Compreendendo a Adolescência (pelo menos tentando!)

O termo adolescência deriva de adolescer, do latim adulescere, que significa crescer, desenvolver. O particípio presente de adulescere é adolescente; o particípio passado é adulto.

Nenhuma definição é totalmente satisfatória; há, sim, vários conceitos que adotam critérios variados para caracterizar essa fase da vida. Há poucas referências à esta etapa da vida na literatura antiga. O estudo da adolescência com bases científicas modernas data da década de 1950.


Breves citações antigas:
Hesíodo, poeta épico da Grécia, no século VIII a.C., encarava a juventude com ironia e severidade:

“Não vejo esperança para o futuro de nosso povo se ele depender da frívola mocidade de hoje, pois todos os jovens são indizivelmente
frívolos... Quando eu era menino, ensinavam-nos a ser discretos e a respeitar os mais velhos, mas os moços de hoje são excessivamente sabidos e não toleram restrições.” Eurípedes, poeta trágico e filósofo grego do século IV a.C., autor de Medéia, Andrômaco e Electra, obras clássicas do teatro, descreve e enaltece a juventude em sua tragédia póstuma Efigênia de Aulis.
Aristóteles, também filósofo grego do século III a.C., em suas Retóricas descreve com bastante agudeza e profundidade essa fase da vida:
“Os adolescentes são concupiscentes
fartáveis nas paixões. Impetuosos, mas de pronto se acalmam, impulsivos que são, mas irresistentes (como a sede e a fome dos enfermos). Ardorosos e irascíveis, deixam-se conduzir pela cólera. O sentimento de honra os toma revoltados quando se julgam subestimados, e agastados quando se consideram vitimas de injustiça. Desejam sobressair, mas superestimam o triunfo à consideração. Tais sentimentos prevalecem sobre a avareza, pouco avaros que são, faltos de privação na vida. Não presenciaram muitas maldades, donde serem cândidos e não maliciosos. Não foram muitas vezes enganados, daí serem confiantes. São cheios de esperança, por não haverem sofrido desenganos, como inebriados pela natureza ardente. Mais esperam que recordam, pois têm passado breve e futuro longo. Porque facilmente esperam, facilmente se enganam. Animosos, nada temem; confiantes, tudo esperam. Educados segundo certos usos, sói envergonharem-se de certos bens que não compreendem. São magnânimos, menos por haverem sido humilhados e forçados na vida, mas por se julgarem merecedores de grandes coisas. Guiados mais pela índole do que pela razão, com a decorrente predominância do bem sobre útil, preferem fazer o bem ao que lhes é proveitoso. Comprazem-se na convivência e sobrepujam na amizade e companheirismo aos de outras idades, já que buscam mais o amigo do que o interesse. Tudo fazem com excesso: se amam, se odeiam, se, enfim, agem, o fazem com veemência. Julgam saber tudo e são categóricos nas afirmações (daí os demais excessos). Injustiças as perpetram por incidentes e não por maldosos. Porque avaliam a todos sem maldades e os consideram injustiçados no que sofrem, são naturalmente compassivos. Amam o risco e a jocosidade, forma educada de atrevimento”. A Idade Média e o Renascimento não trouxeram qualquer contribuição aos problemas da adolescência e da juventude. No entanto, no período romântico, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), precursor do naturalismo, afirma em Emílio que a adolescência seria o segundo nascimento, conceito retomado muito mais tarde por Stanley Hall, em 1904.

Vários escritores abordaram o período da adolescência e da juventude sob forma poética ou dramática. W. Shakespeare (1564-1616) com Romeu e Julieta, história muito conhecida, e Bernardin de Saint-Pierre (1737-1814) com Paulo e Virgínia, romance idílico de duas crianças que crescem no meio da natureza paradisíaca da ilha Maurício e descobrem o amor.

A este período longo, mas obscuro, segue-se outro, científico e breve, no qual começam a surgir distinções entre puberdade (componente somático), adolescência (que designa o conjunto de transformações corporais e psicológicas ocorridas entre a infância e a idade adulta) e juventude (aspecto social e moral).
