Fonoaudiologia e Pediatria
Aspectos Fonoaudiológicos na Consulta de Puericultura
Flávia Cristina Brisque Neiva
A detecção precoce das alterações de comunicação é essencial para o tratamento, uma vez que, quanto mais cedo se iniciarem as medidas adequadas, melhor o prognóstico e, consequentemente, o desenvolvimento.
A Fonoaudiologia, em suas diversas interseções com a Puericultura, visa o completo bem-estar da criança em todas as suas particularidades, enfocando os aspectos comunicativos. O desenvolvimento da comunicação humana se inicia antes do nascimento, prolonga-se por toda a infância e depende da integridade do sistema auditivo e do sistema nervoso central, das habilidades cognitivas e motoras, e da qualidade da relação com o meio ambiente.
Para que o profissional da puericultura possa acompanhar o desenvolvimento integral nos primeiros anos de vida, a seguir serão abordados resumidamente aspectos do desenvolvimento da audição, da fala, da linguagem, fluência e da motricidade orofacial.
Motricidade Orofacial
A Motricidade Orofacial é a área da Fonoaudiologia voltada para estudo, prevenção, avaliação, diagnóstico e tratamento de alterações estruturais e funcionais de lábios, língua, bochechas, face e região cervical, musculatura da face e as funções a elas relacionadas, como a respiração, sucção, mastigação, deglutição e fala1.
A função de sucção realizada nos primeiros meses de vida é precursora de todo o desenvolvimento motor oral. Ao nascer e durante os primeiros quatro a seis meses, o bebê apresenta algumas características que permitem a realização da sucção e extração eficiente do leite. Elas correspondem à presença de: depósito de tecido gorduroso localizado nas bochechas (sucking pads), pequeno espaço intraoral, reflexo da retração da mandíbula, permitindo que a língua preencha toda a cavidade oral e realize o movimento de extensão-retração, não dissociação entre os movimentos de língua, lábios e mandíbula, proximidade palato/epiglote e respiração nasal2.
Através do movimento de sucção realizado ao longo destes primeiros meses, algumas destas características se modificam. Assim, a partir dos quatro meses de idade começa a ocorrer a absorção das sucking pads, o crescimento da mandíbula e consequentemente o aumento do espaço intraoral. gerando maiores possibilidades de movimentação da língua, que passa a alternar o movimento anteroposterior com o movimento de elevação e rebaixamento e maior dissociação dos movimentos de língua, lábios e mandíbula2.
Para tanto, o bebê deve sugar de forma adequada e eficiente, sendo o aleitamento materno a melhor forma de estimulação do crescimento e desenvolvimento craniofacial e motor-oral do recém-nascido. Ao sugar o seio materno, o bebê adquire o padrão apropriado de respiração nasal e posiciona corretamente a língua, estimulando adequadamente a musculatura envolvida na função de sucção3,4.
A respiração nasal é fundamental para o crescimento adequado da face e para o bom funcionamento das demais funções. Ao respirar pelo nariz, todo o fluxo de ar nasal propicia um adequado crescimento e desenvolvimento craniofacial, adequada erupção e oclusão dental, e funções de mastigação, deglutição e fala. Infelizmente, hoje em dia a respiração através da boca é muito frequente, pode estar associada à presença de obstruções das vias aéreas superiores, como as rinites alérgicas, amígdalas e adenoides aumentadas; à presença de desvio de septo nasal, de hábitos orais (sucção de dedo, chupeta, mamadeira)5,6.
Quando ocorre o desmame precoce, o desenvolvimento motor-oral pode ser afetado, podendo provocar alterações futuras quanto à fala, postura, respiração, mastigação e deglutição. Além disto, o desmame precoce predispõe ao estabelecimento de hábitos de sucção não nutritiva, como chupeta, sucção digital, entre outros uma vez que a criança não supre suas necessidades de sucção4.
Estes hábitos orais, por sua vez, podem levar a más oclusões, flacidez da musculatura da face, dos lábios e da língua, e alterações nas funções de respiração (respiração bucal), mastigação, deglutição e fala4.
