cirurgião plástico, este deverá, após avaliação, encaminhá-los ao pediatra-hebiatra ou a outros médicos para que seja possível discutir o diagnóstico e o tratamento propostos.
Cabeça
Entre o nascimento e os 18 anos, a circunferência da cabeça aumenta em média 20cm e 75% do total desse aumento é atingido aos dois anos de idade.
As porções basioccipital e basiesfenoidal do osso occipital são unidas por uma tira de cartilagem, conhecida por sincondrose esfeno- occipital, que sofre ossificação entre 16 e 17 anos de idade.
O pequeno volume da face, ao nascimento, deve-se principalmente à condição rudimentar da maxila e mandíbula, à falta de erupção dos dentes, ao pequeno tamanho dos seios maxilares e da cavidade nasal. Com a erupção dos dentes decíduos (sete meses a seis anos de idade), ocorre o alargamento da face e dos maxilares, e essas modificações são ainda mais acentuadas depois da segunda dentição (até os 12 anos de idade).
A proporção neurocrânio-face ao nascimento é 8:1; no segundo ano de vida, 6:1; aos cinco anos, 5:1; no adulto, 2:1.
As estimativas sobre a calcificação das suturas variam muito, dependendo da sutura estudada, do método de estudo e dos espécimes examinados. Alguns estudos relatam que as suturas do crânio se fecham completamente ao final da adolescência, e as da face, logo após. No entanto, diversos estudos têm mostrado que o crescimento do complexo craniofacial permanece ativo ao longo da idade adulta, estabilizando suas proporções por volta dos 16 aos 18 anos de idade.
Nariz
Maxila, Mandíbula e Mento
Orelhas
Cerca de 85% do crescimento cartilaginoso da orelha ocorre até
os três anos de idade, cessa por volta de sete anos, voltando a crescer a
partir da sexta década.
As orelhas podem apresentar anomalias do crescimento, deformidades por trauma ou outras doenças. A anomalia mais encontrada é a orelha em abano e pode ser corrigida a partir dos sete anos de idade.
É comum, na prática diária, atender a adolescentes acompanhados de seus pais, avós, padrinhos e outros familiares que querem fazer a correção cirúrgica (otoplastia). É importante que o adolescente expresse a vontade de mudança e de realizar a intervenção, uma vez que sua participação no pós-operatório será fundamental. Ao manifestar essa vontade, o diagnóstico e tratamento não devem ser protelados, pois as conseqências psicossociais podem ser irreversíveis por receberem diversos apelidos jocosos.
Tronco
Mamas - Mastoplastia
Em geral, a menina começa a entender a importância das mamas
desde o início da adolescência, quando o crescimento e desenvolvimento mamários
passam a ser evidentes. Em alguns casos, esse crescimento é rápido e por vezes
desordenado; já em outros, a mama praticamente não cresce.Na adolescência, as alterações mamárias responsáveis pela maior parte das consultas a cirurgiões plásticos são as hipotrofias (hipomastias), hipertrofias (hipertrofia juvenil ou gigantomastia) e assimetrias mamárias.
É comum encontrar meninas que tenham dificuldade para lidar com o volume e/ou a forma de suas mamas, julgando-as grandes demais ou muito pequenas, assimétricas ou ainda com formato não almejado. São frequentes histórias de meninas que nunca vão à praia, piscina, a clubes ou que usam sempre blusas ou camisetas maiores do que suas medidas para esconder suas mamas muitos grandes. De maneira semelhante, é comum o emprego de artifícios para aumento do volume mamário, como a colocação de meias ou tecidos no interior dos sutiãs ou mesmo o uso de sutiãs confeccionados para esse fim.
A diminuição da auto-estima e a insatisfação dessas adolescentes freqentemente tornam mais difíceis seus relacionamentos com a família, os amigos e namorados, gerando comportamentos introvertidos ou de rebeldia e revolta. Uma vez identificadas essas situações, os pais ou responsáveis devem buscar a ajuda de profissionais, que poderão solicitar uma consulta em cirurgia plástica.
A mastoplastia de redução ou aumento poderá ser indicada e realizada nas meninas-mulheres ao final da puberdade, por volta dos 18 anos, devido ao término de seu crescimento e desenvolvimento quando passam a ser consideradas fisiologicamente mulheres adultas, maduras. Frente a situações de menarca tardia, deve-se aguardar a regularização do ciclo menstrual e a manutenção da regularidade por no mínimo dois anos.
Nos meninos, durante a adolescência, pode ocorrer o aumento das mamas ou ginecomastia. A ginecomastia considerada patológica pode ser causada pelo uso de medicamentos, drogas, tumores, doenças hepáticas, renais e glandulares.
A ginecomastia puberal ou o aumento do volume mamário no homem púbere sadio ocorre em cerca de 2/3 dos adolescentes masculinos, geralmente entre os 10 e os 18 anos e pode durar vários meses. Aos 20 anos, poucos homens terão ginecomastia palpável. Essa ginecomastia ocorre devido ao excesso fisiológico (comum nessa fase) de estradiol em relação à testosterona plasmática.
Nos casos em que a regressão espontânea não ocorrer, poderá ser indicada a correção cirúrgica pela mastectomia subcutânea e/ou lipoaspiração, dependendo da composição da mama, glandular ou gordurosa.