* No Império Romano já se utilizava a palavra adolescens e preconizava-se a seguinte divisão etária: infants (até 7 anos), puer (até 16 anos), adolescens (até 30 anos), juvenis (de 30 a 45 anos), Senior (de 46 a 60 anos) e senex (de 61 a 80 anos).
Erik Erikson - psicanalista responsável pelo desenvolvimento da Teoria do Desenvolvimento Psicossocial na Psicologia e um dos teóricos da Psicologia do desenvolvimento - em seu livro Identidade, Juventude e Crise ajuda a compreender esta etapa da vida


No indivíduo, é tarefa do ego promover o controle da experiência e orientar a ação de tal modo que se crie uma certa síntese global, ainda e sempre, entre as fases e aspectos diversos e conflitantes da vida - entre as impressões imediatas e as recordações associadas, entre os desejos impulsivos e as exigências compulsivas, entre os aspectos mais íntimos e os mais públicos da existência. Para realizar essa tarefa, o ego desenvolve modos de defesa. À medida que amadurece, através da constante interação das forças maturacionais e as influências ambientais, desenvolve-se uma certa dualidade entre os níveis maior de tensão e de diversidade, e os níveis superiores de integração, o que permite uma tolerância maior de tensão e de diversidade, e os níveis inferiores de ordem, onde as totalidades e conformidades devem ajudar a preservar um sentimento de segurança. O estudo dessas fusões e de-fusões que - no nível individual - propiciam o êxito de uma globalidade ou de uma tentativa de totalidade pertence, pois, ao domínio da psicologia psicanalítica do ego. Tudo o que posso aqui fazer é apontar esse campo de estudo.

Os primórdios do ego são de avaliação difícil mas, até onde sabemos, ele emerge gradualmente de uma fase em que a “globalidade” é uma questão de equilíbrio fisiológico, mantido através da mutualidade entre a necessidade de receber do bebê e a necessidade de dar da mãe. A mãe, é claro, não é apenas uma criatura parturiente mas também é membro de uma família e de uma sociedade. Ela, por seu turno, deve sentir uma certa relação global entre o seu papel biológico e os valores da sua comunidade. Só assim pode ela comunicar ao bebê, numa linguagem inconfundível de intercâmbio somático, que o bebê pode confiar nela, no mundo e em si próprio. Só uma sociedade relativamente “global” pode assegurar à criança, através da mãe, uma convicção íntima que todas as experiências somáticas difusas e todas as confusas pistas sociais do começo da vida podem se acomodar num sentido de continuidade e uniformidade que gradualmente une o mundo interno e o externo. À fonte ontológica de fé e esperança que assim se destaca dei o nome de sentido de confiança básica: é a primeira e básica globalidade, pois parece implicar que o interno e o externo podem ser experimentados como uma bondade correlacionada. Portanto, a desconfiança básica é a soma de todas aquelas experiências difusas que, de algum modo, não são equilibradas com êxito pela experiência de integração. Não se pode saber o que se passa num bebê, mas a observação direta, assim como as esmagadoras provas clínicas, indicam que a desconfiança inicial é acompanhada de uma experiência de raiva “total”, com fantasias de dominação total ou até de destruição das fontes de prazer e sustento; e que tais fantasias e raivas perduram no indivíduo e são revividas em situações e estados extremos.