O grau das alterações pode variar, dependendo da frequência, da intensidade e da duração dos hábitos de sucção, bem como do tipo de bico usado na mamadeira (os bicos ortodônticos são menos prejudiciais e o furo da mamadeira com o orifício no tamanho original é mais adequado)7. Tanto a mamadeira como a chupeta devem ser retiradas o quanto antes, não devendo ultrapassar os três anos de idade. Algumas alterações no encaixe dos dentes, como por exemplo, a mordida aberta, podem regredir espontaneamente se for eliminado o hábito até no máximo três anos de idade.
O desenvolvimento motor-oral adequado também influencia a evolução nutricional do RN, permitindo a adequada transição alimentar, de modo que a criança tenha condições de receber os alimentos certos na idade adequada, garantindo que a mobilidade e a força da musculatura possam evoluir adequadamente8. A transição alimentar corresponde à introdução gradativa de diferentes consistências e tipos de alimentos, respeitando a maturação do sistema gastrointestinal e o desenvolvimento motor-oral e contribui para o desenvolvimento motor-oral e craniofacial8.
Após os seis primeiros meses, com a introdução de outros alimentos além do leite, a consistência deve ir se modificando gradativamente. Por volta dos sete meses, o bebê já tem habilidade para receber alimentos semissólidos, em pedaços ou amassados com pedaços. A partir dos 12 meses, com o crescente refinamento das habilidades motoras orais, podem ser introduzidos alimentos cortados e, aproximadamente aos 18 meses, a criança pode receber a maioria dos alimentos, com diferentes consistências, semelhantes à dieta do adulto2-8.
Infelizmente, não é raro deparar com crianças que só comem alimentos pastosos ou peneirados ou amassados. Assim, não exercitam a sua mastigação podem vir a apresentar dificuldades na aceitação da alimentação sólida, alteração na mobilidade e tonicidade da musculatura envolvida, interferências no nascimento dos dentes e na oclusão dental, postura de repouso dos lábios e da língua, respiração bucal e troca de letras na fala8.
A função de mastigação exige movimentos dissociados da língua, dos lábios e mandíbula, que estimulam o desenvolvimento das estruturas faciais e preparam a musculatura orofacial para a articulação dos sons. Esta função é dividida em algumas fases. Inicialmente, ocorre o corte do alimento com a atuação dos dentes incisivos e caninos, em seguida os dentes posteriores realizam a trituração do alimento, que em conjunto com a ação da saliva o transformam em um bolo alimentar para ser deglutido5-9. A função de deglutição ocorre em seguida à sucção ou mastigação, e é um processo contínuo que pode ser dividido em fase oral, faríngea e esofágica. A fase oral é a única voluntária e consciente, portanto passível de intervenção fonoaudiológica5. Ao deglutir, algumas crianças apresentam uma inadequação na movimentação da língua, projetando-a contra os dentes e interpondo-a além dos lábios, a terminologia comumente usada para essa alteração é “deglutição atípica” ou “distúrbio de deglutição”10.
Diante de todas as repercussões apontadas anteriormente, é necessário estar atendo para a postura de repouso dos lábios e da língua, a mastigação e deglutição, com a intenção de prevenir alterações futuras.
Fala
A habilidade da fala corresponde à articulação dos fonemas na língua portuguesa e depende diretamente da integridade da audição (percepção auditiva), da cognição, da linguagem (regras fonológicas) e das condições motoras orais para concretizar a produção dos sons (produção). Na puericultura, é importante compreender de forma global o desenvolvimento e a ordem de aquisição dos fonemas da língua portuguesa. Isso instrumentaliza o pediatra a acompanhar e detectar alterações neste desenvolvimento.