Mamas - Lipoaspiração
A lipoaspiração das mamas pode ser associada à mastoplastia de redução
nos casos em que houver predomínio do componente gorduroso sobre o glandular.
Trata-se de estratégia tática ou variação de técnica cirúrgica.
Abdome
Dermolipectomia
Frente à perda de grande quantidade de peso corporal, por
exemplo, após tratamento de obesidade, com alteração na relação conteúdo-continente do abdome, é comum a redundância de pele e
subcutâneo. Nesses casos, pode ser realizada a dermolipectomia desses excessos.Lipoaspiração
Membros Superiores e Inferiores
Dermolipectomia e
Lipoaspiração
Utilizar os mesmos princípios descritos para o abdome.Cicatrizes
A cicatrização é um processo dinâmico e complexo, com várias etapas que culminam na reparação tecidual. O processo completo pode levar até 18 meses, com diminuição gradativa do edema, das colorações variadas, das alterações da forma e volume locais. Nesses casos, ocorre a alteração na sensibilidade ao calor, frio e toque. Na maioria dos casos, haverá uma alteração definitiva na sensibilidade da cicatriz, sendo comum os pacientes relatarem uma sensação estranha no local.
Dentre os fatores associados ao aparecimento de cicatrizes patológicas (hipertróficas e quelóides) estão:
• Raça: negros e orientais são mais susceptíveis do que caucasianos.
• Hereditariedade: freqentemente indivíduos com acometimento grave
apresentam história familiar.
• Fatores locais: as regiões de deltóides, pré- esternal e face são
mais propensas.
• Idade: os jovens são mais susceptíveis do que os adultos, e os idosos
são menos acometidos.
Cicatrizes hipertrófícas são elevadas, tensas, pruriginosas, avermelhadas e frequentemente dolorosas; não ultrapassam os limites das lesões que as originaram e tendem à regressão, pelo menos parcial, em intervalos de tempo variáveis. Por outro lado, os quelóides têm forma tumoral, ultrapassam os limites dos traumatismos que o originaram; são avermelhados ou violáceos, por vezes, pediculados, causam dor e prurido. Não costumam regredir e tendem à recidiva após excisão.
As perfurações da pele feitas por piercings e tatuagens, geralmente realizadas por adolescentes, poderão causar essas cicatrizes hipertrófícas ou quelóides, além de infecção local.
Não se pode esquecer dos eventuais alargamentos e das alterações de coloração da cicatriz. Essas ocorrências poderão set minimizadas com técnicas cirúrgicas adequadamente escolhidas e aplicadas, materiais de sutura de boa qualidade e cumprimento rigoroso do protocolo pós-operatório.
Todos esses aspectos devem ser apontados; esclarecidos e discutidos com o adolescente, uma vez que serão imprescindíveis para a tomada da decisão. A pergunta crucial a ser respondida e que surgirá de imediato é: Vale a pena se submeter a uma intervenção cirúrgica e permanecer para sempre com uma cicatriz?.
Considerações Finais
As mudanças corporais, particularmente, são vividas pelo adolescente com muita ansiedade, uma vez que sua mente, ainda infantil, vê um corpo se transformando de forma inexorável em um corpo diferente (adulto). Assim, o adolescente se vê obrigado a reformular sua imagem corporal e, frente a algum aspecto físico que considere inadequado, poderá ter sua auto-estima abalada.
As dificuldades em lidar com as mudanças corporais, bem como a idealização de um corpo perfeito, com formas perfeitas ou ainda de um rosto perfeito, fazem com que a procura pela cirurgia plástica seja uma prática cada vez mais crescente entre adolescentes. É comum constatar que adolescentes geralmente pensam que podem adquirir as formas que bem entendem ou que desejam.
É indispensável o entendimento do que o adolescente deseja. Busca um equilíbrio, uma proporcionalidade ou simetria de algo desequilibrado, desproporcional, assimétrico?
A indicação e realização do ato operatório, com finalidade não reparadora em um adolescente, exigem muita cautela. A simples vontade de se sentir melhor ou a insatisfação com determinada característica física não são suficientes para a indicação de um procedimento cirúrgico.
Quanto mede essa vontade? Qual é o valor dessa insatisfação? Até que ponto pode a cirurgia plástica garantir a satisfação de sua vontade?
Adolescentes que colocam seu ideal de beleza em modelos impostos pela sociedade devem ser pacientemente ouvidos e esclarecidos quanto à relação risco-benefício de procedimentos realizados por modismo ou aparente exigência da sociedade.
Conclusões
A cirurgia plástica, assim como toda a medicina, estabelece com o paciente uma relação de meio e não de fim. Portanto, não é adequado prometer resultados específicos, mas sim a melhora do estado atual, apesar dos riscos e das complicações inerentes aos procedimentos cirúrgicos.
O termo estética (o) em cirurgia plástica não pode ser interpretado apenas como sinônimo de lindo, bonito ou belo.
Há adolescentes em que o diagnóstico encerra tratamento cirúrgico legítimo, verdadeiro e que realmente melhora sua condição física. Pela combinação de elementos diferentes e individualizados, mas ligados por uma relação de pertinência, é produzida uma sensação agradável e de prazer, harmonia.
Na adolescência, isso certamente enaltece a auto-estima, aprimora a qualidade de vida e garante as boas relações sociais, à luz da boa saúde física e mental.