De fato, todo o conflito básico da infância perdura no adulto, numa ou noutra forma. Os passos mais remotos são preservados nas camadas mais profundas. Todo o ser humano fatigado pode regressar, temporariamente, à desconfiança parcial, sempre que o mundo de suas expectativas foi abalado até as raízes. Entretanto, as instituições sociais parecem dotar o indivíduo com garantias coletivas contínuas, em relação àquelas ansiedades que se acumularam desde o seu passado infantil. Não se discute que é a religião organizada que sistematiza e socializa o primeiro e mais profundo conflito na vida; ela combina as tênues imagens dos primeiros provedores de cada indivíduo em imagens coletivas de protetores super-humanos primevos; torna compreensível o vago desconsolo de desconfiança básica, proporcionando- lhe uma realidade metafísica na forma de um Mal definido; e oferece ao homem, por meio de rituais, uma periódica restituição coletiva de confiança que, nos adultos maduros, se transforma numa combinação de fé e realismo. Na oração, o homem assegura a um poder super-humano que, apesar de tudo, manteve-se digno de confiança e pede um sinal de que também ele pode continuar agora confiando em sua deidade. Na vida primitiva, que lida com um segmento da natureza e desenvolve uma magia coletiva, os Provedores Sobrenaturais de alimento e fortuna são freqüentemente tratados como se tossem pais encolerizados, senão rancorosos, que precisam ser apaziguados pela oração e a autoflagelacão. As formas superiores de religião e ritual dirigem-se igualmente, de maneira clara, aos remanescentes nostálgicos, em cada indivíduo, de sua expulsão do paraíso de globalidade que outrora proporcionou liberal sustento mas que, infelizmente, se perdeu, deixando para sempre um sentimento indefinível de divisão perversa, malevolência potencial e profunda nostalgia. A religião restabelece, a intervalos regulares e através de rituais significativamente relacionados com as crises importantes do ciclo vital e os momentos culminantes do ciclo anual, um novo sentimento de globalidade, de coisas reatadas. Mas, como é o caso de todos os esforços diligentes, aquilo que era para ser banido para além da periferia é passível de reaparecer no centro. Muita totalidade cruel, fria e exclusiva dominou algumas fases na história da religião organizada. É lícito perguntar de que maneira a idéia de um universo punitiva ou misericordiosamente abarcado por Um Deus e seu dogma preparou a humanidade para a idéia de Um Estado Total, assim como para a de Uma Espécie Humana Global; pois não sofre dúvida que, em períodos de transição, um realinhamento total pode assegurar o avanço para maior globalidade, assim como para o totalismo.
Hoje, nenhuma zombaria por parte do céptico despreocupado e nenhum fervor punitivo por parte do dogmático podem negar o fato desconcertante de que grande parte da humanidade se encontra sem uma religião viva e atuante que dê globalidade de existência ao homem industrial em seus tratos produtivos com a natureza e ao homem mercantil em suas lucrativas permutas de bens, num mercado mundial em expansão. Até que ponto está atormentado o self-made man em sua necessidade de sentir-se seguro em seu mundo feito pelo homem pode ser depreendido da profunda incursão que uma identificação inconsciente com a máquina - comparável à identificação mágica do homem primitivo com a sua principal presa - efetuou no conceito ocidental de natureza humana, em geral, e na espécie de educação infantil, automatizada e despersonalizada, em particular. A necessidade desesperada de funcionar com regularidade e limpeza, sem fricções, enguiços ou fumaça, associou-se às idéias de felicidade pessoal, de perfeição governamental e até de salvação. Por vezes, sente-se que um estranho totalismo está-se insinuando naqueles inovadores ingênuos que esperam que uma nova globalidade provenha do processo de desenvolvimento tecnológico, em si e por si mesmo, tal como em tempos não muito distantes o milênio iria surgir da inquebrantável sabedoria da natureza, do misterioso equilíbrio intrínseco do mercado ou da santidade íntima da riqueza. Claro que é possível tornar as máquinas mais atraentes e mais confortáveis, à medida que se tornam mais práticas; a questão é saber donde virá aquele sentimento profundo de bondade específica de que o homem necessita em sua relação com a sua principal fonte e técnica de produção, a fim de permitir-se ser humano num universo razoavelmente familiar. Sem resposta, essa necessidade continuará aumentando uma profunda e generalizada desconfiança básica que, em áreas dominadas por mudanças demasiado súbitas na perspectiva histórica e econômica, contribui para a disposição de aceitar uma ilusão totalitária e autoritária de globalidade, confeccionada de antemão e sem originalidade, com um líder à testa de um partido único; uma ideologia que fornece um fundamento lógico simplista para explicar toda a natureza e toda a história; um inimigo categórico de produção a ser destruído por uma agência centralizada de justiça - e o constante desvio para inimigos externos da raiva impotente armazenada interiormente.