Durante o desenvolvimento, nos primeiros anos de vida, observa-se que a criança vai adquirindo os fonemas e aprimorando a sua fala. A aquisição dos sons respeita uma ordem natural, de modo que se sabe a idade esperada para que a criança produza determinado som, o que facilita a detecção de uma alteração no desenvolvimento de fala9. Vale ressaltar que cada fonema, ao ser produzido, possui um ponto articulatório envolvendo as estruturas dos lábios, língua, dentes e palato: bilabiais (contato entre os lábios), labiodentais (contato de lábios e dentes), linguodentais (contato de língua e dente), linguoalveolares (contato de língua e alvéolos), velares (contato da língua com a parte posterior palato mole) e palatais (contato de língua com palato). Assim, a criança inicia a sua produção sonora pelos fonemas mais simples e ao longo do tempo vai produzindo os sons mais complexos11,12.
Os primeiros fonemas a serem adquiridos são os bilabiais, mais fáceis de produzir e discriminar. Por volta dos dois anos e meio a criança deve ser capaz de produzir as vogais e os fonemas /p/, /b/ ,/m/, /n/, sendo os três primeiros bilabiais. Ao redor dos três anos de idade a criança já é capaz de produzir as vogais e os fonemas mais posteriores, como linguodentais /t/ e /d/ e os velares /k/ (som de “c”, como por exemplo na palavra casa), e /g/ (som de “g”, por exemplo na palavra gato). Com quatro anos espera-se que tenha adquirido o fonema velar /r/ (referente ao som do "r" na palavra raio ou na palavra barraca), os linguoalveolares /l/, /s/, /z/ (p. ex., nas palavras: leite, sopa e mesa ou zebra) e os palatais /ʃ/ (som do “ch” da palavra chuveiro) e /Ê’/ (som do “j” na palavra "jacaré".
Com quatro anos e meio a criança deve articular todos os fonemas, tendo já adquirido os mais complexos:
• o palatal /ÊŽ/ (som do “lh” na palavra palhaço) e /ɲ/ (som do “nh”, exemplo palavra minhoca);
• os velares /r/ e /R/ (sendo o primeiro referente ao som do “r” vibrante, como por exemplo na palavra barata, e o segundo o correspondente ao som do “R” na palavra porta);
• o linguoalveolar /S/ (som do "s" na palavra testa, por exemplo);
• os encontros consonantais com /l/ e /r/ (exemplos: bicicleta e branco).
É importante esclarecer que as idades que constam da tabela são aproximadas, sendo que consideramos uma variação de aproximadamente seis meses. Há um consenso de que por volta dos cinco anos de idade a criança já deve produzir todos os sons da língua (Tabela abaixo).
| Ordem de Aquisição Fonemas | |
| Idade | Fonema |
| 2 anos e 6 meses | /p/ /b/ /m/ /n/ vogais |
| 3 anos | /t/ /d/ /f/ /v/ /g/ /k/ - representa o som da letra C de "cabelo" |
| 4 anos | /s/ - representa o som da grafia S ou Ç de "sapo” e "açúcar"; /ʃ/- representa o som da grafia CH de "chinelo"; /z/ - representa o som da grafia S ou Z de "casa" e "zebra"; /j/ - representa o som da grafia J de "janela"; /R/ - representa o som da grafia RR ou R inicial, de "barro" e "rato". |
| 4 anos e 6 meses | /ÊŽ/ - representa o som da grafia LH de "palhaço”; /ɲ/ - representa o som da grafia NH de "minhoca"; /r/- representa o som da grafia R de "arara"; {R} - representa o som da grafia R de "torta"; {S} - representa o som da grafia S de “festa"; gr /l/ - representa o som da grafia dos grupos consonantais com L, exemplo: "bloco"; gr /r/ - representa o som da grafia dos grupos consonantais com R, exemplo; "preto"; |
Quando a criança ainda não produz determinado som, ela o omite ou o substitui por um som “menos complexo”. O fonoaudiólogo, diante das amostras de fala espontânea e de testes, classifica os fonemas de acordo com o modo de articulação, ponto articulatório e sonoridade, e analisa as substituições de fonemas, de acordo com as regras fonológicas13.