Deve ser aqui recordado, entretanto, que pelo menos um dos sistemas a que chamamos totalitarismo, o Comunismo Soviético, nasceu de uma ideologia que prevê, para além de todas as revoluções, uma globalidade final da sociedade, livre da interferência de um Estado armado e da estrutura de classes que o tornava necessário. Nessa visão, a revolução total e o Superestado totalitário são apenas um Estado para pôr fim a todos os Estados; abolir-se-á a si próprio ao “tornar-se inativo”, deixando na globalidade final de uma democracia sem estado nada para ser administrado exceto “coisas... e processos de produção”. Devo deixar para outros o exame da questão do grau em que os meios e métodos totalitários poderão se tornar irreversivelmente rígidos demais nos centros “idosos” de tal empreendimento utópico. Entrementes, não devemos perder de vista, porém, aqueles povos recém-emergentes (e suas populações jovens) na periferia do mundo soviético e o nosso que estão necessitando de um sistema total de crenças neste período de mudança tecnológica comum. Não descreverei aqui as implicações de cada uma das sucessivas fases da infância para a ideologia do totalitarismo. A alternativa original de uma solução “global”, na forma de confiança básica, e de uma solução “total”, na forma de desconfiança básica, que relacionamos à questão da Fé, é acompanhada em cada passo por alternativas análogas, cada uma das quais está, por seu turno, relacionada com uma das instituições humanas básicas.
Desejo apenas referir-me, de passagem, àquele aspecto do desenvolvimento infantil que na literatura psicanalítica sobre totalitarismo recebeu a maior, se não uma exclusiva ênfase: refiro-me ao período em volta dos cinco anos de idade (freqüentemente denominado o período edípico), quando a criança está pronta para desenvolver não só uma iniciativa mais orientada para objetivos e mais rebelde mas também uma consciência mais organizada. A criança sadia e brincalhona de três ou quatro anos desfruta de um sentido insuperável de globalidade autônoma que supera um sentimento sempre ameaçador de dúvida e vergonha e conduz a grandes sonhos de glória e realização. É então que, de súbito, a criança enfrenta episódios de culpa fóbica e secreta e evidencia uma rigidez inicial de consciência que tenta dividi-la contra si própria, agora que o pequeno ser humano aprendeu a desfrutar a globalidade de ser uma criatura autônoma e a prever conquistas excessivas.
O guardião da consciência é, de acordo com Freud, o superego, o qual se sobrepõe ao ego como um governador interno ou, poderíamos dizer, um íntimo governador-geral que representa as autoridades exteriores, limitando os objetivos da iniciativa, assim como os seus meios. Poder-se-ia desenvolver esta analogia. Conquanto, numa dada altura, fosse responsável perante um rei estrangeiro, esse governador-geral torna-se agora independente, usando tropas nativas (e seus métodos) para combater a insurreição nativa. Assim, o superego passa a refletir não Só a severidade das exigências e limitações originalmente impostas pelos pais mas também o caráter relativamente rudimentar da fase infantil em que elas foram impostas. Portanto, a consciência humana, mesmo quando ao, serviço de ideais conscientes, conserva um certo primitivismo inconsciente e infantil. Somente uma combinação parental de verdadeira tolerância e firmeza pode guiar um processo infantil que, de outro modo, é perturbado pela atitude cruelmente “categórica” empregada por uma consciência austera, a qual se volta primeiro contra o eu mas, de um modo ou outro, acabará depois por concentrar-se na supressão de outros.