Durante o desenvolvimento da fala, a criança usa alguns processos fonológicos que são característicos do desenvolvimento normal e esperados em determinadas faixas etárias12. Porém, nem todas as trocas de letras ou omissões fazem parte do desenvolvimento normal, algumas trocas não são esperadas em nenhuma faixa etária (como por exemplo sonorização e ensurdecimento, onde há troca entre fonemas surdos e sonoros, exemplos: “vazenda” em vez de “fazenda” ou “feia” em vez de “vela”), sendo necessária intervenção precoce.
Uma outra questão relacionada com a fala corresponde à inadequação do ponto articulatório dos fonemas, seguida ou não pelas correspondentes distorções dos sons. Por exemplo, ao produzir o fonema /S/ na palavra sapato, a ponta da língua deve tocar a região dos alvéolos/papila palatina. No entanto, algumas crianças projetam a língua além dos dentes incisivos centrais, permitindo um escape anormal de ar, resultando numa distorção dos sons. Esse tipo de alteração freqüentemente está associado à presença de má oclusão dental (mordida aberta) e/ou de hábitos orais (sucção digital e chupeta).
Todas estas possíveis alterações na fala interferem na eficiência da comunicação, afetando a compreensão, desviando a atenção do ouvinte e, consequentemente, mascarando o conteúdo da linguagem. Nas crianças em idade pré-escolar e escolar, as alterações de fala podem levar a dificuldades de interação e de aquisição da linguagem escrita.
Linguagem
A linguagem corresponde a uma habilidade cognitiva e, portanto, seu desenvolvimento se relaciona ao desenvolvimento linguístico (vocabulários, semântica, sintaxe, entre outros), aos mecanismos de compreensão, de expressão, e aos processos integrativos cerebrais, sendo importantíssimos os estímulos visuais, auditivos, táteis, motores, aspectos emocionais e comportamentais.
A aquisição desta habilidade relaciona-se ao quadro de evolução da comunicação, abrangendo símbolos verbais e não verbais. O desenvolvimento da comunicação inclui a fase pré-verbal e a verbal. A seguir estão sintetizados alguns parâmetros sobre o desenvolvimento da linguagem infantil9-14.
Até por volta dos dois meses de idade, o comportamento da criança é predominantemente reativo ao meto ambiente e sua comunicação ainda não tem caráter de intencionalidade. Os adultos, ao interpretarem as reações do bebê, atribuem intenções e significações, as quais o bebé ainda não é capaz de organizar espontaneamente, dando sentido às suãs ações, emoções e mundo físico que a rodeia. Nesta fase, o choro é a sua principal forma de comunicação: comunica o seu desconforto, consegue alimento, presença da mãe, colo e alívio.
Dos dois aos oito meses ocorre um aumento da atividade e do comportamento exploratório do bebê, que deixa de simplesmente reagir aos estímulos para começar, cada vez mais, a agir sobre o ambiente. Apesar de tais progressos, ainda não existe comunicação intencional. Mas o fato de agir sistematicamente sobre as coisas ao seu redor, demonstrando nitidamente alegrias e frustrações frente às situações, facilita a tendência interpretativa dos adultos. Assim, fica mais fácil para os pais compreenderem o que pode estar se passando com a criança e o que ela pode estar sentindo em um determinado momento. O olhar e o sorriso surgem como aliados dessa comunicação, acompanhados pelas vocalizações, que se tornam gradativamente mais intensas e diferenciadas.
De início há uma integração sensorial e compreensão da situação e, posteriormente, por volta dos oito ou nove aos 12 meses, surgem a compreensão e a expressão simbólicas, quando a criança passa a reconhecer objetos em miniatura, as palavras e a relação entre a palavra e o objeto.
Entre 12 e 18 meses, a comunicação intencional ganha um impulso significativo, a criança aponta e aprende gestos comunicativos convencionais (o “não”, o “sim”, o “tchau”) e começa a usar as primeiras palavras: inicia-se o desenvolvimento da comunicação verbal. Nesta primeira fase, a linguagem se caracteriza por enunciados de uma só palavra, podendo ter múltiplos significados. No final desta etapa, a criança deve ser capaz de compreender ordens simples.
Dos 18 aos 24 meses começam a surgir os enunciados de dois elementos, formando um esboço de frase, como (p. ex., “Dá água”, “Qué mama”. Por volta dos 24 meses a criança já reconhece os objetos bidimensionais, as imagens, e comunica-se por meio da chamada “fala telegráfica”. Novas categorias de palavras são incorporadas aos enunciados, porém, há uma tendência à omissão de certos elementos linguísticos como artigos, preposições e conjunções. Exemplo: “Vo brinca bola”. Tais categorias de palavras são progressivamente dominadas ao longo da infância.
É no decorrer do segundo ano de vida que aparecem as condutas simbólicas (capacidade de representar ou usar símbolos), referências de um bom desenvolvimento. Por exemplo, a criança imagina uma caixa como um carrinho, uma almofada representa um bebê. O não surgimento do simbolismo indica a possibilidade de haver problemas quanto ao desenvolvimento de funções responsáveis por tais condutas.
Quando chega aos quatro ou cinco anos, a criança que vem apresentando uma evolução favorável de linguagem já apresenta um domínio significativo da gramática de sua língua.
Todo o processo de aquisição da linguagem pode apresentar variações normais e aceitáveis entre as crianças, dentro do padrão de normalidade. Quando essas alterações extrapolam esse padrão, é crucial o diagnóstico e a intervenção precoce. Alguns autores indicam em suas pesquisas que as crianças com alteração no desenvolvimento de linguagem apresentam riscos para apresentarem dificuldades de aprendizado, alterações comportamentais e problemas de linguagem15.
Caso a criança não fale nenhuma palavra até os dois anos, use muitos gestos, tenha dificuldades em compreender o adulto ou dificuldade cm ser compreendida por ele, e/ou não construa frases com dois anos e meio a três anos, algo pode estar alterado no desenvolvimento da linguagem. Esperar o tempo passar e acreditar que um atraso na linguagem pode ser normal, acaba adiando e retardando a busca de procedimentos e intervenções adequadas, agravando ainda mais as dificuldades.
Embora a grande maioria dos casos de atraso na aquisição de linguagem advenha de problemas leves que podem ser sanados com certa facilidade, uma boa parte dos casos pode estar revelando alterações mais graves, como distúrbios significativos no desenvolvimento das funções nervosas superiores. Uma alteração auditiva deve ser sempre descartada.
Muitas vezes, o atraso de aquisição de linguagem pode fazer parte de um quadro evolutivo que se manifesta de maneiras variadas nas diferentes fases do crescimento. Por exemplo, crianças mais velhas portadoras de outros tipos de alterações, como distúrbios de aprendizagem ou de aquisição de leitura-escrita, revelam, com frequência, uma história de atraso de desenvolvimento, manifestada através de distúrbios de aquisição de linguagem15.
É imprescindível estarmos atentos para as dores de ouvido, de dentes, dificuldades para ouvir, enxergar, locomover-se, pois estes sinais podem indicar um problema maior que interfere diretamente na linguagem e no seu desenvolvimento. Durante a puericultura as mães devem ser orientadas a estimular e acompanhar o desenvolvimento de linguagem, devem conhecer a importância do contato e vínculo com seu bebê, das conversas desde a gestação, troca de olhares, atribuição de significados para as ações do bebê. Devem estar cientes da importância de um ambiente que estimule o desenvolvimento da linguagem.
Caso todos que convivam com a criança adivinhem e decifrem os pedidos e as necessidades da criança antes que esta os verbalize, ou compreendam quando a criança fala trocando letras, satisfazendo seus desejos, ela não precisará falar para conseguir o que quer, quanto menos se esforçar para desenvolver sua linguagem, para se comunicar ou falar corretamente. Também é bastante comum os adultos utilizarem palavras erradas ou infantilizadas ao falar com a criança (exemplo: “nenê té papa?”, em vez de “o bebê que comer?”), incentivando a alteração de fala e linguagem. O mais adequado é sempre fornecer o modelo correto: falando e articulando corretamente.