Portanto, essa divisão interna é o segundo grande estímulo (a separação da mãe foi o primeiro) para as soluções “totais” na vida, as quais se baseiam na simples e, no entanto, tão significativa proposição de que nada é mais insuportável do que a vaga tensão da culpa. Assim, por essa razão, alguns indivíduos tentam, às vezes, superar toda a indefinição moral tornando-se totalmente bons ou totalmente maus - soluções que denunciam a sua natureza ambivalente, à medida que os totalmente “bons” podem aprender a converter-se em carrascos e torturadores ad majorem Dei gloriam, enquanto que os totalmente “maus” podem desenvolver lealdades decididas a líderes e grupos. i óbvio que a propaganda autoritária se dirige a esse conflito, convidando os homens, coletiva e abertamente, a projetar a maldade total em qualquer “inimigo” interno ou externo que possa ser apontado por decreto e propaganda estatal como totalmente sub-humano e peçonhento, ao passo que os convertidos podem sentir-se totalmente bons como membros de uma nação, raça ou classe abençoada pela história.
O fim da infância parece-me ser a terceira e mais imediatamente política crise de globalidade. Os jovens devem tornar-se pessoas inteiras por direito próprio e isto durante uma fase do desenvolvimento caracterizada por uma diversidade de mudanças no crescimento físico, no amadurecimento genital e na consciência social. À globalidade a ser realizada nesta fase chamei um sentido de identidade interior. A pessoa jovem, a fim de sentir a globalidade, deve experimentar uma continuidade progressiva entre aquilo que foi durante os longos anos da infância e aquilo em que promete converter-se, no futuro previsto; entre aquilo que ela se concebe ser e aquilo que ela percebe os outros verem nela e esperarem dela. Individualemnte falando, a identidade inclui (mas é mais do que) a soma de todas as identificações sucessivas desses primeiros anos, quando a criança queria ser como as pessoas de que dependia - e freqüentemente era forçada a sê-lo. A identidade é um produto singular que enfrenta agora uma crise a ser exclusivamente resolvida em novas identificações com os companheiros da mesma idade e com figuras líderes fora da família. A busca de uma identidade nova mas idônea pode ser melhor observada, talvez no persistente esforço dos adolescentes para se definirem redefinirem a si mesmos e uns aos outros, numa comparação muitas vezes implacável, enquanto que uma busca de alinhamentos idôneos pode ser reconhecida no infatigável exame do mais recente em possibilidades e do mais antigo em valores. Sempre que a autodefinição resultante, por razões pessoais ou coletivas, torna-se excessivamente difícil, resulta um sentimento de confusão de papel; o jovem, em vez de sintetizar, contraponteia as suas alternativas sexuais, étnicas, ocupacionais e tipológicas, e é freqüentemente impelido a decidir, definitiva e totalmente, por um lado ou por outro.
Neste ponto, a sociedade tem a função de orientar e limitar as opções individuais. As sociedades primitivas sempre tomaram essa função muito a sério; os seus ritos de puberdade substituem um horror de indefinição, dramatizados por rituais, com um sacrifício definido e um símbolo sagrado. As civilizações mais avançadas encontraram meios mais espirituais de “confirmação” do plano vital correto. Entretanto, a juventude sempre descobriu maneiras de reviver as “iniciações” mais primitivas, formando turmas fechadas, bandos ou uniões acadêmicas. Na América, onde a juventude, de modo geral, está livre de tradicionalismo primitivo, de paternalismo punitivo e de padronização através de medidas estatais, desenvolveu-se, entretanto, uma autopadronização espontânea, a qual torna absolutamente obrigatórios para os “iniciados” os aparentemente absurdos estilos de vestuários e modos de gesticular e falar, em constante transformação. Na sua maior parte, é um negócio complacente, despreocupado, cheio de mútuo apoio de um gênero “alter-orientado” mas, ocasionalmente, cruel para os inconformistas e, é claro, indiferente à tradição de individualismo que pretende exaltar.
Referir-me-ei, uma vez mais, à patologia individual. A necessidade de encontrar, pelo menos temporariamente, um cunho total de padrão é, hoje em dia, tão grande que a juventude prefere, por vezes, nada ser - e isso de um modo total - a continuar sendo um feixe contraditório de fragmentos de identidade. Mesmo nas perturbações individuais usualmente denominadas pré-psicóticas ou psicopáticas, ou diagnosticadas de algum outro modo em conformidade com a psicopatologia adulta, pode ser observado um quase pro positado Umschaltung com uma identidade negativa (e suas raízes no passado e presente). Numa escala um tanto mais ampla, uma propensão análoga para uma identidade negativa predomina na juventude delinqüente (toxicômana, homossexual) das nossas maiores cidades, onde as condições de marginalidade econômica, étnica e religiosa fornecem bases pobres para qualquer espécie de identidade positiva. Se tais “identidades negativas” são aceitas como identidade “natural” e final de um jovem por professores, juízes e psiquiatras, é freqüente ele investir o seu orgulho, assim como a sua necessidade de orientação total, em tornar-se exatamente o que a comunidade negligente espera que ele seja. Analogamente, muitos jovens americanos de antecedentes marginais e autoritários encontram refúgio temporário em grupos radicais em que uma rebelião-e-confusão incontrolável, em tudo o mais, recebe a chancela de legitimidade universal dentro de uma ideologia de tudo-ou-nada. Alguns, é claro, levam a coisa “a sério”, mas são muitos os que meramente deixam o barco correr em tal associação.
Devemos compreender, pois, que só um firme sentimento de identidade interior assinala o fim do processo adolescente e é uma condição para um maior amadurecimento verdadeiramente individual. Ao contrabalançar os remanescentes internos das desigualdades originais da infância e ao debilitar, assim, a hegemonia do superego, um sentimento positivo de identidade permite ao indivíduo renunciar a um auto-repúdio irracional, o preconceito total contra si próprios que caracteriza os neuróticos e psicóticos graves, assim como o ódio fanático à alteridade. Contudo, essa identidade depende do apoio que o indivíduo jovem receba do sentido coletivo de identidade característico dos grupos sociais que são significativos para ele: sua classe, sua nação, sua cultura. Neste ponto, é importante recordar que cada identidade grupal cultiva o seu próprio sentimento de liberdade, sendo essa a razão pela qual uma pessoa raramente compreende o que faz outras pessoas sentirem-se livres. Contudo, sempre que o desenvolvimento histórico e tecnológico interfere severamente com identidades profundamente arraigadas ou fortemente emergentes (isto é, agrária, feudal, patrícia), numa vasta escala, a juventude sente-se em perigo, individual e coletivamente, apresentando-se imediatamente para dar seu apoio a doutrinas que ofereçam uma imersão total numa identidade sintética (nacionalismo extremo, racismo ou consciência de classe) e para condenar coletivamente uni inimigo totalmente estereotipado da nova identidade, O medo de perda de identidade que alimenta essa doutrinação contribui, significativamente, para o misto de integridade e criminalidade que, em condições totalitárias, fica ao alcance do terror organizado e do estabelecimento das importantes indústrias de extermínio. E como as condições que minam o sentimento de identidade também fixam os indivíduos mais velhos em alternativas adolescentes, um grande número de adultos entra na forma ou é paralisado em sua resistência. Assim, a minha sugestão final é que o estudo dessa terceira importante crise de globalidade, no final da infância e juventude, revela a mais forte potencialidade para o totalismo e, por conseguinte, é de grande significado no surgimento de novas identidades coletivas em nosso tempo. A propaganda totalitária concentra-se, em toda a parte, na afirmação de que a juventude está acima dos fluxos e refluxos do passado. Uma melhor compreensão disso poderá ajudar-nos a oferecer alternativas de esclarecimento, em vez da nossa atual inclinação para menosprezar ou proibir, em débeis tentativas de superar totalmente os totalitários.
Ter a coragem da própria diversidade é um sinal de globalidade nos indivíduos e nas civilizações. Mas também a globalidade deve ter fronteiras definidas. No estado atual da nossa civilização, ainda não é possível antever se uma identidade universal promete ou não abranger todas as diversidades e dissonâncias, relatividades e perigos mortais que emergem com o progresso tecnológico e científico.