Audição
O sentido da audição é responsável por um dos principais meios de inter-relação humana: a comunicação, e tem papel crucial no desenvolvimento das habilidades comunicativas na infância. As informações auditivas chegam ao ser humano mesmo antes do nascimento e, ao longo dos primeiros anos de vida, a percepção auditiva permite a interação da criança com o mundo e a aquisição da fala16. A presença de uma perda auditiva interfere não só na comunicação, mas também na forma de se relacionar com o mundo, acarretando alterações no desenvolvimento de linguagem, cognitivo, emocional, entre outros.
No início da vida, a perda auditiva pode não ser detectada pela família, o que enfatiza a importância da avaliação auditiva e do conhecimento dos indicadores de risco: história familiar de perda auditiva, queixa dos pais em relação ao comportamento auditivo do filho, infecções pós-natais (meningite bacteriana), infecções intraútero (citomegalovírus, herpes, rubéola, sífilis ou toxoplasmose), síndromes associadas à perda auditiva, traumatismo craniano, otite média secretora recorrente ou persistente por mais de três meses, permanência em UTI durante a fase neonatal por mais de 48 horas, anomalias ou malformações craniofaciais (p. ex., desde alterações no pavilhão externo até fissuras labiopalatinas)16.
A preocupação em identificar precocemente e investigar a limitação auditiva deve estar na mente de todos os profissionais que lidam com crianças. Atualmente, no Brasil (Lei 12.303/10), todos os recém-nascidos devem ser submetidos ao Teste da orelhinha, que corresponde ao exame de Emissões Otoacústicas Evocadas. Os bebês que apresentarem alterações neste exume devem ser acompanhados e encaminhados para uma avaliação audiológica completa.
Além disto, ressalta-se a importância de conhecer e acompanhar o desenvolvimento da laia e da audição durante a puericultura. As respostas aos sons variam em função da idade da criança, ocorrendo uma evolução nas respostas. A Tabela 28.2 procura sintetizar os comportamentos esperados de acordo com a faixa etária da criança.
Na idade pré-escolar e escolar, mesmo quando a audição é normal, algumas crianças podem apresentar distúrbio do processamento auditivo. Esse distúrbio pode levar a dificuldades cm seguir instruções verbais, de compreender a leitura e palavras de duplo sentido, organizar os pensamentos e narrar os fatos, problemas no aprendizado das regras da língua. É comum serem crianças mais desatentas, dispersas, distraídas, agitadas ou inibidas”.
| Comportamentos Esperados de Acordo com a Faixa Etária da Criança | |
| Faixa Etária | Comportamentos Esperados |
| 0-3 meses | • Assusta com sons altos; • Se acalma com a voz da mãe; • Emite sons (choraminga, risadas sonoras); |
| 3-6 meses | • Vira os olhos e a cabeça em direção a fonte sonora; • Se aquieta com a voz materna; |
| 6-9 meses | • Reage quando chamado pelo nome; • Imita os sons da fala ou outros sons; • Brinca com os sons repetindo sequências; |
| 9-12 meses | • Vira a cabeça em direção a sons altos e baixos; • Balbucia em resposta a nossa voz; • Fala 2 ou 3 palavras; • Obedece ordens simples (por exemplo entregar um brinquedo); • Entende palavras comuns (por exemplo: "não", "tchau"); |
| 12-18 meses | • Identifica partes do corpo, pessoas e brinquedos; • Localiza sons vindos de todas as direções; • Pede o que deseja, tentando falar o nome do objeto; • Tenta montar uma frase mesmo que somente com poucas palavras que se possa entender; • Usa gestos juntamente com palavras; |
| 18-24 meses | • Obedece ordens simples; • Fala frases de 2 palavras; • Identifica brinquedos e utensílios domésticos; • Reconhece sons domésticos (telefone, campainha, latido, carro); • Tem um vocabulário de 20 ou mais palavras; |
| 24-30 meses | • Refere-se a si mesmo pelo nome; • Consegue montar uma frase com pelo menos metade das palavras corretas; • Tem um vocabulário de 50 palavras ou mais, formando frases de 2 ou 3 palavras; • Responde com "sim" ou "não" a situações comuns |
| 30-36 meses | • Forma sentenças longas; • Faz perguntes; • Começa a entender alguns significados, com "dentro”, "embaixo", "fora". |
Fluência
Durante os primeiros anos de vida, mais precisamente entre dois e três anos, quando a criança está adquirindo e desenvolvendo a sua linguagem, é comum observar períodos variáveis no grau de fluência da fala. Assim, a criança dentro do seu desenvolvimento normal pode ser disfluente, ocasionalmente, repetindo uma ou duas vezes sílabas ou palavras, (p. ex., pa-pa-pato), ou apresentando prolongamentos de sons, hesitações e as interjeições como “há", “e". "hum".
As disfluências ocorrem com mais frequência entre um ano e meio e cinco anos de idade, e costumam ir e vir. Normalmente, são sinais de que a criança está aprendendo a usar a linguagem de maneira nova. Se as disfluências desaparecerem durante várias semanas e depois voltarem, a criança pode estar atravessando uma nova fase de aprendizagem. Aproximadamente 50% das crianças superam, com sucesso, este período, porém é fundamental uma adequada atitude da família e da escola. No restante, a disfluência se mantém ou se agrava, podendo ou não integrar ao ato de fala os movimentos associados18.
De uma maneira geral, se as disfluências não forem acompanhadas de esforço para falar, se não houver movimentação facial associada (piscar de olhos, evitar contato de olho durante a conversa, pressão nos lábios, etc.) e/ou corporal (bater a mão, bater o pé. mexer nos cabelos, etc.) não existe razão para uma preocupação maior. Num período de até seis meses a tala da criança deverá voltar ao normal, melhorando também suas habilidades linguísticas e de adaptação à escola13-19.
Por outro lado, quando as disfluências estão presentes na maioria das situações de comunicação e apresentam as características listadas anteriormente, são consideradas graves, podendo ser caracterizadas como gagueira (desordem da fala que não faz parte do desenvolvimento normal da linguagem)13-19. A criança com gagueira leve repete sons, sílabas e/ou palavras mais de duas vezes (p. ex., “pa-pa-pa-pa-pato”) e realiza prolongamentos (p. ex., “paaaaaaaaaato"). Além disto, pode ocorrer tensão evidente nos músculos faciais, sobretudo ao redor da boca e aumento da intensidade de voz com as repetições e, ocasionalmente, terá “bloqueios" - ausência de ar e voz por alguns segundos.
Nestes casos, é importante orientar a família a tentar falar mais lentamente, com mais pausas e relaxadamente, e nunca falar muito devagar, de modo que sua fala pareça estranha, ou solicitar à criança a respirar, pensar, falar mais devagar. Quando a criança falar ou perguntar algo, o correto é parar um segundo ou mais antes de responder, fazendo com que sua fala fique mais lenta e relaxada.
Deve-se sempre dar segurança e mostrar interesse no que a criança está falando (conteúdo), não demonstrar preocupação com o modo como ela está falando, e nunca completar ou terminar as palavras pela criança.
Nos casos mais graves de gagueira, a disfluência está presente na maioria das situações de comunicação, podendo apresentar movimentos faciais e corporais. Além disto, podem estar associados esforço e tensão na articulação dos sons, presença de pausas (interrupções no fluxo da fala por mais de três segundos) e bloqueios dc fala (tempo não apropriado para iniciar a fala, tremores faciais, tiques). Nestes casos, é necessária a ajuda de profissional especializado13-19.
Pode-se dizer que a gagueira é uma desordem multidimensional, em que há interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Hoje cm dia, com os avanços dos estudos genéticos, sabe-se que a gagueira tem uma predisposição hereditária que, quando associada a fatores ambientais estressantes (crise familiar, separação de pais, mudanças de escola/endereço, perda de um ente querido, chegada de um irmão). Pode levar aos sintomas.
